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Economia Coronavírus

Com auxílio emergencial, número de beneficiários de transferência de renda dobra no país

Em alguns municípios, parcela da população que recebe o benefício chega a 90%. Em média, são 25%. No Bolsa Família, eram 13,2%
Dobra o número de beneficiários de transferência de no país renda Foto: Marcelo Marques / Agência O Globo
Dobra o número de beneficiários de transferência de no país renda Foto: Marcelo Marques / Agência O Globo

RIO E BRASÍLIA - Terminar o mês sem dever nada. Esta é uma nova realidade na vida de Vanuzia Silva Oliveira, de 46 anos, moradora de Maetinga, no interior da Bahia, que viu o benefício do Bolsa Família dobrar com o auxílio emergencial por ser chefe de família.

Desempregada, recebendo R$ 1.200 por mês do governo federal e com oito filhos e um neto para cuidar, ela agora consegue não apenas fazer a compra do mercado, como pagar as contas atrasadas sem fazer novas dívidas.

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— Com as escolas paradas, as crianças em casa comem o tempo todo. Aqui é muita gente, e ninguém tem emprego — diz ela, que já trabalhou como gari na prefeitura.

Vanuzia está entre os 50 milhões de brasileiros que foram beneficiados pelo auxílio emergencial. A injeção de mais de R$ 150 bilhões na proteção dos mais vulneráveis por causa da pandemia do novo coronavírus mudou não apenas a geografia das transferências de renda nos municípios brasileiros, como, em algumas cidades, aqueceu o consumo, em uma economia que deverá terminar o ano com a maior retração em 120 anos.

Distribuição da transferência de renda social no país Foto: Criação O Globo
Distribuição da transferência de renda social no país Foto: Criação O Globo

Levantamento feito pelo GLOBO com base em dados do Ministério da Cidadania mostra que o auxílio emergencial atingia, no fim de abril, em média, 25% da população dos 5.570 municípios brasileiros. Em algumas cidades, como Maetinga, a parcela da população que recebe o benefício chega a 90%.

Antes, somente com o Bolsa Família, a média de beneficiários era de 13,2% nas cidades brasileiras.

O crescimento da base de atendidos foi registrado em todas as regiões do país, mas não mudou a lógica da distribuição que ocorria com o Bolsa Família: quanto mais pobre o município, maior a cobertura. O auxílio, contudo, ganhou peso também em cidades mais desenvolvidas.

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Municípios ricos, como São Paulo, hoje têm um percentual de beneficiários similar ao que era observado em cidades pobres do país quando só havia o Bolsa Família.

Especialistas explicam que esse aumento generalizado é consequência dos efeitos da pandemia e também da crise prolongada no mercado de trabalho. Antes da Covid-19, 12,3 milhões estavam desempregados e mais de 1,4 milhão de brasileiros aguardavam na fila do Bolsa Família.

Veto se valor for mantido

Com a expansão da cobertura social e o anúncio da prorrogação do pagamento do auxílio, o programa começa a ser visto como um mecanismo de aquecimento da economia no segundo trimestre do ano, quando as previsões são de um tombo de mais de 10% no PIB.

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Na quinta, em transmissão em rede social, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que pretende vetar a prorrogação do auxílio se o Congresso decidir pela manutenção do valor atual, de R$ 600. O Ministério da Economia pretende pagar mais duas parcelas de R$ 300, mas o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), defende a manutenção dos R$ 600.

Economistas destacam o chamado efeito multiplicador do benefício: com mais dinheiro, há mais consumo, o que gera arrecadação para o estado. Mesmo com o desemprego e a queda da renda, são os mais pobres que têm maior propensão ao consumo.

— Quanto mais para o pobre for a transferência, maior o ganho para a macroeconomia, se você tem uma capacidade ociosa — explica o pesquisador Marcelo Neri, diretor da FGV Social, ressaltando que cada R$ 1 gasto com Bolsa Família adiciona R$ 1,78 ao PIB.

Neri afirma que, apesar do efeito do auxílio ser menor no PIB, o recurso fará diferença nas cidades menores, onde já há grande dependência dos programas de transferência de renda. A média do Bolsa Família, de R$ 190 por mês, deu lugar a R$ 1.200 por pelo menos três meses a muitos beneficiários do programa, por serem chefes de família com crianças.

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Em tese, são 20 meses de Bolsa Família recebidos em apenas três. Com garantia de dinheiro no bolso, mesmo com a impossibilidade de fazer bicos, aumenta o incentivo ao consumo, afirma o pesquisador.

Em Maetinga, no interior da Bahia, andar na rua e não esbarrar com um beneficiário do auxílio emergencial é um desafio. No município, 2.919 dos pouco mais de 3.100 habitantes recebem o benefício, que deve injetar em três meses o equivalente a cerca de 11% do PIB da cidade. Entre março e abril, apenas um emprego com carteira assinada foi perdido na cidade, segundo dados do Caged, cadastro do Ministério da Economia.

— O auxílio emergencial ajudou muito no aquecimento do comércio local. Podemos dizer que o consumo aumentou muito. Os supermercados estão vendendo mais, assim como as lojas de material de construção e de eletroeletrônicos — destaca o prefeito Edcarlos de Oliveira (PT).

Rafaela Vitória, economista-chefe do banco Inter, explica que o efeito do auxílio é potencializado nas cidades menores e mais pobres, porque a economia nesses municípios gira em torno do comércio e de serviços às famílias.

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Em Fartura do Piauí (PI), cerca de 42% dos moradores recebem a ajuda. Segundo o prefeito Laênio Macêdo (PSD), o auxílio chegou a quadruplicar a renda das famílias, a maioria dependente do Bolsa Família e que vive de subsistência. É o caso do ajudante de pedreiro Genivaldo dos Santos. Com filho recém-nascido, ele ficou impossibilitado de fazer bicos:

— Esses R$ 600 vieram na hora certa. Recebi no dia em que meu filho nasceu.

Reação em cadeia

Estudo feito por pesquisadores do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais (Cedeplar/UFMG) mostrou que, caso o auxílio emergencial fosse estendido até dezembro, o PIB seria beneficiado em 0,55%, contra 0,44% se o programa durar apenas até junho.

Segundo a pesquisa, a extensão do benefício aumentaria inicialmente o consumo das famílias, mas causaria uma reação em cadeia na economia.

A pesquisa mostra ainda que, se o auxílio for retirado em junho, a arrecadação de tributos será de R$ 22,3 bilhões, menos de um quinto dos R$ 128 bilhões que seriam registrados caso a política fosse estendida até o fim de 2020.

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— No momento de recessão iminente, manter a renda da base é importante para você gerar efeitos multiplicadores, pois estamos falando da maior parte da população, que consome a maior parte da sua renda — explica Débora Freire Cardoso, pesquisadora do Cedeplar/UFMG.

Segundo o estudo, os setores mais impactados seriam os de eletrodomésticos, perfumaria, higiene e limpeza. A pesquisa também mostra que as classes mais altas também seriam beneficiadas, embora não recebam o benefício. Os efeitos advêm dos impactos indiretos que as transferências geram na economia.

Para o segmento da indústria, que vive seu pior momento desde 2002, a permanência do auxílio poderá gerar maior previsibilidade sobre a demanda existente, principalmente nas camadas mais pobres.

— Ajuda como o colchão de amortecedor na demanda. Não quer dizer que o setor vá crescer em cima disso, mas amortece a queda e estabiliza. Pode ser algo necessário — explica o economista Rafael Cagnin, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).

No entanto, a falta de focalização do auxílio, com sucessivas fraudes, pode acabar penalizando a economia, alerta Neri, da FGV Social.

— Você pode perder nos dois lados, na capacidade de fazer chegar o benefício aos mais pobres e na capacidade de fazer a economia girar.