Economia

Com queda nos preços de combustíveis, abril registra deflação de 0,31%, menor índice em 22 anos

Preço da gasolina caiu em todas as regiões pesquisadas. Na contramão, alimentação em casa tem alta de 2,24%
Após sucessivas quedas, o preço da gasolina aumentou na quinta-feira Foto: Antonio Scorza / Agência O Globo
Após sucessivas quedas, o preço da gasolina aumentou na quinta-feira Foto: Antonio Scorza / Agência O Globo

RIO — Com forte queda no preço dos combustíveis, o país teve deflação de 0,31% em abril, após ter registrado alta de 0,07% em março, divulgou o IBGE na manhã desta sexta-feira. É a menor variação mensal desde 1998, quando registrou queda de 0,51%.  Mas o IPCA ainda está positivo no ano. Acumula alta de 0,22% nos primeiros quatro de 2020 e 2,40% em 12 meses. Em abril do ano passado, a variação havia sido de 0,57%.

Para especialistas, a deflação do mês passado revela a fragilidade da economia e sinaliza recessão da economia brasileira.

O maior impacto negativo sobre o IPCA de abril foi o grupo transportes, que teve queda de 2,66% no mês, no qual está o item preços de combustíveis. Houve queda de quase 10% dos combustíveis em abril, puxada pela redução de 9,31% nos preços da gasolina.

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A gasolina teve o maior impacto individual negativo sobre o índice no mês. Na quinta-feira, a Petrobras reajustou o preço da gasolina nas refinarias em 12% , seguindo recente alta do preço do petróleo no exterior e alta do dólar.

O presidente Bolsonaro chegou a dizer que vai questionar a empresa pelo reajuste , mas, no acumulado do ano, o combustível continua em queda. Além do preço do petróleo em declínio, há uma demanda menor pelos combustíveis, devido ao isolamento social.

Inflação de abril Foto: Criação O Globo
Inflação de abril Foto: Criação O Globo

"O resultado de abril foi muito influenciado pela série de reduções nos preços dos combustíveis, principalmente da gasolina, que caiu bastante e puxou o índice para baixo", explica o gerente da pesquisa, Pedro Kislanov.

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De acordo com ele o recuo no preço da gasolina ocorreu em todas as 16 regiões pesquisadas, sendo a maior em Curitiba (-13,92%) e a menor no Rio de Janeiro (-5,13%).

Etanol (-13,51%), óleo diesel (-6,09%) e gás veicular (-0,79%) também apresentaram queda em abril. Para Kislanov, existe um efeito indireto da pandemia, na medida que houve um conflito dentro da OPEP e a Petrobras anunciou reajuste no preço dos combustíveis.

Segundo a economista do Itaú Unibanco economista Julia Passabom, as medidas de restrição de movimentação e a menor demanda por combustíveis para veículos ajuda explicar o resultado.

- O grande fator que joga para o negativo é a parte de combustível de veículos. Que tem a ver com a restrição de movimentação de pessoas. Isso chegou na bomba com um combustível mais barato. A Petrobras entregou vários cortes. E deve promover ajustes em breve.

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Seis dos nove grupos aferidos pelo IBGE tiveram queda neste mês. O grupo alimentos e bebidas (+ 1,79%) foi um dos que registraram alta. Entre is destaques está a alimentação em domicílio, que passou de alta de 1,40% em março para 2,24% em abril .

O preço da cebola subiu 34,83%, a batata-inglesa  teve alta de 22,81%. Itens como o feijão-carioca (17,29%) e leite longa vida (9,59%) também tiveram reajustes. Já as carnes (-2,01%) ficaram mais baratas, com queda pelo quarto mês consecutivo.

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"Há uma relação da restrição de oferta, natural nos primeiros meses do ano, e do aumento da demanda provocado pela pandemia de Covid-19, com as pessoas indo mais ao mercado, cozinhando mais em casa", explica Kislanov.

Por outro lado, a alimentação fora de casa, passou de 0,51% em março para 0,76% em abril, pressionada pela alta do lanche (3,07%). A refeição registrou deflação (-0,13%) pelo segundo mês consecutivo. Em março, a queda havia sido de 0,10%.

Recessão à vista

Para André Braz, coordenador do Índice de Preço ao Consumidor do FGV IBRE, a deflação é mais um indicador da fragilidade econômica:

- Ninguém tem dúvida que a economia brasileira não vai crescer e ter PIB negativo. Isso está no mundo inteiro. Bens duráveis, como geladeira e carro novo não tem variação, porque não tem demanda. O desemprego aumentou e quem está empregado não quer se endividar.

O resultado de abril aponta uma inflação abaixo da meta de 4% estipulada pelo governo. Para André Braz, essa diferença indica a chegada de uma recessão.

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- A inflação boa é inflação na meta. Abaixo da meta significa que a economia pode entrar em recessão. Não está gerando novas oportunidades de negócio, por consequência não está empregando as pessoas e gerando renda.

Na visão de Julia Passobom, aspectos de curto prazo e temporários, como combustíveis e turismo, apontam para uma continuidade da deflação nos próximos meses.

Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, reforça que o resultado da inflação é como um termômetro da economia e a necessidade de cortes de juros.

- Com a pandemia, as pessoas foram para casa, mudaram o padrão de consumo. Quem ganhava dinheiro na rua, não tem mais renda. O IPCA de abril é sinal de que a atividade está muito fraca. Foi tudo muito rápido. Tudo o que ocorreu ao longo do mês de abril está amarrado nessa deflação. Os juros têm potência na economia apenas sobre uma parte da inflação. Os itens sensíveis da política monetária estão sofrendo mais por conta do choque de demanda e precisam de uma resposta do Banco Central.

Variação é sentida pelos mais pobres

A inflação, segundo André Braz, é mais sentida neste momento pelas camadas de menor renda.

- Alimentação responde por cerca de 20% do índice e subiu mais de 2,20% em um único mês. Essa inflação está sendo sentida para as famílias mais pobres, que geravam renda muito em função de serviços. Muitos estão sem emprego e sem salário. E sentem mais essa inflação. Se o preço dos alimentos não tivessem subido, ainda teriam a sensação de que ficaram mais caro.

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De acordo com Braz, a perspectiva é que o resultado do próximo mês ainda seja negativo.

- Daqui para frente não devemos ter aumento tão forte em alimentação. Devemos continuar com essa inflação negativa.

Coleta à distância

Segundo o IBGE, para o cálculo do IPCA do mês, foram comparados os preços coletados no período de 31 de março a 29 de abril de 2020 com os preços vigentes no período de 3 a 30 de março de 2020.

Em virtude do quadro de emergência de saúde pública causado pela Covid-19, o IBGE suspendeu, no dia 18 de março, a coleta presencial de preços nos locais de compra. A partir dessa data, os preços passaram a ser coletados por outros meios, como pesquisas realizadas em sites de internet, por telefone ou por e-mail.