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Economia Energia

Com risco de racionamento, até termelétrica desligada há quatro anos volta a operar

Reativar usina a gás em Campo Grande exigiu teste de Covid, troca de máquinas e até técnicos dos Estados Unidos
Termelétrica William Arjona, em Campo Grande, precisou ser religada por conta da crise hídrica. Foto: Infoglobo
Termelétrica William Arjona, em Campo Grande, precisou ser religada por conta da crise hídrica. Foto: Infoglobo

RIO — Na última vez em que a termelétrica William Arjona, em Campo Grande (MS), gerou energia, o presidente ainda era Michel Temer, o país saía de uma recessão prolongada, o brasileiro ganhava um alívio no bolso com o saque de contas inativas do FGTS e risco de racionamento era apenas uma expressão que fazia parte do passado recente.

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Em 2017, as máquinas foram desligadas, os empregados foram embora e a dona do empreendimento na época justificou a decisão à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), com o argumento de que a usina não era economicamente viável diante dos valores do gás natural.

Em mais uma reviravolta no setor elétrico, quatro anos depois, o país busca energia de todas as fontes possíveis para evitar um racionamento.

Todo o parque de termelétricas já foi acionado, o Brasil importa energia de Uruguai e Argentina, antecipa leilões e controla até mesmo a vazão das hidrelétricas para enfrentar um período de seca que se estende até novembro.

Em uma crônica da crise, o que antes era fonte de custo se converteu em oportunidade de negócio. E nunca o país gerou tanta energia a partir de termelétricas quanto agora.

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A usina William Arjona “ressuscitou” neste fim de semana quando entrou em operação comercial uma das cinco unidades geradoras. Outras três começam amanhã e a última, até o fim deste mês.

Novo marco do gás

Em 2019, a termelétrica foi comprada pela Delta Energia, empresa que nasceu como comercializadora e que agora faz sua estreia no mercado de geração de energia.

Na ocasião, o que motivava o negócio era a perspectiva do novo marco legal do gás, um conjunto de regras para viabilizar a expansão bilionária de investimento no setor e promover o “choque de energia barata” para o consumidor, uma parte da promessa que ainda não se concretizou.

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A lei foi sancionada em abril deste ano. Em 2019, o empreendimento era uma aposta, mas sem data para entrar em operação. Até que vieram os sinais de risco de escassez.

— Acompanhamos muito o mercado de energia, o nível dos reservatórios. Já no primeiro semestre, a gente sinalizou que a situação hídrica iria piorar e que haveria necessidade de lançar mão de recursos térmicos. Começamos a programar o início da operação — contou Luiz Fernando Leone Vianna, presidente da Delta Geração.

Colocar o projeto de pé exigiu um trabalho de mais de três meses. A termelétrica foi inaugurada em 1999 e foi a primeira no país a usar gás natural do gasoduto Brasil-Bolívia.

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No setor, há quem se refira ao parque de termelétricas nacional como um carro velho que não consegue rodar o tempo todo, ou operar de forma ininterrupta, sob risco de deixar o passageiro no meio do caminho.

Usina ‘liga e desliga’

Segundo Vianna, quando a térmica foi comprada, apenas dois funcionários faziam a manutenção. Foi necessário montar equipe, trocar equipamentos analógicos por digitais, contratar mão de obra local e do restante do país e até mesmo acionar técnicos dos Estados Unidos.

E tudo isso em um cenário de pandemia, com protocolos rígidos e testes contra Covid duas vezes por semana.

— Foi uma dificuldade enorme com essa crise da pandemia. Trouxemos pessoal até do Rio Grande do Sul e técnicos dos Estados Unidos para nos auxiliar. Uma usina a gás tem mão de obra muito especializada, era necessário ter conhecimento específico para o equipamento. Tivemos que mandar peças para manutenção e emprestar alguns equipamentos de empresas congêneres, que nos auxiliaram — relatou Vianna.

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Não se trata de um empreendimento de grande porte para os padrões do setor. A usina vai gerar 190 MW, volume suficiente para atender mais da metade de Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul. O custo de geração de energia, segundo a empresa, é de R$ 1.500 por megawatt-hora.

É um patamar superior ao de outras térmicas e muito maior do que o de uma hidrelétrica, em torno de R$ 180 por megawatt-hora. Ainda assim, a entrada em operação é vista como boa notícia por ajudar a garantir segurança ao fornecimento de energia.

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A usina não opera em caráter permanente, é acionada se há necessidade. E o contrato de fornecimento de gás com a Petrobras contempla essa operação “liga e desliga”.

Mais eólica e solar

Mas Vianna prevê que a térmica seguirá em atividade ao menos até o fim do ano e não descarta a hipótese de operar, se necessário, em 2022.

Com base na previsão de que o país não poderá mais contar da mesma forma que hoje com as hidrelétricas, a empresa pretende ampliar sua atuação para a geração eólica e solar, com a possibilidade de anunciar projetos nesta área ainda este ano.

Os planos contemplam a perspectiva de ampliação do mercado livre, no qual o consumidor escolhe de quem comprar a energia. O tema chegou a ser incluído na medida provisória que viabiliza a privatização da Eletrobras , mas acabou descartado durante a tramitação na Câmara.

— São combustíveis que vão dominar a geração no Brasil daqui para frente. Gás é o da transição. E estamos falando em eólica e solar, que são imbatíveis. Vislumbramos no futuro a ampliação do mercado livre. É questão de tempo. Países desenvolvidos estão avançados nisso. A portabilidade da conta de luz será realidade. Vamos entrar na internet e escolher o fornecedor de energia —previu Vianna.