Economia

Concentração na aviação pode significar aumento de preços para os passageiros, dizem analistas

Para especialistas, ter uma companhia aérea a menos no país reduz a competitividade no segmento
Aviões da Latam no centro de manutenção em São Carlos Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo
Aviões da Latam no centro de manutenção em São Carlos Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

SÃO PAULO - A intenção de compra de uma companhia aérea rival pela Azul traz à tona novamente o debate sobre a concentração do mercado aéreo no país em um duopólio. Hoje, Gol, Latam Brasil e Azul transportam juntas 98,7% dos passageiros em voos domésticos no país, segundo dados da Anac.

Para especialistas, ter uma companhia aérea a menos no país reduz a competitividade no segmento e pode prejudicar o consumidor final, que poderia ter de pagar mais caro nas passagens.

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A Azul tem argumentado que a aquisição de uma rival seria benéfica para o setor que vive uma crise sem precedentes com a retração de demanda provocada pela pandemia. Também tem dito que há poucas sobreposições de rotas com a Latam Brasil, argumento que foi acolhido pelo Cade quando o órgão aprovou o codeshare entre as duas empresas.

A eliminação de barreiras ao capital estrangeiro em empresas aéreas no Brasil, medida tomada em 2019 para aumentar a competitividade no setor, também está entre os argumentos da Azul a favor da aprovação de uma eventual aquisição de concorrente pela empresa.

Sob essa perspectiva, mesmo com a consolidação haveria espaço para que empresas que não operam hoje no Brasil disputem espaço com o duopólio.

A estratégia da Azul foi bem vista por investidores e valorizou as ações da companhia, mas o negócio é complexo e de difícil execução, uma vez que os atuais controladores da Latam Brasil não têm interesse em fechar o negócio.

Mesmo se fosse bem sucedida, porém, uma eventual compra dessa magnitude tenderia a gerar aumento de preços ao consumidor final e pode ser barrada pelo Cade (órgão antitruste brasileiro), segundo o advogado Eduardo Gaban, sócio no Nishioka e Gaban.

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— É uma operação que não mereceria ser aprovada pelo Cade, para o consumidor a concentração do mercado, que já é um oligopólio, não é vantajosa — diz Gaban.

Para o advogado, especialista em temas concorrenciais, embora a sobreposição de voos entre as duas seja baixa, a concorrência no setor aéreo brasileiro é pequena e há difícil acesso a aeroportos mais demandados, que funcionam como hubs de operações, e de slots (horários de pouso e decolagem) no país.

— Há falhas na infraestrutura aeroportuária que o Estado tem atacado mais recentemente com privatizações, mas até que haja infraestrutura desenvolvida, temos um mercado com acesso com slots e hubs de acesso bem escasso. Mais relevante do que a sobreposição de voos é saber quantos slots Congonhas, Santos Dumont e Guarulhos têm cada empresa — afirma Gaban.

A tendência é que um aumento na concentração de mercado leve a alta nos preços e piora dos serviços no geral, de acordo com ele.

André Castellini, sócio da conaultoria Bain, afirma que é esperado um aumento das tarifas aéreas no geral provocado pela redução da escala nas operações e pela alta no preço do combustível, mas vê como improvável um aumento de margem caso de consolidação no setor aéreo brasileiro.

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Isso incentivaria, segundo ele, a entrada de companhias aéreas que não operam hoje no Brasil.

— Se com uma eventual consolidação houver tarifas que geram retorno acima do razoável, vai ter gente que vai querer entrar no mercado, certamente — diz.

Segundo ele, os preços de passagens mais baixos praticados no Brasil ocorreram nos anos 2000, época em que Tam e Gol eram hegemônicas no mercado, mas competiam de maneira agressiva pelo mercado.

Para Castellini, isso eventualmente pode se repetir, mas os níveis tarifários hoje no país já são baixos e há espaço para aumento de preços.

De acordo com o especialista, o cenário no país era de passagens de preço competitivo já antes da pandemia, o que desincentivou a entrada de companhias estrangeiras.

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Para Gaban, a permissão de empresas aéreas com capital estrangeiro no país é um avanço, mas ainda há barreiras de entrada significativas.

— Um operador estrangeiro teria problemas cambiais (dado que a receita é em real), concentração excessiva no fornecimento de combustíveis para aeronaves (hoje um monopólio), alto risco país e poucos slots em aeroportos importantes. É improvável uma entrada de uma empresa estrangeira em um cenário de concentração de mercado — salienta o advogado.