Economia

Consumo de carne no Brasil cai ao menor nível em 25 anos

Pandemia causou desemprego, levando brasileiros a mudar hábitos de alimentação E importações do produto pela China fizeram preços dispararem
Hoje, cada brasileiro consome 26,4 quilos de cane por ano, queda de quase 14% em relação a 2019 Foto: Agência O Globo
Hoje, cada brasileiro consome 26,4 quilos de cane por ano, queda de quase 14% em relação a 2019 Foto: Agência O Globo

SÃO PAULO - A pandemia da Covid-19 provocou mudanças na mesa dos brasileiros, que cortaram o consumo de carne bovina para o menor nível em 25 anos, de acordo com dados do governo. O cálculo considera a disponibilidade interna do produto menos o volume exportado da produção nacional.

No prato: Enquanto Bolsonaro come picanha a R$ 1.799 o quilo, brasileiro troca a carne pelo ovo

Não bastasse a perda de renda da população, os preços de cortes bovinos dispararam, na esteira de valores recordes da arroba do boi gordo, limitando o consumo interno, enquanto a China importa como nunca carnes do Brasil.

Agora, cada brasileiro consome 26,4 quilos desta proteína ao ano, queda de quase 14% em relação a 2019, quando ainda não havia crise sanitária. Este é o menor nível desde 1996, início da série histórica da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

Só nos primeiros quatro meses do ano, o consumo per capita de carne bovina caiu mais de 4% em relação a 2020, estima a Conab.

Capital: Dono da Marfrig compra quase R$ 1 bi em ações da BRF, e Previ aproveita para reduzir carteira

— A questão da pandemia trouxe desemprego e perda de renda — disse à Reuters Guilherme Malafaia, pesquisador do setor de bovinos da Embrapa. — Isso empobreceu a população e também gerou perda de poder aquisitivo, enfraquecendo o consumo interno da proteína.

Frango e suínos como alternativa

A alta da carne bovina levou o brasileiro a procurar opções mais baratas, incluindo frangos e suínos. Além disso, o consumo de ovos, que o Brasil quase não exporta, chegou ao maior nível em 20 anos.

Enquanto o Brasil fica mais pobre, uma doença que dizimou boa parte do rebanho suíno da China diminuiu a oferta de carne naquele país, levando-o a importar mais proteína de outros lugares.

Veja: Após forte alta nos preços da carne, Argentina suspende exportações por 30 dias

Isso ajudou a fomentar uma inflação global dos alimentos, que também assola o Brasil.

Sergio de Zen, diretor de política agrícola da Conab, disse à Reuters que o mundo todo está pagando mais por comida. Ele acrescentou que a moeda fraca castiga o Brasil em especial, pois o câmbio desvalorizado aumenta os custos de produção aqui.

Ovos são alternativa aos preços abusivos da carne Foto: Gabriel Monteiro / Agência O Globo
Ovos são alternativa aos preços abusivos da carne Foto: Gabriel Monteiro / Agência O Globo

De acordo com o IBGE, o preço das carnes em geral subiu 35% no país nos 12 meses até abril, mais que cinco vezes o próprio IPCA no período.

No caso da arroba do boi, o preço subiu mais de 50% na comparação com o mesmo período de 2020, operando atualmente em cerca de R$ 305, um pouco abaixo da máxima história registrada em 2021, segundo dados do Cepea.

Sem alívio: Preço da carne está nas alturas. Entenda por quê

Os frigoríficos lidam ainda com uma cíclica diminuição da oferta de animais para abate.

Consumo maior de ovos

Com a alta das carnes, algumas famílias agora comem mais ovos.

De olho na nova clientela, há maior procura por material genético para produzir ovos em pequena escala e vendê-los nas grandes cidades, diz Marcelo Miele, pesquisador para aves e suínos da Embrapa.

O preço do ovo não subiu como o do frango, cuja alta ficou em linha com a inflação de alimentos; e muito menos que o do suíno, que subiu bem acima dos alimentos por causa de um aumento da exportação para China, disse Miele.

Dificuldade: Um a cada quatro brasileiros não teve comida suficiente para alimentar a família nos últimos meses, diz Datafolha

No lado da oferta, a alta do preço das carnes no Brasil também reflete maiores custos de produção.

Para as empresas, a escassez de bovinos para abate causa uma ociosidade na indústria que seria entre 35% e 40%, estima Malafaia, com reflexos no suprimento doméstico. Se a empresa tem autorização para exportar, a preferência é abater e vender a clientes como a China, que pagam em dólares e cobrem os custos, disse.

Já do lado das aves e suínos, o vilão é o milho, que dobrou de preço no último ano e é o mais importante componente da ração. Mas mesmo com custos mais altos, os produtores de frango e suínos conseguiram aumentar a disponibilidade interna dos dois tipos de proteína.

Analítico: Suspensão de exportação de carnes é filme já visto na Argentina, com Cristina na direção

Houve alta de 5% no consumo per capita de suínos e 6% no de frango em 2020, parte disso impulsionado pelo auxílio emergencial, disse Miele, citando dados da indústria e do IBGE.

— Com a pandemia, pensamos que haveria problemas de ruptura da cadeia — disse Miele, referindo-se a frangos e suínos. — Mas pelo que aparece na estatística de consumo per capita, não foi isso que aconteceu.