Economia

FMI: Economia do Brasil vai despencar 9,1% este ano com pandemia

No mundo, crise definida em relatório como O Grande Lockdown vai representar perdas globais de US$ 12 trilhões
Gita Gopinath, diretora do Departamento de Pesquisa do FMI, que assina o relatório: incerteza e grande recessão Foto: Oliivier Douliery / AFP
Gita Gopinath, diretora do Departamento de Pesquisa do FMI, que assina o relatório: incerteza e grande recessão Foto: Oliivier Douliery / AFP

RIO — A economia do Brasil vai encolher 9,1% este ano por causa da pandemia do coronavírus , de acordo com estimativas feitas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Se confirmado, seria o pior resultado da série histórica que começou em 1900.

No seu mais recente relatório World Economic Outlook (Panorama Econômico Mundial), divulgado nesta quarta-feira, a instituição multilateral prevê que a recessão global será ainda mais profunda este ano que o previsto anteriormente. Tudo isso por causa da paralisação de atividades que o FMI definiu como “O Grande Lockdown”.

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“O crescimento global terá um declínio de 4,9% em 2020 — 1,9 ponto percentual abaixo do relatório anterior, divulgado no início de abril —, seguido por uma recuperação de 5,4% em 2021”, diz o documento assinado por Gita Gopinath , economista-chefe do Fundo.

A previsão anterior para 2021 era de alta de 5,8%. Este cenário representa uma perda cumulativa de US$ 12 trilhões para a economia do mundo ao longo de dois anos, diz o documento.

O relatório reforça o diagnóstico de que o mundo está de fato na pior recessão desde a Grande Depressão dos anos 1930, muito distante da expectativa otimista da instituição no início do ano. Em janeiro, o FMI preconizava um crescimento de 3,3% da economia global em 2020.

Melhora para o Brasil em 2021

Com altos índices de Covid-19 , Brasil é um dos sete países avaliados pela instituição com previsão de perda de mais de 9% do PIB este ano.

Os países com piores previsões são os mais afetados pela pandemia, como Espanha e Itália, cujas economidas devem retrair 12,8%. O FMI diz que o impacto econômico entre os países é desigual e ligado à gravidade da pandemia em seu território.

No relatório de abril, a previsão era de queda de 5,3% no Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil este ano, bem menor que a nova projeção. Um cenário bem diferente do traçado pela instituição em janeiro, sem pandemia no horizonte: alta de 2,2%.

Por outro lado, a projeção de crescimento do FMI para o Brasil em 2021 aumentou. Era de 2,9% em abril e agora  é de 3,6%.

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Quarentena prolongada

Para André Perfeito, economista-chefe da Necton Corretora de Valores, a previsão do FMI para o Brasil este ano está em linha com as de analistas no país, na casa de -7,5%. Segundo ele a piora das previsões se deve mais ao desempenho da economia global e de economias centrais, como a dos Estados Unidos.

—  Muito provavelmente teremos (no mundo) uma quarentena mais prolongada. Em alguns casos será preciso reverter parte das aberturas dos negócios —  avalia o eonomista.

Perfeito continua:

—  No Brasil, isso será mais dramático, porque estamos flexibilizando o isolamento antes do que seria adequado, o que vai levar a medidas de recuo. Nosso processo de retomada vai ser muito mais arrastado, mais lento.

Aumento das aglomerações no metrô após a flexibilização da quarentena no Rio. Foto: FABIANO ROCHA / Agência O Globo
Aumento das aglomerações no metrô após a flexibilização da quarentena no Rio. Foto: FABIANO ROCHA / Agência O Globo

Para ele, as medidas econômicas tomadas pelo governo até agora foram bem na parte financeira, com o Banco Central conseguindo estancar problemas de liquidez, mas o dinheiro não está conseguindo chegar na ponta final em vários setores.

—  Tivemos uma quarentena meia-boca, muito frágil, por divergências, desde o início, entre o governo federal e estados e municípios, e a população logo se cansou. Há um esgarçamento de pessoas e empresas que querem voltar logo ao trabalho — critica Sérgio Valle, economista da MB Associados.

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Para Valle, o segundo trimestre vai ser muito ruim no mundo ocidental como um todo, mas o terceiro pode ser um pouco melhor nos países que fizeram o dever e casa:

—  Mas, no Brasil, o terceiro trimestre corre risco de ser ruim, porque já estamos chegando em julho com a Covid-19 à toda velocidade —, diz o economistas, citando a crise política como agravante. — Quando você junta esse cenário todo, é muito razoável essa projeção de queda do PIB do FMI.

Para o especialista, é ilusório acreditar que o Congresso vai conseguir avançar nas reformas no segundo semestre com tudo o que está acontecendo. Ele aponta o agronegócio como o setor com mais chances de puxar alguma recuperação.

Endividamento acima de 100% do PIB

Nas contas públicas, o FMI prevê um déficit fiscal no Brasil de 16% do PIB em 2020 e de 5,9% em 2021, com a dívida bruta alcançando 102,3% do PIB neste ano e 100,6% no próximo.

O governo brasileiro estima que a dívida bruta encerrará o ano em volume equivalente a 93,5% do PIB. A dívida líquida ficará em 67,6%.

No panorama traçado pelo FMI, o México é outro país da América Latina com previsão de retratação significativa de sua economia: -10,5%, resultado pior que o previsto para o Brasil.

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Perdas ao redor do mundo

Editoria de Arte Foto: O Globo
Editoria de Arte Foto: O Globo

A pandemia penaliza tanto países ricos quanto em desenvolvimento. Este último grupo deve ter retração em torno de 3% este ano, melhor que a média global devido à previsão de crescimento de 1% para a China, segundo maior economia do planeta, este ano, bem abaixo da média do país nas últimas décadas.

Em 2021, a potência asiática deve ter uma recuperação forte de 8,2%, prevê o FMI, o que pode deve beneficiar outros emergentes. Os Estados Unidos, maior PIB global, deve ter queda de 8% este ano em alta de 4,5% no ano que vem.

“O mercado de trabalho foi severamente atingido pela pandemia, especialmente no caso de trabalhadores com pouca qualificação, que não têm a opção de trabalhar em home office. A recuperação nesse caso pode demorar, intensificando a desigualdade de renda e aumentando a pobreza “, diz o Fundo.

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No texto, o FMI expressa preocupação com o grau de incerteza no cenário econômico no momento em que “mais de 75% dos países estão agora reabrindo os negócios” e, ao mesmo tempo, a pandemia se intensifica em muitos países emergentes.

Isso porque os economistas do FMI consideram “altamente incerta” uma recuperação sem uma solução médica definitiva para o coronavírus, como uma vacina.

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Número salgado

Margarida Gutierrez, economista do grupo de conjuntura da UFRJ e professora do Coppead, considera que a queda no PIB não deve chegar a 10% no ano:

-- Achei o número do FMI um pouco grande, salgado. Para se fazer uma projeção hoje há um conjunto brutal de incertezas. Quanto tempo vai durar a pandemia? A flexibilização brasileira vai obrigar a um segundo distanciamento social  ou não? Haverá uma segunda onda de contágio? E quão forte ela será? São questões em aberto ainda para se fazer uma projeção grande.

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Quanto à dificuldade imposta pela própria crise sanitária por que passa o país durante o enfrentamento do vírus, ela lembra que a tentativa de isolamento social no Brasil é bem diferente da de outros países, até pela topografia das cidades.

-- Um lockdown em Madri é muito diferente de uma medida assim no Rio, cidade que é cercada de comunidades. Torna-se muito difícil implantá-lo com esse entorno, senão impossível. Mesmo caso de Guayaquil, no Equador, com sua densidade populacional.