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Economia

Henrique Meirelles: 'É importante que a equipe econômica passe a defender vigorosamente o teto de gastos'

Responsável pela implementação da regra que limita o aumento das despesas públicas, ex-ministro da Fazenda vê risco de nova crise, provocada por descontrole fiscal, caso pressão para ampliar gastos prevaleça
O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles (PSD), durante o seminário Oportunidades de Investimento no Brasil 2018 no Hotel Sheraton, em Nova York Foto: William Volcov / Brazil Photo Press
O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles (PSD), durante o seminário Oportunidades de Investimento no Brasil 2018 no Hotel Sheraton, em Nova York Foto: William Volcov / Brazil Photo Press

BRASÍLIA - Ex-ministro da Fazenda e ex-presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles cobra uma ação mais “vigorosa” da equipe econômica em defesa do teto de gastos . A regra que limita o crescimento das despesas da União foi proposta por ele durante o governo Michel Temer e aprovada no fim de 2016.

A medida agora é questionada dentro do governo Jair Bolsonaro. Para Meirelles, o teto de gastos é fundamental para manter o juro baixo, controlar a inflação e pôr freio no crescimento explosivo da dívida pública, que já atingiu a marca de 85,5% do PIB. A consequência da derrubada do teto , diz, é uma crise econômica decorrente do descontrole fiscal. Para cortar gastos, ele defende uma reforma administrativa, que está engavetada pelo governo. Meirelles considera correta a atuação do BC nos juros, que caíram a 2% na semana passada.

Como o senhor avalia a crescente pressão para aumentar despesas, furando o teto de gastos?

É compreensível que governantes de uma maneira geral tenham a tentação de aumentar as despesas e fazer projetos que interessem ao governo, seja no Executivo ou a parlamentares. O problema é que isso tem limites e custos. E o país já chegou a esse limite. O Brasil atingiu um nível de dívida pública que não é sustentável. Isso já antes da pandemia. Na pandemia, todos entendem que há um fato que gerou um aumento de despesas enorme para proteger a vida dos brasileiros e proteger a economia. Após a pandemia, no entanto, isso não pode acontecer. Caso contrário, vamos sair de uma crise econômica criada pela pandemia e entrar numa crise econômica criada por descontrole fiscal. É fundamental a manutenção rigorosa do teto de gastos terminada a pandemia. O teto de gastos restabeleceu a confiança, o crescimento e permitiu a queda da inflação e da taxa de juros.

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Quem defende o aumento de gasto diz que ele gera empregos e movimenta a economia....

Quem diz isso não está vendo a nossa experiência histórica recente, que mostra que no nível em que está a dívida pública , o aumento do gasto gera aumento da taxa de juros, porque passa a ser mais arriscado financiar a dívida, que passa a ser cada vez menos sustentável. Aumenta o risco-país, e isso leva a um aumento da inflação, a uma queda da atividade econômica, queda no emprego. Portanto gera um crescimento do desemprego, que é muito maior do que a criação de vagas dada pelo aumento do gasto público.

Qual o custo de aumentar o gasto público, então?

Entre maio de 2015 e maio de 2016, o Brasil teve uma queda no PIB de 5,2%. Uma queda em 12 meses que foi a maior da história do país e a maior, até aquele momento, antes da pandemia, da história recente da humanidade em um país que não estava em guerra. Portanto, isso mostra a inviabilidade de um crescimento insustentável da dívida pública, porque há um custo e é gravíssimo. No momento em que o Brasil adotou o teto de gastos, o país voltou a crescer, caiu a taxa de juros, caiu a inflação para níveis inéditos.

Mas é preciso, de toda forma, manter algum investimento público e serviços funcionando para o cidadão. Hoje tem muita dificuldade para isso...

Isso não é consequência do teto, é consequência do excesso de custo da máquina. A solução não é gastar mais, tomar mais dinheiro emprestado. Isso só vai levar à crise econômica. O que precisamos fazer é cortar despesas, tomar as medidas necessárias no Congresso, para diminuir esses gastos e fazer com que eles caibam no teto. O país não aguenta mais uma despesa pública que cresce de forma descontrolada e uma dívida que atingiu um patamar absolutamente insustentável. É importantíssimo que se controle esse crescimento. Caso contrário, teremos crise econômica.

O Brasil já fez uma reforma da Previdência. Onde cortar mais?

Em uma reforma administrativa bem feita, rigorosa, como estamos fazendo no Estado de São Paulo. Temos que fazer uma reforma administrativa, cortar estatais, cortar determinados tipos de benefícios, bloquear criação de cargos e benefícios. A máquina não cresce descontroladamente independentemente de qualquer coisa. Ela cresce porque existem leis, decisões, fatos que geram aumento de gastos. O país não demanda uma máquina pública ainda maior e mais cara. Pelo contrário, precisamos criar eficiência econômica.

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Levou mais de dois anos depois da aprovação do teto para concluir a reforma da Previdência. Ela não deveria ter sido feita primeiro?

É um erro essa crítica. Caso não existisse o teto de gastos, as chances de aprovar a reforma da Previdência seriam muito baixas ou nenhuma. Precisava criar um limite que deixasse claro que as despesas não teriam condições de continuar aumentando. Foi absolutamente vital.

Na época da implementação do teto, havia um discurso de que ele possibilitaria a discussão sobre alocação orçamentária. Essa discussão está acontecendo?

Está acontecendo, tanto que foi feita a reforma da Previdência. E já está se discutindo a reforma administrativa. Se não existisse teto, nada disso estaria sendo discutido. Isso é administração orçamentária.

É preciso uma defesa mais forte do teto por parte da equipe econômica?

Está havendo cada vez mais uma defesa de voltarmos à expansão fiscal descontrolada. É importante que a equipe econômica passe a defender vigorosamente o teto de gastos. Apenas a Constituição sozinha, sem defesa, não vai ser capaz disso.

Está faltando uma voz firme em defesa do teto dentro do governo, então?

Não há dúvidas. Precisa ter uma voz forte. O que quero dizer é muito claro e muito simples: é absolutamente vital que se defenda o teto de uma forma vigorosa e transparente. Não haverá possibilidade de sustentar a retomada econômica no país sem a defesa forte e vigorosa do teto de gastos, confiando que basta a Constituição para que se proteja o teto. É necessária ter uma atuação vigorosa na defesa do teto.

Como o senhor avalia a atuação do BC nos juros?

Está na linha correta. De fato a inflação está baixa, a taxa de juros tem que ser mantida baixa mesmo. O importante é que não percamos a âncora, que é o teto de gastos.

O BC tem ampliado a base monetária, em meio à crise. É correto?

Está correto isso. O Banco Central, como qualquer BC do mundo, tem que aumentar a base monetária quando há contração econômica muito forte. Tem que baixar a taxa de juros e aumentar a base monetária, não tenha dúvida.

E lançar a cédula de R$ 200?

Foi coisa pontual e específica relacionada às questões do comportamento das pessoas durante a pandemia. As pessoas tendem a estocar arroz, com medo de faltar, e um pouco de moeda corrente. O BC nesse aspecto atende a uma emenda maior das pessoas por mais recursos em espécie.

O governo está para propor um imposto sobre pagamentos, que é criticado. Como o senhor vê?

O importante é que não haja aumento de carga tributária. Na reforma do ICMS e do ISS, uma das decisões mais importantes que os estados tomaram foi não aumentar a carga tributária. Pode-se criar um imposto melhor e com mais eficiência, mas sem aumentar a carga tributária. Tem que haver uma substituição, buscando uma estrutura mais eficaz.