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Economia

Itamaraty decreta sigilo sobre correspondências que tratam de Huawei e 5G

Ministério das Relações Exteriores diz que tema é ‘sensível’ e divulgação poderia prejudicar laços com parceiros e debate interno
Americanos pressionam para banir a Huawei do 5G no Brasil: Itamaraty negou três pedidos de acesso a informações sobre o tema Foto: Agência Brasil
Americanos pressionam para banir a Huawei do 5G no Brasil: Itamaraty negou três pedidos de acesso a informações sobre o tema Foto: Agência Brasil

BRASÍLIA — O Itamaraty colocou em sigilo telegramas ostensivos (que normalmente são de acesso irrestrito) trocados pelos postos diplomáticos do país que contenham menções a termos relacionados à rede 5G e a empresas como a chinesa Huawei.

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Levantamento feito pelo GLOBO identificou que, nos últimos oito meses, o Itamaraty negou pelo menos três pedidos de acesso à informação sob o argumento de que o assunto era considerado um “tema sensível” e que a sua divulgação poderia “afetar a relação do Brasil com parceiros bilaterais e multilaterais”.

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Em entrevista publicada nesta quinta-feira pelo jornal O GLOBO, o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Todd Chapman, foi enfático ao dizer que se o governo brasileiro não banisse a Huawei como fornecedora da rede 5G, o Brasil sofreria “consequências”.

— Eu diria que represálias não, consequências sim. Cada país é responsável por suas decisões — disse Chapman.

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O sigilo imposto aos telegramas acontece em meio ao aumento das tensões entre os Estados Unidos e a China pela implementação da tecnologia 5G em diversos países do mundo.

Os chineses têm a tecnologia considerada mais barata do mercado, oferecida pela gigante Huawei.

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Os americanos, por outro lado, fazem pressão política para que nações como o Brasil não permitam que a empresa participe da licitação que o país deverá fazer.

Os americanos alegam que a tecnologia da Huawei poderia permitir a transmissão de dados sigilosos para o governo chinês, o que a empresa nega.

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As três negativas de acesso a informações identificadas pelo GLOBO ocorreram entre dezembro de 2019 e julho de 2020.

Na primeira, o pedido solicitava acesso a telegramas que citassem os termos: 5G, Huawei, Ericsson e Nokia. As duas empresas escandinavas também têm interesse no leilão da rede 5G .

Documentos preparatórios

Em resposta, o Itamaraty alegou que o tema era “sensível” e que sua divulgação poderia prejudicar as relações diplomáticas do país.

“Informamos que os expedientes sobre os temas em apreço tratam de tema sensível, que pode afetar a relação do Brasil com parceiros bilaterais e multilaterais. A publicação desses expedientes, ademais, pode prejudicar o debate interno dentro do governo”, diz um trecho da resposta.

Para justificar o sigilo, o Itamaraty disse que os telegramas foram enquadrados como “documentos preparatórios”.

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Pela Lei de Acesso à Informação (LAI), esse tipo de documento é utilizado durante o processo decisório e só poderia ser divulgado após a tomada de decisão do poder público.

Não é possível identificar a autoria do pedido. Após a negativa do Itamaraty, o autor recorreu alegando, entre outras coisas, que o pedido se referia a documentos classificados como “ostensivos”, quando em princípio, não estão sujeitos a sigilo. Mesmo assim, o órgão voltou a indeferir o pedido.

“O fato de (os telegramas) não terem sido objeto de classificação quando de sua elaboração não afasta o dever da administração pública de analisar os pedidos de acesso à informação, caso a caso, a fim de verificar a conformidade da divulgação solicitada com as leis e princípios que regem não apenas o acesso à informação, mas, também, a proteção de dados”, disse o Itamaraty em resposta registrada em dezembro de 2019.

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“O caso em apreço é, por todas as razões expressas acima, um desses casos raros e excepcionais […] em que o sigilo deve prevalecer”, finaliza o Itamaraty ao responder ao recurso.

Nos outros dois casos, os pedidos foram semelhantes ao primeiro e as respostas seguiram a mesma linha.

O GLOBO procurou a assessoria de comunicação do Itamaraty para comentar o assunto, mas até o fechamento desta edição, não houve resposta.