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Economia

Nos jogos de tabuleiro, é possível viver aventuras no mundo do negócios muito além do Banco Imobiliário

Jogos analógicos modernos utilizam estratégias administrativas e a velha lei da oferta e da demanda para desafiar participantes a encontrar o caminho da prosperidade e da vitória
Thainá Campos diante do tabuleiro de Kingsburg: lobby com rei, rainha e conselheiros para obter ouro, madeira e minério e aperfeiçoar cidades Foto: André Machado
Thainá Campos diante do tabuleiro de Kingsburg: lobby com rei, rainha e conselheiros para obter ouro, madeira e minério e aperfeiçoar cidades Foto: André Machado

RIO - Administrar um país ou uma empresa não é fácil nem de brincadeirinha. Mas num jogo de estratégia qualquer um pode se arriscar — e tirar algumas lições da economia na prática — porque os prejuízos doem no bolso se a estratégia falhar.

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Uma vertente que faz sucesso entre os modernos jogos de tabuleiro , que ganharam impulso na pandemia, são as dos títulos com pegada administrativa, que desafiam jogadores com elementos econômicos que vão muito além do Banco Imobiliário.

Neles, é possível traçar uma estratégia de desenvolvimento para uma ilha, gerenciar um estabelecimento ou até mesmo fazer lobby em favor de negócios ou obter recursos a fim de construir prédios como mercados, igrejas e fortalezas. Jogos futuristas e históricos permeiam essa seara.

— Considero os jogos de tabuleiro de mecânica econômica extremamente educativos, lidando com gerenciamento de recursos e fazendo pensar — diz Marcos Mandina, administrador de empresas e sócio executivo da Ace Studios, no Rio. — Eles até podem servir de apoio lúdico a escolas de gestão ou no ambiente corporativo.

A essência dessa modalidade de jogo econômico está nos chamados eurogames, ou jogos de estilo alemão, dada sua origem principal. O pioneiro nessa área é Os Colonizadores de Catan, criado pelo ex-protético e designer Klaus Teuber e publicado em 1995, com mais de 22 milhões de cópias vendidas em 30 idiomas, inclusive português.

O jogo consiste numa ilha (inspirada na Islândia dos antigos vikings) em que se deve construir vilas, cidades e estradas a partir de elementos como madeira, minério e tijolos, que devem ser trocados entre os jogadores. Produtos como lã e cereais também fazem parte desses elementos, e todos eles são representados em cartas.

Alívio da tensão na pandemia desenvolvendo ilhas

Jason Gale, editor-sênior da Bloomberg News, curiosamente define Catan como "uma mistura de Banco Imobiliário com Game of Thrones" e diz que o jogo foi uma das coisas que permitiram a ele e aos amigos suportar os meses de quarentena na pandemia de Covid-19.

— Jogamos Catan pelo Zoom e pelo FaceTime durante todo o ano aos domingos pela manhã — declarou Gale à Bloomberg. — Ele se tornou o grande momento da semana para nós.

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Alocar recursos, usá-los para construir e gerenciar estruturas e progredir, promovendo estratégia e competitividade em vez de conflito direto são características comuns a esses jogos.

Outro título que segue essa linha é Puerto Rico, em que cada jogador deve fazer sua ilha prosperar se alternando no papel de produtor, prefeito, exportador e construtor, entre outros, escolhendo o momento certo de produzir e vender bens e alocar trabalhadores. A ordem em que ele seleciona sua função é vital para ganhar o jogo.

Trens e leilões de energia

Mas há tendências mais modernas, como os jogos ferroviários, em que os jogadores precisam criar uma malha de linhas férreas (como em Ticket to Ride) e escoar produtos por elas (como em Steam), e explorar concessões privadas de energia elétricas em diferentes mapas de países, como no Power Grid.

Neste, há leilões de usinas de diferentes combustíveis (carvão, petróleo, lixo e nuclear) em que os jogadores precisam comprar suas usinas e depois os respectivos insumos para fazê-las operar.

Torres de transmissão de energia: concessões são tema de jogo Foto: Arquivo:
Torres de transmissão de energia: concessões são tema de jogo Foto: Arquivo:

Yuri Fang, diretor executivo da Galápagos, uma das principais editoras e distribuidoras do gênero no Brasil com títulos no catálogo como Power Grid, 7 Wonders e Ticket to Ride, diz que a dinâmica dos jogos econômicos traz um bom aprendizado para o jogador.

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— Chegamos a usar títulos como esse em empresas, por todas as características administrativa que possuem — diz Fang.

Ele continua:

— No Power Grid fica bem evidenciada a lei da oferta e da demanda, quanto mais as pessoas querem um dado recurso mais caro ele fica, e é preciso saber fazer a gestão dos combustíveis dentro das usinas. As sustentáveis dão vantagem competitiva. E o jogador precisa verificar a proximidade geográfica entre as cidades, pois paga pelas conexões de fornecimento de energia entre elas. Cálculos são necessários.

No caso do Ticket to Ride, ele lembra que é preciso ter estratégias de curto prazo, fechando rotas entre cidades, e de longo prazo, criando a maior malha ferroviária em meio ao desafio das trilhas selecionadas pelos oponentes.

Trens: inspiração para jogo em que é preciso completar rotas Foto: AP
Trens: inspiração para jogo em que é preciso completar rotas Foto: AP

— A beleza dos jogos econômicos é que sua criação obedece a uma matemática que os torna mais balanceados que outros tipos, já que é mais fácil calcular as consequências das jogadas no design. O que não impede, é claro, que alguém force um leilão só para inflacionar o preço e obrigar o adversário a gastar mais dinheiro, ou compre mais produtos para dificultar o acesso a eles pelos outros jogadores. Afinal, a economia é feita por pessoas — diz o executivo.

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Hotelaria e restaurante

Outro setor abordado pela tendência é o hoteleiro. Em Grand Austria Hotel, o jogador precisa aprender a administrar seu estabelecimento em Viena, contratando funcionários, preparando quartos e servindo pratos de qualidade aos hóspedes, com inspeções periódicas.

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Outro jogo assim é o Space Cantina, com inspiração futurista, em que um restaurante no fim da galáxia deve servir a alienígenas e ciborgues seus pratos favoritos, sem deixá-los esperando, do contrário o jogador recebe uma "reclamação no SAC", isto é, uma ficha de mau atendimento.

É possível contratar garçons e promovê-los a gerentes para melhorar a performance da casa.

Gerenciar hotéis é o mote do Grand Austria Hotel Foto: GERARD JULIEN / AFP
Gerenciar hotéis é o mote do Grand Austria Hotel Foto: GERARD JULIEN / AFP

— É preciso atender o maior número de clientes, respeitando suas preferências, e contratar funcionários para melhorar o desempenho gradativamente — diz Mandina, da Ace Studios, que tem o jogo em seu portfólio.

Ele continua:

— Quem atender melhor ganha mais dinheiro intergaláctico e vence a partida. E os chamados "pontos de insatisfação" mostram como os clientes se comportam na vida real: alguns são mais estressados ou apressados, por exemplo. Jogadores chegaram a criticar a punição, tanto que depois foi introduzido um bar para que o cliente "relaxasse" um pouco antes de ir para a mesa, reduzindo as reclamações.

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Lobby com o rei

O passado também serve de grande tema para os jogos econômicos. Há vários jogos interessantes aí, como The Princes of Florence, em que os grandes mecenas de Florença precisam comparecer a leilões para arrematar elementos que turbinem seus palácios a fim de atrair artistas e cientistas.

Em Kingsburg, os jogadores devem recorrer à influência de conselheiros reais, além do próprio rei e da rainha, usando dados, para obter recursos como ouro, madeira e minério, além de exércitos, a fim de construir suas cidades e se preparar para enfrentar ataques anuais.

A taxista Thainá Campos, 33 anos, conheceu o universo dos jogos econômicos ao jogar Kingsburg pela primeira vez há pouco mais de um mês na casa de amigos.

Interior do Palácio de Alhambra, em Granada: inspiração para jogo de construção de cidades muradas Foto: Marcelo Del Pozo / Reuters
Interior do Palácio de Alhambra, em Granada: inspiração para jogo de construção de cidades muradas Foto: Marcelo Del Pozo / Reuters

— Confesso que a princípio achei o jogo complicado, mas não demorou muito para que me acostumasse à dinâmica  dele, e passei a achar muito interessante a disputa pela influência com o casal real e os conselheiros — conta Thainá.

Ela acrescenta:

— Com resultados maiores nos dados você consegue chegar aos nobres que oferecem mais recursos, e isso ajuda a construir prédios civis e militares em sua cidade.

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A jovem  comenta que é preciso atenção ao montar a estratégia, já que a ordem dos jogadores muda a cada rodada, e quem joga primeiro tem a vantagem de escolher os melhores alvos de seu lobby, que assim ficam indisponíveis para os adversários.

—  Como só pode haver um dado em cada casa da nobreza, às vezes não se conseguem os recursos almejados. E não se pode esquecer de equilibrar os produtos com a chance de criar exércitos, pois ao fim de cada etapa há uma batalha no jogo. Uma derrota leva à destruição de edifícios e à perda de produtos.

As Sete Maravilhas da economia

Alhambra é mais simples, mas não menos instigante. Usando dinheiro de diferentes cores combinando com as de peças de um quebra-cabeças arquitetônico, os jogadores precisam montar uma cidade murada reunindo peças de maior e menor valor, de modo a resultar numa maravilha em estilo mourisco.

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E por falar em maravilhas, o jogo 7 Wonders exige estratégia dos jogadores para fazer sua cidade antiga, ligada a uma das Sete Maravilhas do mundo antigo, progredir.

Em meio a repasses contínuos de cartas entre os participantes, o jogador reúne matérias-primas, produtos manufaturados, recursos civis, comerciais, científicos e militares e os utiliza para construir estruturas, inclusive a Maravilha que escolheu para si, como o Colosso de Rodes ou as Pirâmides de Gizé.

— Neste jogo é muito importante ficar atento aos seus vizinhos de mesa, até porque, ao deixar passar recursos econômicos nas cartas, certamente eles serão úteis ao ao próximo jogador, o que pode prejudicar seu planejamento — explica Yuri Fang.

Jornadas de Marco Polo

Até a jornada do explorador veneziano Marco Polo no século XIII serviu de inspiração ao jogo As Viagens de Marco Polo, onde se escolhem rotas pela Ásia e é preciso cumprir ordens de compra com recursos como seda, especiarias (pimenta), ouro e até camelos, além de alcançar determinadas metas.

E, se você sonha ser o dono de um castelo na Borgonha e suas cercanias, tem essa chance em The Castles of Burgundy, onde, com produtos, navios, diferentes construções (banco, mercado, armazém, prefeitura etc) e pecuária, vai administrando seu feudo e tornando-o mais próspero, completando regiões com peças hexagonais que dão pontos de vitória.