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Economia

PIB volta ao patamar pré-pandemia, mas recuperação desigual deixa para trás setores que mais empregam

Consumo das famílias recua, enquanto agropecuária e investimentos avançam. Taxa de desemprego está no maior patamar da série histórica
Fazenda no Distrito Federal, em Paranoá: agropecuária foi o único setor que cresceu em 2020 Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo
Fazenda no Distrito Federal, em Paranoá: agropecuária foi o único setor que cresceu em 2020 Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo

RIO — Passado um ano desde o  início da pandemia da Covid-19, a agropecuária, a indústria e os investimentos puxaram o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), que avançou 1,2% no primeiro trimestre deste ano , em relação ao fim de 2020,  informou nesta terça-feira o IBGE.

O resultado veio acima das estimativas do mercado. E o PIB retomou, assim, ao patamar do quarto trimestre de 2019, período pré-pandemia. Mas os resultados do IBGE mostram uma recuperação muito desigual, com os setores que mais empregam ficando para trás. Asim, a alta do PIB não é percebida pela maior parte da população.

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A agropecuária e os investimentos avançaram, mas voltou a cair o consumo das famílias, corroído pela alta da inflação, o desemprego recorde e o fim do auxílio emergencial, que só foi retomado em abril.

— É uma recuperação cíclica depois da queda que aconteceu no auge da pandemia. Está só voltando para o nível pré-crise. O crescimento nos próximos meses está condicionado ao avanço da vacinação e ao retorno da política fiscal do teto de gastos — afirma Luka Barbosa, economista do Itaú Unibanco.

O  setor de serviços, grande empregador de mão de obra, até esboçou reação, com ligeira alta de 0,4% entre janeiro e março. Mas, nos últimos quatro trimestres acumula queda de 4,5%. E as atividades voltadas para prestação de serviços às famílias, como restaurantes, academias, salões de cabeleireiro, são as que mais sofrem com as restrições impostas pela pandemia.

Por isso, explica Silvia Matos, economista da Fundação Getulio Vargas (FGV), o emprego ainda está tão cambaleante. Em março, a taxa de desmprego chegou ao maior patamar da série histórica iniciada em 2012, de 14,7%, com 14,8 milhões de trabalhadores procurando emprego.

— Esses setores voltados para as famílias empregam muito, mas não estão contratando. Só os mais qualificados têm conseguido se empregar. É um choque muito heterogêneo. Muitos segmentos vão ficar para trás. Só a superação da pandemia permite uma normalização — diz Silvia.

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Com a alta acima do previsto no PIB do primeiro trimestre, muitos analistas já estão revisando, para cima, suas projeções para a expansão da economia. A estimativa é que o PIB possa avançar 5,5%. Mas o cenário de uma vacinação ainda lenta, o desemprego elevado e o risco de uma crise hídrica que pressione os custos da energia podem ser obstáculos no segundo semestre.

— Enquanto não tivermos pelo menos 70% da população vacinada, vai ser assim: os governos relaxam as medidas restritivas, a economia melhora, mais pessoas morrem, aí aumentam as restrições, a economia piora. Esse ainda é um crescimento sobre uma base muito fraca, não vejo muita vantagem — diz Cláudio Considera, coordenador do Núcleo de Contas Nacionais da FGV.

Agro e investimentos lideram altas

A agropecuária foi o setor cuja produção mais cresceu no primeiro trimestre de 2021, com alta de 5,7%, graças ao que já está sendo chamado de um novo "superciclo de commodities", com preços recordes em vários produtos exportados pelo Brasil.

Pela ótica da demanda, os investimentos tiveram a maior expansão, com alta de 4,6% frente ao último trimestre do ano passado

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Na comparação com o primeiro trimestre de 2020, houve um salto de 17% nos investimentos, refletindo o aumento da  produção de máquinas e equipamentos e também o crescimento do desenvolvimento de softwares.

A alta forte nos investimentos foi parcialmente distorcida pela maneira como é calculada, nas estatísticas de comércio exterior, a importação de plataformas de petróleo, dentro do regime de benefícios fiscais Repetro.

Veja abaixo, como o crescimento desigual do PIB teve impacto para empresas, comércio e famílias.

TI avança e contrata

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Jullyana Camarinha, da área de tecnologia da informação, recebeu uma proposta de emprego em plena pandemia Foto: Arquivo pessoal
Jullyana Camarinha, da área de tecnologia da informação, recebeu uma proposta de emprego em plena pandemia Foto: Arquivo pessoal

O avanço do e-commerce e do home office na pandemia provocou uma transformação digital nas empresas e acirrou a disputa por profissionais de TI. Em plena pandemia e em meio a um forte aumento do desemprego, a especialista em TI Jullyana Camarinha, de 24 anos, trocou de emprego e ainda passou a receber um salário maior:

- Cheguei a receber propostas antes e depois dessa nova contratação. O mercado está bem aquecido.

Auxílio menor afeta consumo

A nova rodada de auxílio emergencial só começou em abril. A ausência do benefício no primeiro trimestre impactou o desempenho do consumo Foto: Agência O Globo
A nova rodada de auxílio emergencial só começou em abril. A ausência do benefício no primeiro trimestre impactou o desempenho do consumo Foto: Agência O Globo

O baiano Landerson Ferreira, de 28 anos, está recebendo o auxílio emergencial do governo desde o início do programa. Na época, ele a e a sua irmã recebiam o benefício, pois, de acordo com as regras do ano passado, duas pessoas por família poderiam receber o pagamento.

Este ano, como o pagamento é para apenas uma pessoa da família, o valor total caiu para R$ 250.

- Eu fui cada vez comprando menos no mercado, porque os preços não param de subir. Se eu comprar uma carne, por exemplo, eu não pago a água e nem a luz. Tive que ir para o peixe e agora estou no ovo - conta Ferreira, que se mudou de Santo Antônio de Jesus, no Recôncavo Baiano, para o munícipio de Jaci, interior de São Paulo, na esperança de conseguir um emprego no polo moveleiro local.

Construção civil cresce

Empreendimento da Riva em Contagem,em Minas Gerais Foto: Divulgação
Empreendimento da Riva em Contagem,em Minas Gerais Foto: Divulgação

A busca de famílias por casas maiores, em meio ao confinamento da pandemia e ao avanço do home office, e uma conjuntura econômica de juros baixos que reduzem o custo do financiamento imobiliíario deram um impulso à construção civil.

A Riva, subsidiária da incorporadora Direcional Engenharia, com foco no segmento médio econômico, registrou aumento de 140% nas vendas líquidas no primeiro trimestre de 2021 contra o último trimestre do ano passado.

- A resiliência do setor da construção civil na pandemia impressionou - afirma o CEO da Riva, Paulo Assis.

Serviços patinam

A rede de academias Bodytech teve uma perda de 27% do total de seus frequentadores desde março de 2020 Foto: Ulysses Padilha / Divulgação
A rede de academias Bodytech teve uma perda de 27% do total de seus frequentadores desde março de 2020 Foto: Ulysses Padilha / Divulgação

A rede de academias Bodytech teve uma perda de 27% do total de seus frequentadores desde março de 2020, início da pandemia. O diretor técnico da rede, Eduardo Netto, conta que a empresa reforçou protocolos de segurança sanitária para tentar atrair os clientes de volta.

E acredita que, com o fim da pandemia, a busca por atividades físicas deve voltar a crescer:

- A academia é um dos mercados mais afetados pela pandemia, mas, também, pode ser um dos mais promissores. A atividade pode fazer parte da resolução do problema. As pessoas aumentam a imunidade e melhoram a saúde mental com a prática de atividades físicas.

* Estagiário sob supervisão de Danielle Nogueira