Economia

A desigualdade nas redes: influenciadores negros recebem menos que brancos

Marcas defendem diversidade no discurso, mas reforçam disparidade de raça ao pagarem mais a celebridades brancas
Sydnee McRae: superada por uma celebridade web branca Foto: Reprodução do Instagram
Sydnee McRae: superada por uma celebridade web branca Foto: Reprodução do Instagram

NOVA YORK - Desde o colégio, Sydnee McRae gostava da ideia de ser paga para fazer vídeos on-line. Depois de se formar, ela começou a fazer tutoriais de beleza no YouTube, mas conseguiu atrair apenas 500 seguidores — nem de perto o suficiente para fazer as marcas pagarem pela promoção de seus produtos ou mesmo para obter um brinde ocasional.

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Então, um ano atrás, McRae, agora com 22 anos, começou a bombar no TikTok, a plataforma chinesa de vídeos curtos. Foi exatamente quando os lockdowns da Covid-19 estavam começando. McRae criou e executou uma dança para a música "Capitain Hook", hit da rapper Megan Thee Stallion.

Ela desafiou outras pessoas a experimentar a dança por conta própria com uma hashtag, #captainhookchallenge, e um vídeo que a explicava passo a passo. A iniciativa viralizou, atraindo mais de 400 mil curtidas.

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Em semanas, muitas das principais estrelas da plataforma - influenciadores com milhões de seguidores - apresentaram suas versões da coreografia, ajudando a música a disparar em popularidade também.

Em abril, a própria Megan Thee Stallion se juntou à festa, postando um vídeo de 15 segundos de sua cozinha. McRae estava no céu.

— Percebi que criei algo que as pessoas adoram — diz ela.

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Ela passou a ganhar seguidores aos milhares. Logo músicos e gravadoras começaram a entrar em contato, pedindo-lhe para promover suas canções e oferecendo-se para pagar cerca de US$ 500 por dança. McRae encontrou um agente e largou seu emprego como gerente de vendas na Massage Envy em Miami.

Addison Rae Easterling repetiu a dança de McRae e ganhou milhares de dólares Foto: Wikipedia/Rosie Revolts/Creative Commons CCBY 3.0
Addison Rae Easterling repetiu a dança de McRae e ganhou milhares de dólares Foto: Wikipedia/Rosie Revolts/Creative Commons CCBY 3.0

Em maio, McRae recebeu US$ 700 da gravadora Universal para promover uma nova música, "Out of Love", do rapper Lil Tecca, com um novo desafio de dança. Foi um sucesso também, e McRae ficou ainda mais animada algumas semanas depois, quando viu a celebridade da web Addison Rae Easterling repetindo sua dança.

Easterling não é tão famosa quanto Megan Thee Stallion, embora no mundo dos influenciadores do TikTok ela seja a rainha: ela tem 70 milhões de seguidores (contra 1,1 milhão de McRae) e ganhou, de acordo com a Forbes, milhões de dólares com suas danças e playbacks em  vídeos, graças a negócios com marcas que incluem American Eagle, Fashion Nova e Reebok.

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McRae é negra e Easterling é branca. McRae soube por seu empresário que Easterling também havia sido contratada para fazer sua dança e recebia muito mais.

Em vez das centenas de dólares que a Universal deu a McRae para criar a dança, Easterling recebeu milhares de dólares de Lil Tecca apenas por fazer sua apresentação.

A notícia viralizou.

— Eu criei a arte, estou dando a você a arte, sem mim não haveria arte — disse McRae. — Mas eu não recebo o mesmo respeito, a mesma quantia que esses criadores brancos recebem.

Fenômeno que se repete

O fenômeno de artistas brancos se apropriando do trabalho de criadores negros — e recebendo mais por isso -— é tão antigo quanto a própria indústria do entretenimento. Mas a experiência de McRae vai contra as promessas meritocráticas de sites como TikTok, Instagram e YouTube, que permitem aos criadores alcançarem a celebridade sem passar por agentes ou diretores de elenco.

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No entanto, agora que há dinheiro real a ser feito nessas plataformas — endossos de marca nas mídias sociais representam US$ 10 bilhões por ano globalmente, de acordo com SignalFire, uma empresa de capital de risco que rastreia dados do setor — uma nova classe de agentes surgiu.

Eles são profissionais de marketing corporativo e executivos de agências de publicidade digital tentando capitalizar na nova Hollywood, e a maioria é de brancos.

O resultado, de acordo com entrevistas com dezenas de influenciadores, é que estrelas brancas da mídia social consistentemente ganham muito mais do que seus colegas negros, mesmo nos casos em que influenciadores negros têm mais seguidores ou estão fazendo mais conteúdo criativo.

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Coreógrafos brancos com seguidores semelhantes aos de McRae rotineiramente ganham US$ 5 mil para criar e executar uma dança. McRae geralmente consegue um décimo disso, e ela notou a mesma disparidade salarial em todo o setor. Embora Easterling pelo menos tenha creditado a dança a McRae, outros influenciadores brancos muitas vezes não o fazem.

Em outros casos, os influenciadores negros não são nem mesmo pagos.

Stacy Thiru, que dá dicas de beleza para seus 1,5 milhão de seguidores do TikTok, diz que, antes de saber qual era seu verdadeiro valor de mercado, ela costumava aceitar produtos - perucas, por exemplo - em vez de dinheiro quando criava guias passo a passo promocionais para empresas de beleza.

— Eles tiveram uma promoção gratuita — diz ela. — Tudo o que consegui foi cabelo.

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Mudança após caso George Floyd

Mas, no ano passado, americanos de todas as raças foram às ruas para protestar contra a morte de George Floyd pela polícia. Gerentes de marcas corporativas, motivados por entusiasmo genuíno — e a consciência de que estar vinculado a um movimento popular pelos direitos civis daria um ótimo marketing — juntaram-se a um coro de apelos por igualdade racial.

Eles escreveram cartas abertas sobre raça para seus executivos assinarem e se esforçaram para apresentar pessoas de cor em anúncios.

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No passado, os criadores negros tinham que se correr atrás das marcas, lembra Jack Young, um gerente de influência que se especializou em trabalhar com pessoas de cor. Agora as marcas os chamavam sem parar.

Manifestação em Manhattan durante o julgamento do policial que sufocou George Floyd: movimento Black Lives Matter chamou a atenção de empresas e agentes Foto: SPENCER PLATT / AFP
Manifestação em Manhattan durante o julgamento do policial que sufocou George Floyd: movimento Black Lives Matter chamou a atenção de empresas e agentes Foto: SPENCER PLATT / AFP

Um dos clientes de Young, Kenny Knox, um quadrinista de esquetes de 22 anos, fechou contratos de patrocínio com o chiclete Trident, o desodorante Axe e a Gillette, entre outras marcas.

— Não sei se são eles querendo trabalhar comigo porque sou eu, ou se eles se sentem mal e me veem e querem que sua marca fique melhor — diz Knox. — Mas eu sou grato.

No final de 2020, ele estava ganhando dinheiro suficiente para alugar um apartamento sem companheiros de quarto pela primeira vez.

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Knox começou a fazer vídeos de seis segundos no Vine, o antigo aplicativo de vídeo. Ele era um dos usuários mais populares do serviço, mas nem percebeu que as empresas pagavam influenciadores por postagens até que começou a conversar com seus colegas brancos, muitos dos quais ganham até US$ 100 mil por vídeo.

— Eu deveria ser um milionário agora — diz ele. — Meus amigos, minha família, todos olham para mim como se e estivesse prestes a ser Will Smith.

Preconceito nas redes

No verão de 2018, o Facebook estava preparando o lançamento de um serviço de vídeo móvel para o Instagram, IGTV, que deveria competir com o YouTube.

Os funcionários do Instagram foram incumbidos de instruir e treinar as maiores estrelas do aplicativo de compartilhamento de fotos para usar a nova plataforma antes do lançamento oficial, de modo que ela estaria cheia de vídeos no momento em que as pessoas se conectassem.

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Mark Luckie, que trabalhou com a equipe de parcerias de influenciadores do Instagram, foi encarregado de fazer a curadoria de uma lista de criadores. Luckie, que é negro, produziu uma proposta para seus superiores que incluía alguns dos usuários negros mais populares do Instagram.

Sua proposta, que foi obtida pela Bloomberg, foi rejeitada com o argumento de que o Facebook não podia confiar nos criadores que Luckie identificou para manter o segredo da IGTV.

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“Devido ao risco de vazamento, não podemos nos sentir confortáveis em informar os criadores com os quais ainda não temos um relacionamento”, respondeu um gerente.

O gerente instou Luckie a entrar em contato com os nomes de sua lista só após o lançamento.

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Luckie deixou a empresa no final daquele ano, descrevendo uma “privação de direitos para os negros na plataforma” em uma carta aberta aos funcionários do Facebook.

Um porta-voz da empresa, Charlton Gholson, contesta a interpretação de Luckie dos eventos e diz que a escolha de informar os criadores não foi baseada em considerações raciais. Ele acrescenta que a empresa desde então “aumentou nossa abordagem de parcerias para ser mais justa”.

Medidas 'performáticas'

Em junho passado, as marcas começaram a se sentir confortáveis ao falar sobre raça, e o Facebook também. O chefe de produto do Instagram, Adam Mosseri, disse em um post em um blog que a empresa “examinaria com mais atenção” se seus algoritmos tinham algum preconceito contra os negros.

“Também estamos atentos a preocupações sobre se suprimimos a voz negra e se nossos produtos e políticas tratam todos da mesma forma”, escreveu ele.

O Instagram deu início a uma campanha para aumentar a visibilidade dos talentos negros em seu aplicativo com a hashtag #shareblackstories, e o Facebook iniciou um fundo de US$ 25 milhões para apoiar os criadores negros.

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O Google fez o mesmo com um anúncio em junho de que o YouTube reservaria US$ 100 milhões para apoiar a programação original ao longo de vários anos, a qual "apresentaria narrativas novas que enfatizam o poder intelectual, autenticidade, dignidade e alegria das vozes negras".

Os criadores negros estão esperançosos, mas céticos de que o entusiasmo recém-descoberto vá mudar a indústria. Layla Qasim, uma humorista e maquiadora que atende por @neko_channn no TikTok, onde tem 2,4 milhões de seguidores, chama essas novas iniciativas de “extremamente performáticas”.