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Economia

À frente da Caixa, Pedro Guimarães viaja pelo país e acumula capital político a serviço de Bolsonaro

Executivo já percorreu 147 cidades para ajudar a sedimentar a base do presidente. Inaugurou agências, comeu bode e até dançou quadrilha
Jair Bolsonaro ao lado de Pedro Guimarães, que lidera a Caixa desde 2019: frequentador das lives do presidente, o executivo agrada com ações que ajudam no apoio político ao governo
Jair Bolsonaro ao lado de Pedro Guimarães, que lidera a Caixa desde 2019: frequentador das lives do presidente, o executivo agrada com ações que ajudam no apoio político ao governo

BRASÍLIA - Em uma quinta-feira à noite, 21 de novembro de 2019, o presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães, e um grupo de assessores embarcaram num voo comercial de Brasília para Petrolina (PE), onde se hospedaram num hotel em frente ao Rio São Francisco.

No dia seguinte, a comitiva participou de uma audiência com o prefeito Miguel Coelho, filho do líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), e almoçou num restaurante especializado em bode assado.

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Depois disso, seguiu num comboio com cerca de dez carros, sendo um veículo blindado transportando Guimarães, para a inauguração de uma superintendência regional do banco estatal. Além de Bezerra e o prefeito, estava presente no evento o deputado Fernando Coelho Filho (DEM-PE), outro filho do senador.

Após a cerimônia, houve uma confraternização num restaurante na orla, com música ao vivo.

— É a quarta vez que venho a Petrolina, e a Caixa será cada vez mais forte aqui — prometeu Guimarães num discurso inflamado.

Essa expedição foi uma das 97 viagens realizadas por Pedro Guimarães quase toda semana nos últimos 28 meses. Nesse período, ele visitou 147 municípios e percorreu 220 mil quilômetros nas 27 unidades da federação.

Essas caravanas fazem parte do projeto Caixa Mais Brasil, cujo objetivo é aproximar a direção do banco de dirigentes, empresários e outros agentes locais.

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A meta é alcançar 166 visitas até o fim de 2022 — e faz brilhar não só os olhos de muitos políticos como também os de Jair Bolsonaro.

Um dos aliados mais próximos do presidente e figura frequente nas lives semanais no Palácio da Alvorada — já participou de 22 —, Guimarães conheceu Bolsonaro em março de 2017.

Confiança cultivada

Naquele ano, o então presidenciável faria uma viagem internacional para conversar com investidores. Guimarães, que era sócio do Banco Brasil Plural, foi apresentado a Bolsonaro por um conhecido em comum do mercado financeiro.

O economista ajudou na interlocução com os representantes do mercado na viagem e até na tradução.

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Durante a transição de governo, em 2018, o economista foi indicado para assumir a Caixa pelo futuro ministro da Economia, Paulo Guedes.

No início, Bolsonaro torceu o nariz pelo fato de Guimarães ser genro de Leo Pinheiro, ex-executivo da OAS que foi preso na Operação Lava-Jato, mas chegou à conclusão de que o currículo do banqueiro justificava a aposta.

E deu certo. A relação entre os dois se estreitou de tal forma que passaram a ter contatos frequentes. Bolsonaro ficou encantado com a iniciativa do executivo de botar o pé na estrada e ter contato presencial com os clientes da Caixa — que, em alguns casos, falam com o presidente da República por meio de videochamadas feitas do celular de Guimarães.

As expedições pelo país afora também agradaram a diversos parlamentares. A programação das viagens costuma incluir apresentações típicas e manifestações folclóricas. A empreitada contempla redutos eleitorais de parlamentares aliados.

Aliados nos eventos

Prefeitos e governadores alinhados ao governo são convidados para os eventos. Um dos critérios para a escolha dos municípios visitados é a existência de alguma obra de programas do governo como o Casa Verde e Amarela, além de projetos sociais patrocinados pela Caixa, embora em muitos casos o banco seja apenas o agente financiador.

Além disso, é comum a inauguração de agências para atender à base do presidente Bolsonaro no Congresso.

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Em uma das viagens, ele atendeu a um pedido para inaugurar uma superintendência em Campina Grande (PB), base eleitoral do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), líder da maioria, e da irmã dele, a senadora Daniella Ribeiro (PP-PB).

A parlamentar contou que foi ela mesma que pediu a Guimarães para abrir uma superintendência no município, um pleito dos moradores há mais de 12 anos:

— Acho ele muito humano, fala com todo mundo, com o zelador, com a menina de serviços gerais, vai lá, dá um abraço. Até brinquei com ele: você está fazendo política, quer tomar o meu lugar?

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Um dos integrantes da comitiva a Petrolina, o senador Fernando Bezerra preferiu não dar entrevista e se manifestou por nota: “Atencioso e comprometido, Pedro Guimarães realiza gestão arrojada, ao empregar a estratégia social da Caixa Econômica como motor do desenvolvimento das regiões mais carentes do Brasil”.

Guimarães faz parte do grupo de liberais indicados por Paulo Guedes Foto: Daniel Marenco/24-07-2019
Guimarães faz parte do grupo de liberais indicados por Paulo Guedes Foto: Daniel Marenco/24-07-2019

Outro aliado do governo, o senador Roberto Rocha (PSDB-MA), tem a mesma avaliação. Ele acompanhou uma inauguração de superintendência ao lado da diretoria do banco no fim de 2019, em Imperatriz (MA).

— Acho que Pedro Guimarães está revelando uma gestão muito eficaz. Ele tem uma atuação política importante à medida em que se aproxima das pessoas nas viagens — afirmou Rocha.

Despesas com viagens

As despesas com as viagens não aparecem em nenhum dos balanços divulgados pela Caixa. Em entrevista ao GLOBO, o presidente do banco afirmou que o custo de cada expedição varia entre R$ 40 mil e R$ 50 mil.

Caso os cálculos do executivo estejam corretos, o programa custou, até agora, ao menos R$ 3,8 milhões.

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Estimativas de empresas que prestam serviço para o banco afirmam reservadamente, no entanto, que essa despesa pode ser até o dobro. Na avaliação de Guimarães, o gasto é justificado, se comparada a outras ações do banco:

— Isso deve ser 0,1% do que se gastava para fazer patrocínio de um clube de futebol.

Ele ressalta que a Caixa é o “banco da matemática” e que as decisões só são tomadas se houver vantagem financeira para a instituição.

Da lama ao forró

Guimarães dançou quadrilha durante viagem: conta no Instagram tem 40 mil seguidores Foto:  Divulgação
Guimarães dançou quadrilha durante viagem: conta no Instagram tem 40 mil seguidores Foto:  Divulgação

Mas algumas das viagens custeadas pela Caixa serviram não só como palanque para aliados de Bolsonaro, mas também para uma projeção do próprio Guimarães.

Nessas andanças pelo Brasil, o executivo foi fotografado e filmado abraçado a populares, rodeado de crianças, plantando árvores, enlameando-se no mangue e dançando quadrilha junina.

As imagens e as gravações são compartilhadas nas redes sociais da Caixa e para uma lista de contatos.

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Logo quando Guimarães abriu uma conta no Instagram — na última terça-feira — somou mais de 40 mil seguidores em 24 horas. Na primeira postagem, definiu assim o que pretende fazer no espaço: “mostrar um pouco de quem eu sou: o brasileiro Pedro Guimarães que acredita e trabalha por este país”.

Alguns integrantes da equipe econômica desconfiam da pretensão política do banqueiro. Acham que ele sonha em se candidatar ou assumir um ministério como o Desenvolvimento Regional num eventual segundo mandato de Bolsonaro.

Quando é questionado sobre a intenção de se tornar político, o executivo nega, dizendo:

— Não. Sou 100% técnico.