Exclusivo para Assinantes
Economia

‘A melhor solução é vetar todo o Orçamento, tem que começar do zero’, diz Maílson da Nóbrega

Economista fala em 'pedalada fiscal' e alerta para forte impacto em câmbio, juros, inflação e crescimento, podendo até faltar dinheiro para transportar vacinas
O economista e ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega avalia que o projeto do Orçamento 2021 pode ser 'a primeira grande pedalada do atual período', alertando para a importância de veto de Jair Bolsonaro Foto: Luís Ushirobira / Agência O Globo
O economista e ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega avalia que o projeto do Orçamento 2021 pode ser 'a primeira grande pedalada do atual período', alertando para a importância de veto de Jair Bolsonaro Foto: Luís Ushirobira / Agência O Globo

SÃO PAULO - Sócio da Tendências Consultoria e ex-ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega defende o veto como solução para o impasse do Orçamento , que o próprio Ministério da Economia considerou inexequível. Caso contrário, ele prevê um forte impacto em câmbio, juros, inflação e crescimento.

Como o senhor avalia o Orçamento que foi aprovado?

Esta é a pior inovação que o Congresso fez no processo orçamentário desde 1989. Não há nada parecido. É algo desastroso. É uma inovação absolutamente sem sentido, reduzir as despesas obrigatórias. Eles querem diminuir as despesas para engordar as emendas parlamentares. Alguns podem argumentar que elas foram cortadas porque estavam superestimadas, mas isso não é verdade.

Orçamento 2021: TCU deve alertar Bolsonaro de risco de crime fiscal se não houver vetos ao projeto

Qual é a solução?

Esta é a primeira grande pedalada do atual período. Eu acredito que a melhor solução (é o presidente) vetar todo o Orçamento, tem que começar tudo do zero. Esta hipótese foi considerada em 1989, quando o Congresso fez a primeira grande pedalada, mas não foi tomada. Mas agora é diferente. E o governo tem parte de responsabilidade, por sua paupérrima articulação política e a incapacidade de enviar mensagens claras.

Quais são as consequências?

A margem para gastos discricionários caiu para R$ 49 bilhões. Se você considerar que neste valor estão os recursos do Bolsa Família, há algo em torno de R$ 20 bilhões para manter o governo e os investimentos, e isso inclui transporte, água, luz, telefone, manutenção predial. Há o risco da paralisia do governo, o shutdown . Significa que o Ministério da Saúde não terá dinheiro sequer para transportar vacinas para os estados. E como se corta o orçamento de algo tão importante como o Censo de R$ 2 bilhões para R$ 71 milhões? Isso implicaria, em algum momento, a violação do teto de gastos, pois o governo não pode parar de pagar aposentadoria, pensão, Bolsa Família. Se não fizerem isso, cometem crime de responsabilidade, e se fizerem, também cometem crime de responsabilidade, pois viola o teto de gastos, aprovado por emenda constitucional. Isso pode gerar, além do estouro do teto, déficits primários maiores que o imaginado, o que provocaria um colapso de confiança, que tem como efeitos desastrosos a fuga de capitais, a depreciação cambial, o aumento da inflação, o aumento dos juros futuros, e tudo isso impacta o potencial da economia e do emprego.

Equipe econômica: Guedes vai a Bolsonaro após Orçamento 'inexequível'

Este Orçamento, como está aprovado, não significa estourar o teto?

É, pois o governo não pode se recusar a pagar despesas obrigatórias, não  pode se recusar a pagar aposentadoria ou o Bolsa Família. Você tem que ter o mínimo de conservação do investimento, em Ciência e tecnologia. É um desastre total. Acredito que a equipe econômica pedirá o veto, é um ato inédito na História, mas não tem solução. O Congresso brincou de aprovar um Orçamento. Os recursos para custeio podem cair a zero, e não precisa ser nenhum técnico ou especialista para dizer que isso é inexequível.

E o mercado? Na sexta houve piora, mas não pânico...

Isso leva tempo a ser percebido. Os grandes bancos vão começar a divulgar suas análises da situação fiscal, os especialistas estão começando a propor artigos, isso vai começar a repercutir e em algum momento vai cair a ficha do mercado, do brutal aumento do risco fiscal, que se traduz em depreciação da moeda, inflação e juros altos. O veto  é uma medida extrema, pode ter impacto com as expectativas, pois indicaria um impasse em uma questão  fiscal das mais relevantes, mas é um grande freio de arrumação. Vamos fazer as contas, vamos ser responsáveis.