Exclusivo para Assinantes
Economia

‘A reação do governo deixou muito a desejar, custando caro em número de vidas e em termos de PIB’, diz Arminio

Ex-presidente do BC ressalta que, enquanto não for superada, pandemia será um freio para a economia. E diz que país vive crise política e institucional
‘Não é só uma crise fiscal, há crise política e institucional’, diz Arminio Fraga Foto: Agência O Globo
‘Não é só uma crise fiscal, há crise política e institucional’, diz Arminio Fraga Foto: Agência O Globo

RIO - Ex-presidente do Banco Central e sócio fundador da Gávea Investimentos, o economista Arminio Fraga diz que o Brasil passa por uma crise que vai além da área fiscal. Segundo ele, o Brasil é percebido hoje como um país de visão atrasada, que passa ao largo de grandes debates, como meio ambiente e qualidade da democracia.

Nesta quarta-feira, o IBGE informou que o PIB brasileiro teve em 2020 um tombo de 4,1%, o maior desde 1991 , encerrando a pior década de crescimento econômico em mais de um século . Com anos seguidos de crescimento errático, o Brasil deixou a lista das 10 maiores economias do planeta .

Arminio critica a retirada abrupta do auxílio emergencial, cujo pagamento acabou em dezembro e só agora está em vias de ter sua renovação aprovada . Ele diz que nenhum país cortaria o auxílio à população de forma abrupta. E ressalta que mesmo em uma situação econômica e sanitária não tão negativa, a saída teria seria “suavizada”.

Tivemos a maior recessão desde o Plano Collor. O que nos espera?

O Brasil, na verdade, sofreu dois tombos. Tivemos o de 2014, 2015 e 2016, e agora esse. Olhando o gráfico com os dados trimestrais do PIB, é qualquer coisa de extraordinário: desde 2012, o PIB caiu mais que subiu. A queda do PIB per capita chegou a bater quase 10%. É um sinal muito ruim.

E a pandemia?

É um momento que requer muita reflexão. A economia só vai ter chance de se recuperar quando a pandemia estiver dominada. Há um consenso de que a reação do governo deixou muito a desejar, custando caro em número de vidas e em termos de PIB. Há a visão clara e pacífica de que, enquanto a pandemia não estiver superada, vai funcionar como um freio.

Há outras fontes de incerteza?

Outra fonte de incerteza é a política geral. Já falei isso no passado e continuo achando que os efeitos qualitativos, como a questão ambiental, a resposta à crise sanitária e temas em geral ligados à qualidade da nossa democracia, como esses vários decretos sobre armas, criam um pano de fundo tenso.

Do lado da economia, o investimento vem muito parado, a taxa de investimento é muita baixa. A do setor público caiu de 5 % do PIB para 1%. Mesmo um liberal como eu consegue imaginar um espaço importante de investimento tipicamente público complementar ao do setor privado.

Afinal de contas: O que é uma recessão? Alta do PIB no 4º trimestre não significa que o país saiu da crise

Há outros pontos de preocupação?

Ao lado, temos um quadro fiscal precário, a respeito do qual pouco se fez. A reforma da Previdência foi aprovada, é importante, mas teremos déficit primário a perder de vista. Com a inflação arregaçando as mangas, o lado fiscal pode ficar ainda mais preocupante. Isso é algo para o que não está se encontrando resposta.

O vento a favor está muito forte lá fora, preço das commodities subindo, uma situação, para o Brasil, rara. Mesmo assim, a taxa de câmbio foi para R$ 5,70. As pessoas deveriam se perguntar o que está acontecendo. É um quadro geral extremamente preocupante, dificílimo, não há como negar.

O auxílio emergencial deve ser mantido?

Como parecia previsível, o governo não tomou nenhuma medida considerada antipática para viabilizá-lo, mas antipático é jogar o país em outra recessão. A situação sanitária recomenda auxílio. Não há a menor dúvida: nenhum país cortaria esse auxílio, nas circunstâncias atuais, de maneira radical. Mesmo em uma situação nem tão ruim, haveria uma saída minimamente suavizada do auxílio.

PIB : Do governo militar a Collor e Dilma: como o Brasil entrou e saiu das últimas recessões

Sou a favor, mas correr mais risco na economia, caminhar para outra recessão é um risco social incalculável. Algumas pessoas esquecem que a crise do real em 1998 e 1999 foi equilibrada com o tripé macroeconômico (câmbio flutuante, meta fiscal e de inflação), que o colapso da economia entre 2014 e 2016 veio na esteira de um colapso fiscal.

Corremos o risco de colapso fiscal?

A irresponsabilidade do governo não foi surpresa. Vejo o Congresso ansioso, mas mais reativo e não proativo. O que quero dizer é que, quando a chapa esquenta, o Congresso se move. Não vejo o Congresso pensar na estrutura tributária, na reforma do Estado para valer. Cerca de 80% do gasto vão para folha de pagamento e Previdência.

Na esmagadora maioria dos países, inclusive os de renda média, a parcela corresponde a 60%. É um trabalho de uma década. Não é só uma crise fiscal, é muito mais que isso. No Brasil hoje, há elementos de crise política, institucional, da credibilidade do nosso arcabouço maior. O Brasil está com uma imagem externa ruim e, pior, com uma imagem interna também ruim, por isso o investimento aqui, que é o mais importante, está tão fraco.

PIB: o ano em que a saúde ditou os rumos da economia

Como fica a imagem lá fora?

O Brasil fica mal. Em muitas dimensões, é visto como um país que tem visões atrasadas e incompatíveis com as grandes questões existenciais do planeta, sobre meio ambiente, da qualidade da democracia.