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Economia

Abilio Diniz diz que Brasil vai se recuperar rápido e surpreender o mundo

Empresário diz que auxílio emergencial vai ajudar na retomada e que pressão ambiental externa sobre o Brasil é 'hipocrisia'
O empresário Abilio Diniz, dono da empresa de participações Península. Foto: Kiko Ferrite / Divulgação
O empresário Abilio Diniz, dono da empresa de participações Península. Foto: Kiko Ferrite / Divulgação

SÃO PAULO - Abilio Diniz acredita que o Brasil sairá da crise mais rápido e com uma queda no Produto Interno Bruto (PIB) menor do que se espera. E o grande responsável por essa recuperação, “não em V completo, mas bem inclinado”, na sua visão, será o auxílio emergencial de R$ 600 , que ele diz estar fazendo a economia girar.

O empresário que tornou o Pão de Açúcar um gigante do varejo e hoje é acionista do rival Carrefour na França — entre outras participações por meio da gestora Península, que lhe garantem uma fortuna avaliada em mais de US$ 2,3 bilhões — virou um influenciador digital durante a pandemia, falando de economia, quarentena, saúde e bem-estar.

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Com 2,2 milhões de seguidores nas redes, já fez mais de 30 lives , incluindo entrevistas com os ministros Paulo Guedes (Economia) e Tarcísio Freitas (Infraestrutura), o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e até o Padre Fábio de Melo.

Aos 83 anos, pai de seis filhos com idades de 11 a 59 anos, Diniz defende a agenda de reformas para uma retomada sustentável da economia no pós-pandemia e diz ver hipocrisia por trás do discurso europeu em relação à proteção da Amazônia . Em entrevista ao GLOBO, ele conta como foi viver seis meses de uma vida simples nos Estados Unidos, sem cozinheira nem motorista, levando filhos para a escola.

O que o Brasil precisa fazer para sair dessa crise?

Sou otimista. Mas dentro da realidade. Tivemos um baque forte, um número grande de infectados (pelo coronavírus) por habitante. Mas a economia está voltando à realidade: o gasto das famílias está aumentando, uma certa iniciativa privada começa a investir, e um certo dinheiro externo que está ávido pelo Brasil está voltando. Veja: os mais atingidos foram os mais vulneráveis. Mas o auxílio de R$ 600 permitiu uma transferência de renda extraordinária, e isso foi muito importante. Essas pessoas giram a economia com muita rapidez. O governo botou muito dinheiro, muita coisa positiva aconteceu. Não acho que vai ser uma recuperação em um “V” completo. Mas acho que vai ser muito inclinada. Acredito nas palavras de Paulo Guedes de que vamos surpreender o mundo. Vamos recuperar muito mais rápido que os europeus. Evidente que, para ter uma retomada sustentável, precisa das reformas administrativa e tributária.

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O fim do Renda Brasil preocupa?

Não acho que seja o fim. O governo não quer tirar dos pobres para dar aos paupérrimos. Acho que ainda pode ser retomado. O ideal seria mudar o critério do Bolsa Família, alcançar mais gente com um valor maior. Acho que deveria fazer, se puder.

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Dá para fazer e respeitar o teto de gastos?

A  questão fiscal é muito séria, temos que ter respeito, mas ainda não chegamos ao desastre. Há tempo para arrumar. Não devemos romper o teto de gastos, e sim fazer as reformas para melhorar a situação do Estado em todos os níveis, pois o problema não é só federal. É importante também, nessa linha, desindexar gastos para poder manejar recursos, e ainda analisar com profundidade os gastos atuais, se estão sendo bem aplicados e tendo retorno satisfatório.

Houve uma breve tentativa do governo de controlar a inflação fazendo pressão sobre os empresários. Há motivo para preocupação?

Eu vivi a hiperinflação, e não há sinais concretos de retorno da inflação. É pontual. A safra vai entrar e os preços do arroz vão cair. Existe sensatez no governo. A demanda aqui e no mundo está muito fraca, não há razão para imaginar que vai ter inflação.

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A equipe econômica anda recebendo cartão vermelho. Vê risco de a pauta liberal perder força?

Neste momento, todos, Executivo, Legislativo e a equipe do Paulo Guedes, estão conscientes de que vivemos muitos anos de uma economia intervencionista, que nos levou a enormes distorções. Íamos bater na parede. Mas até o (economista liberal americano) Milton Friedman dizia, que em momentos de crise, somos todos Keynesianos (referência ao economista britânico John Maynard Keynes). E Paulo Guedes está dando demonstração disso. Houve um desvio para colocar dinheiro em circulação. Para os vulneráveis, para pequenas e médias empresas, para evitar uma queda tão grande. Não foi dado dinheiro para grandes empresas.

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Falando em Friedman, há 50 anos o economista publicou um célebre artigo defendendo que a responsabilidade social dos negócios é o lucro. O senhor concorda?

Não sou um Chicago (boy, apelido dado a egressos da escola econômica dessa universidade americana). Tem coisa que a gente apoia e coisa que questiona. Não dá para olhar só o lucro e não olhar o entorno. Fui a primeira pessoa no Brasil a falar de capitalismo consciente, há mais de dez anos. Hoje isso está sendo substituído pelos critérios ASG (Ambiental, Social e de Governança). Isso está muito forte, e já se sabe que o caminho do ASG gera mais lucro.

Como vê a pressão europeia em relação ao desmatamento na Amazônia?

Essa pressão não quer dizer nada. O dinheiro fala mais alto. A gente tem que se preocupar com o meio ambiente, pois é nossa obrigação. Os escandinavos, que são os mais barulhentos, desmataram as florestas deles. Mas, se tiverem oportunidade de ganhar dinheiro aqui, eles virão. Tudo o que ouço dos investidores estrangeiros é: precisamos de regras claras, segurança jurídica e tributária. O resto é hipocrisia, pressão comercial. O mundo vive um momento de liquidez extraordinário. As pessoas não sabem o que fazer com o dinheiro, e o Brasil é uma grande oportunidade. Temos que ter mais orgulho e criticar menos.

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Como está sendo a experiência com as lives ?

Tento fazer o melhor para o país e para os brasileiros. E meu propósito é: quero ser feliz, aprender sempre e compartilhar. No começo da crise as pessoas tinham medo de morrer, de perder o emprego, de não ter dinheiro, de quebrar. Comecei a ser solicitado para falar. As pessoas estão carentes de referência.

Como será o mundo pós pandemia?

O mundo vai ser o mesmo, pois as pessoas são as mesmas. E elas querem viajar, almoçar fora, abraçar e beijar. Mas acho que vamos sair dessa aos poucos, como em um incêndio em que a fumaça vai se dissipando. A transformação digital não é nova. O e-commerce já existia, mas agora com outra intensidade. O home office foi uma descoberta importante, vimos que dá para fazer. Mas não acho que acaba com o presencial.

Em algum momento desta pandemia o senhor teve medo de morrer?

Minha mulher, Geyze, acha que sou vulnerável, fica mais preocupada que eu. Mas tenho tomado todos os cuidados. Meu genro pegou e ficou prostrado. Não é legal, melhor não pegar. Não tenho medo exagerado, mas tem que ter cautela. Estou recluso. Faço duas horas de exercício por dia, controlo a alimentação. A pandemia reforçou ainda mais os meus pilares e mostrou a necessidade de as pessoas se cuidarem.

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O senhor passou seis meses nos EUA, levando filho para a escola. Como foi a experiência?

A ida aos EUA foi programada. Queria ficar um pouco a distância, olhar o Brasil de fora. E ter a experiência que não tive com meus filhos hoje adultos. Nunca tinha levado filho para a escola, sempre tiveram motorista. Levei e busquei todos os dias, pegando 30 minutos de estrada. Escrevi um diário: “Memórias de um motorista”. Foi sensacional. Minha mulher cozinhou, não quis levar nenhuma funcionária. E fiquei esse tempo trabalhando por videoconferência, de modo que, quando veio a pandemia, eu já estava treinado. Nessa reclusão, poder almoçar e jantar com eles virou um luxo.

O que tira o sono de Abilio Diniz?

Sou bom de cama. Durmo bem, se estiver com saúde e a família estiver bem, não tenho preocupação. Já tive muitas. Tive depressão. Hoje nada me tira o sono. Mas fiquei bastante preocupado em ajudar as pessoas. Destinamos R$ 50 milhões, um dinheiro da família, para ajudar os mais vulneráveis. Não dá pra ficar feliz com tudo o que está acontecendo. Mas, dentro do meu mundinho, convivendo com meus filhos de 11 e 14 anos, posso dizer que sou um cara feliz.