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Economia

'Ameaças de golpe aumentam a percepção de risco. Vai pesando no bolso do empresariado', diz economista do Insper

Para Sérgio Lazzarini, empresários abraçaram agenda liberal mas, após quase 3 anos, perceberam que reformas e privatizações empacaram e inflação disparou
Sérgio Lazzarini, professor do Insper, vê sinal de desembarque de empresários do governo Bolsonaro Foto: Divulgação
Sérgio Lazzarini, professor do Insper, vê sinal de desembarque de empresários do governo Bolsonaro Foto: Divulgação

RIO - O economista Sérgio Lazzarini, professor do Insper, vê o manifesto liderado pela Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) , que já conta com apoio de 200 associações, como uma demonstração de forte insatisfação do empresariado com a gestão de Jair Bolsonaro e uma sinalização de desembarque do governo.

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— Começa a ir se avolumando uma insatisfação, pela percepção de que (a forma como as coisas estão sendo conduzidas) está atrapalhando o país. Ameaças de golpe, mesmo que não deem em nada, aumentam a percepção de risco, fazem subir o risco futuro. Vai pesando mais no bolso do empresariado.

Lazzarini é autor do livro Capitalismo de laços, em que aborda as conexões entre empresas e o Estado brasileiro. Ele continua:

— Começa a haver pessoas adotando posturas mais críticas e setores querendo desembarcar do governo.

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O manifesto tem forte apoio da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e de outras organizações, como Abag (que reúne empresas do agronegócio), IDV (varejo), Ibá (papel e celulose), entre outros.

O manifesto seria publicado nesta terça-feira. No entanto, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira  (PP-AL), disse ter conversado com o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, e ficou decidido que a divulgação do documento será adiada.

Privatizações atrasadas

Cerca de 200 associações já aderiram ao movimento, que vem na esteira de outras iniciativas de empresários e economistas com pedidos de diálogo entre os Poderes. Além da defesa da democracia, os empresários estão insatisfeitos com o ritmo das reformas.

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Boa parte deles abraçou a agenda liberal do governo Bolsonaro. Mas, quase no fim do terceiro ano de governo, afora a reforma da Previdência, está quase dado que as reformas administrativa e tributária não sairão do papel. Os processos de desestatização estão atrasados e a inflação disparou.

— A conduta atual gera uma insatisfação geral, porque uma coisa seria não andar uma das reformas. Mas quando começa a gerar um problema institucional, uma crise entre os Poderes, fica tudo muito difícil, entra em descontrole, gera descontrole da inflação e por aí vai. Cria um cenário nebuloso — afirmou Lazzarini.

A Febraban, recorda o especialista do Insper, já tinha um atrito com o governo em razão de discordâncias com o ministro da Economia, Paulo Guedes.

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Essa relação piorou com a decisão de a associação aderir ao manifesto, o que levou Caixa e Banco do Brasil a tomarem a decisão de deixá-la , quando o documento for publicado, conforme antecipado pelo colunista do GLOBO Lauro Jardim.

Lazzarini frisa que há, de fato, um problema na condução das estatais neste governo:

— Está claríssimo que as estatais, na gestão Bolsonaro, são instrumentos diretos de atuação do governo, e não de Estado. E, claro, quem está com o presidente, está com medo, tem receito de confrontá-lo.

Ele complementa:

— Há deterioração institucional sob Bolsonaro, das estatais, das agências reguladoras, com intervenções pouco claras na Polícia Federal, ataques ao Supremo (Tribunal Federal), além de interferência dos militares. É uma quantidade de atritos que vão se avolumando porque são muito relevantes e mobilizam as empresas — resume.

Impacto para empresas na Bolsa

Para o gestor de fundos da Arena Investimentos, Mauricio Pedrosa, o episódio da provável saída da Caixa e do BB da Febraban ressalta o conflito estrutural para as empresas públicas listadas em Bolsa.

— A questão que fica é o que queremos de uma empresa estatal e até que ponto ela deve servir aos interesses dos seus acionistas ou dos interesses de uma determinada política do controlador.

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Pedrosa destaca que os papéis do Banco do Brasil podem sofrer perdas, mas que o mercado já coloca preço nos ativos, justamente pela instituição ter a União como controlador.

Para o gestor, o documento acaba trazendo a polarização vista no ambiente político para o campo econômico, mesmo que a intenção seja outra.

A adesão de outras associações ao manifesto seria uma sinalização ao governo de que o mercado não está satisfeito com o tempo e energia gastos no embate com outros Poderes.

- O mercado como um todo apoiou a plataforma do governo de reformas. E tudo que afastar o governo da implementação dessas reformas vai fazer com que o mercado apoie esse tipo de manifestação.