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Economia

Ansiedade pode fazer parte da rotina no ‘home office’. Veja como manter o equilíbrio

A adoção do trabalho em casa sem planejamento prévio exige adaptações, principalmente para quem precisa equilibrar vida profissional e familiar
O auditor Diego Bastos considera positiva a experiência no home office e diz até produzir mais Foto: Arquivo Pessoal
O auditor Diego Bastos considera positiva a experiência no home office e diz até produzir mais Foto: Arquivo Pessoal

SÃO PAULO - Passados mais de 60 dias de isolamento social, o desafio do home office já superou o desconforto da cadeira, a lentidão da internet ou a altura do notebook, não raramente posicionado sobre a mesa de jantar.

O que move as atenções agora é a saúde mental dos trabalhadores, que viram a rotina mudar abruptamente e sentem-se na obrigação de provar, que, mesmo estando em casa, seguem produtivos e indispensáveis para suas empresas.

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Uma pesquisa da consultoria Consumoteca, feita entre os dias 4 e 15 de maio, com dois mil entrevistados em todo o país, mostra que as pessoas já estão sentindo falta do escritório. Apenas 31% dos que estão em home office dizem que querem continuar trabalhando no mesmo modelo quando findar o período crítico da pandemia do novo coronavírus .

— O problema é que fizemos um home office forçado, sem acordos prévios com as famílias e sem suporte para o cuidado com os filhos, que também estão tendo aulas em casa — diz o antropólogo Michel Alcoforado, sócio da Consumoteca.

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Para a professora Thaís Zerbini, coordenadora do Laboratório de Psicologia Organizacional e do Trabalho da Universidade de São Paulo (USP), existem vantagens no trabalho em casa, mas a adoção compulsória do modelo gerou problemas:

— Foi tão rapidamente que nem as empresas nem as pessoas estão conseguindo controlar.

Estresse é natural

Propagandista de uma indústria farmacêutica, C.A, de 35 anos, começou a trabalhar em casa em março. O marido voltou ao local de trabalho em poucas semanas, e ela se viu sozinha em casa com duas crianças, de 6 e 2 anos. Com histórico de ansiedade, percebeu que as coisas não iam bem quando começou a ficar irritada com pequenas coisas.

Em seguida, passou a sentir angústia e apresentar sintomas físicos, como sensação de sufocamento. E passou a comer muito, muito mais: "igual a uma capivara raivosa", exagera.

– Eu quero ter uma rotina com as crianças e com meu trabalho. Mas foge do que a gente quer. A rotina não é do jeito que eu queria que fosse, como cuidar das crianças pela manhã, dar almoço e depois trabalhar. Comecei a perceber que não dá – conta a profissional, que prefere não se identificar.

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Ela buscou ajuda médica, teve a dose do ansiolítico que tomava aumentada e passou a receber orientações sobre como evitar o descontrole. Teve também de pedir ajuda à mãe, que agora fica com as crianças para ela poder trabalhar. Ainda assim, a crise e a distância dos colegas são fontes de ansiedade.

– Tenho receio do que vai acontecer com a economia, com meu trabalho. O que me tira do sério também é ficar isolada, não poder me arrumar para sair para trabalhar, ver gente, conversar. Me sinto trancada.

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O psiquiatra Eduardo Tancredi, da ECare, clínica especializada em saúde mental em ambientes corporativos, diz que deixar a velha rotina cria desordem no cérebro, e isso causa estresse físico e mental:

— Todos estamos passando por um momento de adaptação e ajustamento. Todos passam por estresse, mas alguns passam melhor que outros.

Aos 31 anos, Diego Bastos é auditor independente da BDO, uma das maiores consultorias contábeis do mundo. Casado, pai de uma menina de 7 anos, ele diz ter a sorte de a mulher, esteticista e autônoma, não ter como trabalhar de casa. Com isso, ele não precisa dividir todas as tarefas domésticas e avalia que a experiência do home office tem sido boa:

— Estou mais focado, conseguindo entregar mais e acompanhar minhas equipes mais de perto, com reuniões pelos aplicativos (de vídeoconferência). Apesar da distância, sinto que estamos mais próximos. Sem precisar me deslocar, consigo fazer as reuniões com os clientes, que antes eram feitas pessoalmente e atrasavam.

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Bastos conta que, em casa, está conseguindo se alimentar melhor, já que era comum ficar muitas horas sem comer ou comer bobagens no trabalho, como biscoitos. Se antes gastava uma hora para se deslocar pela manhã até a empresa, agora, começa a trabalhar mais cedo.

Mas nem tudo vai bem. A crise também o deixa ansioso e preocupado com o futuro.

– Eu paro de trabalhar, mas continuo pensando nas coisas. Continuo agitado. Se vou ver um filme, não presto atenção, continuo ligado no celular, olhando e-mails. Isso gera angústia e comecei a sentir ansiedade e palpitações.

Telemedicina preventiva

A BDO contratou uma consultoria de gestão de saúde mental para detectar o risco da síndrome de Burnout (distúrbio causado por esgotamento físico e mental intenso, decorrente do trabalho).

Há cerca de uma semana, os 1.800 funcionários da consultoria participaram de uma live com um psiquiatra, que explicou sobre a síndrome, sintomas de ansiedade e depressão e falou sobre como enfrentar esse período de isolamento causado pela pandemia.

Todos os funcionários responderam a um questionário, que foi direto para o psiquiatra, sem passar pela empresa. Com base nas respostas, foram classificados os riscos alto, moderado ou baixo de cada um deles desenvolver distúrbios provocados por estresse no trabalho, como a síndrome de burnout .

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No caso de Bastos, foi detectado risco moderado, e ele agendou consulta com um psiquiatra do plano de saúde por um aplicativo de telemedicina.

– Eu sempre tive um pouco de ansiedade, que se agravou agora com a pandemia. Em casa a gente se dedica totalmente ao trabalho. Você para, mas sua cabeça continua ligada. No escritório, a gente conversa com colegas, tem outras interações no almoço, no café. No home office eu saio de uma reunião e já entro em outra – diz o auditor, que fez na última quinta-feira sua primeira consulta, a distância.

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil tem o maior número de pessoas ansiosas do planeta: 18,6 milhões.

Para a professora Marina Sticca, professora da USP de Ribeirão Preto e especialista em psicologia do trabalho, a falta de serviços de suporte durante a pandemia, como escolas para os filhos, afeta a produtividade e as empresas têm de levar em conta que nem sempre os funcionários têm condições de manter o mesmo ritmo, embora queiram fazê-lo.

– Não são apenas os funcionários que precisam se adaptar ao home office, mas também as empresas. É possível redistribuir fluxos e metas de trabalho, oferecer plataformas de administração. Não é fácil para um gestor, por exemplo, gerir grupos de 20, 30 pessoas pelo WhatsApp – diz ela.

O antropólogo Michel Alcoforado afirma que o home office enfrenta ainda problemas com a desigualdade de gênero e de idade. Ele lembra que as mulheres são mais cobradas e se sentem mais responsáveis pelos cuidados com os filhos e com as tarefas domésticas, causando um sobrecarga emocional e de trabalho.

Lições aprendidas no 'home office'

Rotina e horários

Uma das principais dificuldades de quem trabalha em casa é delimitar uma fronteira entre a vida profissional e a pessoal. É importante manter uma rotina, com horários definidos para o trabalho, atividade física, tarefas domésticas, cuidados com filhos e lazer. Para aumentar a concentração, escolha um espaço para o trabalho e afaste distrações como a TV.

Nada de pijama

Outro ritual que pode ajudar é tomar banho e trocar de roupa antes de começar o expediente, ainda que seja possível adotar indumentária mais despojada. Isso é ainda mais importante para quem precisa participar de reuniões por videoconferência.

Ergonomia

Muita gente não tem em casa a mesma estrutura do escritório. Cadeiras inadequadas podem provocar dor muscular e na coluna. Almofadas podem ajudar na postura. Preocupado com isso, a fintech Nubank enviou cadeiras ergonômicas de escritório a mil empregados em home office.

Contratação

Empresas de serviços que se surpreenderam com a manutenção e até ganhos de produtividade com o home office devem passar a considerar a contratação de talentos fora das cidades em que estão sediadas, mesmo após a pandemia, como já anunciou o Facebook. Essa tendência deve abrir novas oportunidades de trabalho.