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Economia

Após crise de Saraiva e Cultura, livros têm retomada

Vendas voltam a crescer. Lojas apostam em eventos, atendimento especializado e cafés para virarem pontos de encontro
Livraria Cultura fechada no Centro do Rio: setor registrou um tombo no faturamento das vendas superior a 21% em 2019 Foto: Arquivo
Livraria Cultura fechada no Centro do Rio: setor registrou um tombo no faturamento das vendas superior a 21% em 2019 Foto: Arquivo

RIO - O varejo de livros está se recuperando após o baque provocado pela crise das redes Saraiva e Livraria Cultura — que pediram recuperação judicial no fim de 2018 e fecharam dezenas de lojas. No primeiro trimestre de 2019, o setor registrou um tombo no faturamento das vendas superior a 21% na comparação com igual período do ano passado, segundo dados da consultoria Nielsen e do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel). No acumulado do ano, o desempenho do setor ainda está 7,5% abaixo do registrado em 2018, mas essa lacuna vem se estreitando e já estimula a previsão de que, neste Natal, os brasileiros darão mais livros de presente e que o setor vai voltar ao azul no primeiro semestre de 2020.

Veja: Saraiva é alvo de ações de despejo contra 33 de suas 75 lojas no país

— O início de dezembro já mostra vendas 20% maiores que no mesmo período de 2018. Esperamos crescimento de 10% em vendas no Natal sobre o ano passado. Com isso, a previsão é fecharmos 2019 com faturamento em vendas 5% abaixo do de 2018, o que pode ser considerado um avanço e tanto para quem começou o ano com queda de 20% — diz Marcos Pereira, presidente do Snel, que também dirige a Editora Sextante.

Leia: Credores aprovam o plano de recuperação judicial da Saraiva

Do início do segundo semestre em diante, o resultado acumulado já é de crescimento de 1,73% sobre 2018. Em novembro, as vendas de livros no país avançaram 1,82%, alcançando R$ 128 milhões, contando com o impulso da Black Friday. Pereira explica que a guinada nas estatísticas das livrarias e editoras no início do ano que vem é esperada principalmente por causa do início atípico de 2019:

— A queda que ainda apresentamos tem muito a ver com o primeiro trimestre do ano. Com o fechamento de lojas físicas e a retração na entrega de livros didáticos nas grandes redes, a volta às aulas, que carrega o início do ano, teve uma queda de mais de 21% em vendas em março. Ou seja, em 2020, com os problemas equacionados por essas redes, a expectativa é boa.

Marcus Teles, diretor-presidente da Livraria Leitura e membro das diretorias da Associação Nacional do Livro e da Câmara Brasileira do Livro, concorda:

— As estatísticas são só um parâmetro. Só a Saraiva tem um peso enorme no escopo de apuração, daí um tombo tão grande no início deste ano, na volta às aulas. O livro didático não deixa de vender. Na prática, a perda no início de 2019 deve ter sido ainda menor na comparação com 2018.

A retomada do movimento nas livrarias e no comércio eletrônico de livros tem ao menos três fatores principais para explicar o crescimento das vendas a cada período desde junho, diz Ismael Borges, coordenador do Painel do Varejo de Livros do Brasil, medido pela Nielsen em parceria com o Snel: a reorganização do setor após a crise, o surgimento de novos canais de distribuição e o amadurecimento nas relações comerciais do setor, com melhor planejamento.

Gosto pelo papel

Sem fenômenos de vendas, como o de livros de colorir em 2015, as compras estão mais bem distribuídas entre gêneros neste fim de ano, diz Pereira:

— O avanço é distribuído, mas está mais em desenvolvimento da vida pessoal, negócios e carreira, o que é natural em períodos de crise. “Os segredos da mente milionária” (T. Harv Eker), livro de catálogo da Sextante, vendeu 300 mil exemplares este ano, três vezes mais que em 2018.

As dificuldades das redes Cultura e Saraiva abriram oportunidades para concorrentes, mas também revelaram uma nova tendência no setor, observa Ismael Borges, da Nielsen:

— Vemos o florescimento de livrarias menores e regionais, com característica forte de curadoria de livros e experiências agregadoras, como a realização de debates, lançamentos de títulos. Além de um café, que permite encontros.

Rui Campos, da Livraria da Travessa, que tem dez filiais e abre mais uma em maio de 2020, em Niterói, destaca a demanda crescente pelo livro em papel nos últimos tempos. Ele lembra que, no início desta década, muitos acreditaram na derrocada do livro como plataforma de leitura diante do surgimento de dispositivos eletrônicos, como o Kindle e o iPad, mas isso não se confirmou.

— Apostaram no leitor digital, na força do negócio on-line e de outros itens, no ponto de venda mais como showroom , mas foi o contrário. O livro digital estagnou. É importante, mas tem um papel pequeno no mercado. As livrarias se consolidaram como locais de encontro — defende ele. — Quem gosta de livro quer bom atendimento, conhecer o livreiro pelo nome.

Sem megalojas

A crise de Cultura e Saraiva também mostrou que o modelo de megastores ficou para trás, mas a rede da Livraria Leitura cresceu ocupando parte do espaço aberto e já tem planos de novas lojas em 2020:

— Crescemos 7% em faturamento em 2019, já descontando a inflação, com quatro novas lojas, fechamos uma. Agora, são 72, uma a menos que a Saraiva. A previsão é ter 78 ou 80 até o fim de 2020. Começamos por cidades onde faltavam livrarias. Depois, preenchemos o espaço deixado por concorrentes. E seguimos crescendo — diz Teles.

A Saraiva, ainda maior rede de livrarias do país, com 73 lojas, pediu recuperação judicial no mês seguinte à da Cultura, com R$ 675 milhões em dívidas. Desde outubro de 2018, a rede fechou 32 lojas para readequar o portfólio. Ajustou também o modelo de ponto de venda e já tem duas inaugurações no primeiro trimestre de 2020. Para a volta às aulas, o grupo antecipou campanha publicitária e pedidos e aposta no parcelamento em até 15 vezes no cartão próprio para disputar com a concorrência.

— A Saraiva realizou uma série de ajustes em sua operação no último ano com a compra e venda de itens adequados para um abastecimento ideal. Reafirmou seu foco estratégico na oferta da melhor experiência ao cliente, oferecendo agilidade e simplicidade, além de uma curadoria de conteúdo mais qualificada — diz Felipe Pavoni, diretor de Marketing e E-commerce da rede. — Estamos trabalhando para melhorar a rentabilidade das lojas.

A Livraria Cultura pediu proteção à Justiça em outubro de 2018 para evitar a execução de dívidas de mais de R$ 285 milhões. A empresa tinha comprado, em 2017, a operação da francesa Fnac no Brasil — que acabou encerrada meses antes do pedido de recuperação — e a Estante Virtual, site de venda de livros novos e usados. A plataforma será vendida para ajudar na reestruturação do grupo. O Magazine Luiza já sinalizou interesse.