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Economia

Baixa participação nas profissões do futuro ameaça emprego feminino

Brasil é só o 6º país da América Latina em participação de mulheres formadas nas áreas das profissões do futuro

Exceção. Laura é doutoranda em Engenharia de Sistemas da Computação e sócia de uma empresa de inteligência artificial: mulheres são minoria em cursos que serão cada vez mais necessários à industria 4.0
Foto: Pedro Teixeira / Agência O Globo
Exceção. Laura é doutoranda em Engenharia de Sistemas da Computação e sócia de uma empresa de inteligência artificial: mulheres são minoria em cursos que serão cada vez mais necessários à industria 4.0 Foto: Pedro Teixeira / Agência O Globo

RIO - As mulheres são maioria nas faculdades brasileiras, mas a baixa participação nos cursos de Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática, que formam mão de obra para as chamadas profissões de futuro, acende um alerta: elas estão mais vulneráveis às transformações que a tecnologia impõe ao mercado de trabalho. A preocupação consta em relatório divulgado este ano pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) da ONU.

Segundo o documento, que tem um capítulo dedicado ao impacto da revolução tecnológica no emprego feminino, de uma lista de 12 países da região, o Brasil é apenas o sexto em participação de mulheres entre os graduados nessas áreas apontadas como decisivas para a chamada “indústria 4.0”. Em 2015, dado mais recente, elas representavam apenas um terço (34,4%) das matrículas nesses cursos, contra 65,6% de homens. Além de baixa, essa participação caiu em relação 2002, quando elas representavam 37,4% dos diplomados nessas graduações.

Laura de Oliveira Fernandes Moraes, de 30 anos, sabe o que é ser exceção. Filha e neta de engenheiros, sempre foi ótima em matemática e, desde cedo, foi estimulada pelo avô — que a colocou em um curso de computação aos 10 anos — a se familiarizar com as ciências exatas. No ensino médio, fez curso técnico em Eletrônica e, depois, faculdade de Engenharia Eletrônica e Computação. Atualmente, é doutoranda em Engenharia de Sistemas e Computação da Coppe/UFRJ e sócia de uma empresa de inteligência artificial que funciona no Parque Tecnológico da UFRJ.

— Quando entrei na graduação, eram 40 meninos e cinco meninas. Dessas, só três se formaram, e apenas eu e mais uma atuamos na área. Nunca senti preconceito porque sempre tirei boas notas. Mas corre muita piadinha do tipo: “só mulher feia faz engenharia”— conta Laura, que, no ano passado, foi a única pesquisadora da América do Sul aprovada em programa de pesquisa da Universidade de Chicago.

Peso cultural

O relatório da ONU indica que há um grande peso cultural na escolha profissional das mulheres. O emprego feminino está concentrado nas áreas da saúde, assistência social, ensino e trabalho doméstico, porque elas tendem a ser estimuladas, pela família e pela sociedade, a optar por profissões ligadas aos cuidados. Elas também têm participação expressiva no comércio, setor que deve ser duramente afetado pela automatização. Há um consenso entre especialistas de que mudar essa realidade é um trabalho que começa na infância.

— Quando os pais colocam uma boneca nos braços de uma menina de 6 meses, passam a mensagem que ela é responsável pelo cuidado das pessoas e selam seu destino. As crianças precisam ter educação igualitária, porque escolhemos o que conhecemos. As mulheres não são educadas para o mundo da tecnologia e das exatas — diz a economista da UFF Hildete Pereira de Melo, especialista em trabalho e desigualdade de gênero.

Em sua opinião, se não houver uma mudança cultural e investimento em ações de incentivo à entrada feminina em cursos e pesquisas nessas áreas, a revolução tecnológica “reduzirá as oportunidades para mulheres à venda de quentinhas”.

O Brasil fica atrás de Panamá, Argentina, Uruguai, Honduras e Guatemala, onde há uma porcentagem maior de mulheres com diplomas em Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática. Tem quadro semelhante ao da Colômbia e à média da América Latina e Caribe de 34,6% de mulheres graduadas nessas áreas. Os países onde a participação feminina entre os diplomados nesses cursos é ainda menor do que no Brasil são Chile, El Salvador, Equador, Costa Rica e México.

Exclusão aumentou

Regina Madalozzo, economista e coordenadora do Núcleo de Estudos de Gênero do Insper, lembra que não faltam exemplos inspiradores de mulheres pioneiras nessas áreas:

— Na Segunda Guerra, eram as mulheres que decodificavam códigos e faziam cálculos. Tiveram participação importantíssima na corrida espacial (nos anos 1960). Mais tarde, um movimento passou a atrelar o perfil dos profissionais dessas áreas, mais pragmáticos, racionais, aos homens, e as mulheres foram sendo excluídas. No Brasil, as mulheres já representaram 40% dos alunos de computação. Hoje, não são nem 15%.

Baixa representatividade
Na América Latina, Brasil tem uma das menores participações de mulheres entre profissionais graduados em cursos de Ciências, Engenharia, Tecnologia e Matemática*
Em %
Homens
Mulheres
Panamá
51
49
Uruguai
52,4
47,6
Argentina
56,7
43,3
Honduras
62,5
37,5
Guatemala
65,3
34,7
Brasil
65,6
34,4
*Dados de 2015, exceto Argentina (2008)
Fonte: Cepal/ONU
Baixa
representatividade
Na América Latina, Brasil tem uma das menores participações de mulheres entre profissionais graduados em cursos de Ciências, Engenharia, Tecnologia e Matemática*
Em %
Homens
Mulheres
Panamá
51
49
Uruguai
52,4
47,6
Argentina
56,7
43,3
Honduras
62,5
37,5
Guatemala
65,3
34,7
Brasil
65,6
34,4
*Dados de 2015, exceto Argentina (2008)
Fonte: Cepal/ONU

Segundo as especialistas, à exceção de poucos países desenvolvidos, como Reino Unido e Austrália, a baixa participação de mulheres nesses cursos ocorre em todo o mundo.

— Algumas empresas lá fora já entenderam a importância do papel da mulher na economia e de ter as duas visões em projetos de inovação. Além de as mulheres serem maioria, ou seja, vão precisar dessa mão de obra, reconhecem a importância qualitativa. No Brasil, isso ainda não acontece — ressalta Claudia Werner, diretora de Assuntos Acadêmicos da Coppe/UFRJ, onde um terço dos estudantes são meninas.

Trabalho à distância é um atrativo da modernização

A modernização do trabalho pode também ampliar as oportunidades. Regina Madalozzo, economista e coordenadora do Núcleo de Estudos de Gênero do Insper, observa que a revolução tecnológica aumenta as possibilidades de home office, o que facilita conciliar a criação dos filhos com a carreira.

Foi pensando nessa oportunidade que Déborah Monaco, de 30 anos, investiu em um curso de programação. Ela é formada em Publicidade e Propaganda e trabalha em uma agência, como designer. Quando teve sua filha, hoje com 2 anos e 6 meses, começou a repensar a carreira e viu nessa área uma oportunidade de trabalhar em casa, em uma jornada menos extensa. Enquanto não faz a transição de carreira, concilia o emprego na agência com trabalhos de programação por encomenda.

— Crio minha filha sozinha, mas quero ter mais filhos, apostando em um novo relacionamento. E a programação me permite trabalhar em casa — conta Déborah, uma das 116 formadas pela escola especializada em programação para mulheres PrograMaria.

A escola iniciou as atividades em São Paulo em 2016. Também realiza oficinas, pelas quais já passaram mais de 200 mulheres, e promove palestras em parceria com empresas que têm interesse em recrutar programadoras.

— Os melhores empregos estão no setor de tecnologia, e não podemos achar normal a baixa participação de mulheres nessa área. Precisamos debater por que não existe interesse e o fato de ser um ambiente muitas vezes hostil para elas, por serem minoria. É muito ruim para a sociedade deixar a perspectiva feminina de fora da inovação, até porque somos maioria no mundo — comenta Iana Chan, fundadora do PrograMaria. (Daiane Costa)