Economia Brasília

Banco Central reduz taxa básica de juros de 3% para 2,25%, nova mínima histórica

Copom sinaliza novo corte da Selic para a próxima reunião. Para analistas, decisão tem pouco efeito no crédito a curto prazo
O resultado ficou em linha com o espero pelo mercado Foto: Marcello Casal JrAgência Brasil / Agência O Globo
O resultado ficou em linha com o espero pelo mercado Foto: Marcello Casal JrAgência Brasil / Agência O Globo

BRASÍLIA, SÃO PAULO E RIO — O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) reduziu a taxa básica de juros, a Selic, de 3% ao ano para 2,25% na reunião desta quarta-feira. No comunicado, o Copom sinalizou que há espaço para mais cortes , mas pondera que eventual ajuste futuro "será residual", ou seja, o corte, se ocorrer, deve ser de 0,25 ponto percentual.

Este é o menor patamar da Selic já registrado na História e o oitavo corte seguido na taxa, que iniciou a trajetória de queda em julho de 2019. Com isso, reduzem-se ainda mais os rendimentos de investimentos em renda fixa .

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Para analistas, a nova redução nos juros, mesmo num cenário em que a Selic já estava muito baixa, ajuda a amortecer a recessão esperada para este ano, com encolhimento do Produto Interno Bruto (PIB) em ao menos 6,5%.

. Foto: Editoria de Arte
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Embora os bancos tenham anunciado nesta quarta-feira cortes em taxas de financiamento logo após a decisão do Copom, o efeito no crédito para empresas e pessoas físicas ainda vai demorar a chegar, apontam os especialistas.

No comunicado divulgado junto com a decisão, o Comitê afirmou que a pandemia continua causando "uma desaceleração pronunciada do crescimento global".

Diante desse cenário, o Copom entende que apesar dos pacotes de estímulo econômico lançados por governos ao redor do mundo, o ambiente para economias emergentes, como a brasileira, é "desafiador".

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Sobre a atividade econômica, o Copom destacou que o primeiro trimestre teve a maior queda desde 2015, mas que os indicadores econômicos sugerem uma contração ainda maior no segundo trimestre.

Com isso, a incerteza "permanece acima do usual" sobre o ritmo de recuperação da economia no restante do ano na visão dos membros do colegiado do BC.

. Foto: Editoria de Arte
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O superintendente de pesquisas macroeconômicas do Santander Brasil, Mauricio Oreng, observa que no curtíssimo prazo, o efeito da política monetária é limitado, já que estamos "no meio do furacão".  Mas, diz o economista, a política monetária ajuda na saída da crise:

- Quando os diversos setores voltarem a crescer, a redução dos juros começa a ter um efeito importante. O Banco Central agiu certo.  Já estávamos num ciclo de queda de juros e houve uma ancoragem nas expectativas de inflação. A política monetária terá efeito lá na frente e era importante o BC passar esse sinal de que está de olho nas expectativas de inflação. O mais importante é garantir que o juro fique baixo por um longo período de tempo.

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Ele observa, entretanto, que o juro não é o único fator que ajuda na recuperação da economia. No segundo semestre, diz ele, será preciso discutir o ajuste fiscal e como o país vai pagar a conta dos gastos da pandemia, além de equacionar os gastos anteriores após sete anos de déficit fiscal.

O corte de 0,75 ponto percentual já tinha sido sinalizado pelo Copom na última reunião , em maio. O resultado ficou em linha com o estimado pelo mercado.

Possível novo corte

No comunicado, o Copom considerou que a taxa básica atual é compatível com as necessidades da economia. No entanto, ressalta que “vê como apropriado” avaliar os impactos da pandemia e do conjunto de medidas do governo para possivelmente fazer um novo corte no futuro.

Para Gilmar Lima, economista sênior do banco BMG, a sinalização de um possível novo corte se deu por conta da piora na economia no último mês:

— Ocorre que da última reunião pra cá os números da atividade econômica vieram piores do que o esperado, o que mostra que a economia brasileira vai ser atingida mais fortemente do que o esperado em relação à crise da Covid-19.

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O economista-chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez, analisa que, apesar de ter aberto a possibilidade de novos cortes, o Copom não deve fazer essa redução.

— O comunicado antevê que um eventual ajuste futuro, se necessário, vai ser pequeno e vai depender do cenário econômico. Eu avalio que não teremos novos cortes e se tiver será um corte 0,25 pontos percentuais.

Alessandra Ribeiro, analista da Tendências Consultoria, também acredita que o BC não deve fazer novos cortes. Uma redução só seria necessária se a atividade econômica nos próximos meses for abaixo do esperado:

— Tem que ter alguma evidência de que o cenário econômico será pior do que se espera hoje. Dados muitos piores ao longo dos próximos meses devem fazer que o BC use a opção de um ajuste mais residual.

Antes do início da crise trazida pelo coronavírus, o Copom havia sinalizado que tinha encerrado o movimento de corte no custo do dinheiro e que manteria a Selic em 3,75%.

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No entanto, com o freio na economia imposto pela pandemia e as consequências mais evidentes na economia em maio, o BC anunciou o primeiro corte de 0,75 pontos como uma forma de auxiliar o país a aguentar o impacto da crise.

Com o corte desta quarta-feira, o BC já reduziu a taxa em 1,5 ponto percentual em apenas duas reuniões.

Bancos anunciam cortes em taxas

A Selic é a taxa em que bancos, administradoras de cartões e instituições financeiras se baseiam para calcular os juros que serão cobrados de seus clientes nas diferentes modalidades oferecidas. Com uma Selic mais baixa, outras taxas tendem a cair também, o que torna o crédito mais barato.

Após novo corte da taxa Selic para 2,25% ao ano, os bancos Itaú Unibanco, Banco do Brasil e Bradesco anunciaram redução de juros para empresas e pessoas físicas. As novas taxas serão válidas a partir da próxima segunda-feira, dia 22.

O Banco do Brasil vai reduzir os juros para compra de veículos novos e seminovos. A nova taxa começa em 0,48% ao mês, ante os 0,54% ao mês cobrados atualmente.

Para o empréstimo com garantia de imóvel e a linha de crédito estruturado (com garantias), as taxas começam em 0,82% e de 0,77% ao mês, respectivamente, em lugar dos 0,88% e 0,83% ao mês praticados até aqui.

Já as linhas de crédito não consignado, destinadas à pessoa física, passarão a ter taxas a partir de 2,81% ao mês, ante os 2,87% ao mês, dependendo do relacionamento do cliente com o BB.

Para empresas, no crédito rotativo, a taxa mínima será reduzida de 2,05% para 1,93% ao mês. Já para o capital de giro, a taxa passará dos atuais 1,18% ao mês para 1,10% ao mês.

O Itaú Unibanco informou que optou por repassar integralmente o corte de 0,75 ponto percentual da Selic em suas linhas de crédito para clientes pessoa física e jurídica. Vai reduzir a taxa de empréstimo pessoal para os clientes pessoa física e de capital de giro para pessoa jurídica, dependendo do relacionamento com o banco.

O Bradesco também reduzirá as taxas de juros de suas principais linhas de crédito a partir de segunda-feira, acompanhando a decisão do Copom.

Efeito limitado no crédito

Para Fábio Astrauskas, professor do Insper e presidente da Siegen Consultoria, o novo corte na Selic não significa que as taxas de juros cairão acentuadamente a partir de agora para quem busca crédito, sejam empresas ou pessoas físicas. Segundo ele, embora a Selic seja uma taxa referencial, ela é apenas um dos componentes do crédito:

- Os juros cobrados das empresas e das pessoas são compostos por outros fatores, como carga tributária, inadimplência e oferta e demanda. E esses fatores estão pressionando, no momento, para que os juros continuem a subir para o tomador final.

A economista-chefe da BNP Paribas Asset Management, Tatiana Pinheiro, destaca o patamar mais baixo da história da Selic, mas também minimiza efeitos no curto prazo:

- A novidade da política monetária agora é o patamar dos juros. Nunca pensamos em ter juros nominais de 2,25% ao ano. Mas os efeitos são os mesmos: ajuda a melhorar o consumo, ajuda no financiamento de empresas, especialmente pata atravessar este momento de crise, e melhora as expectativas.

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Para ela, diante do desemprego e da perda de renda provocados pela crise do coronavírus, o estímulo dos juros mais baixos no consumo pode não atingir a “potência máxima esperada” neste momento. Mas, passado este cenário de isolamento social e incerteza, a tendência é que as pessoas voltem a comprar e tomar crédito, segundo ela.

A economista avalia que há espaço ainda para cortar mais os juros no Brasil, e no pós-pandemia esse cenário de taxas baixas será importante para a retomada. Por isso, ao cortar ainda mais a Selic, o BC já tem no foco o crescimento de 2021, na visão dela:

- É consenso que o país voltará a crescer em 2021. Não se sabe quanto, já que isso depende também da melhora do cenário externo. Mas os juros baixos ajudam.

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Luciano Rostagno, estrategista-chefe do banco Mizuho, avalia que o corte na taxa de juros pelo BC é mais um movimento para dar suporte à retomada da economia enquanto os problemas de saúde pública limitam atividades produtivas. Ainda não mira crescimento.

— Há uma defasagem de cerca de seis a nove meses entre as decisões de política monetária e os efeitos na política econômica. A redução nos juros não tem como papel conter a queda da atividade. A decisão do BC visa dar fôlego para que, mais à frente, a economia tenha condições mais favoráveis para a retomada. Este processo pode se dar, por exemplo, com melhores taxas de crédito para famílias e empresas.

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Rostagno também pondera que ainda não é possível descartar cortes nos juros nas próximas reuniões do Copom.

—  A grande dúvida é sobre a reunião de agosto, se vai ter queda de juros ou não. Dada a deterioração do mercado de trabalho, a limitação dos gastos do governo e o dólar mais perto de R$ 5 do que R$ 6, é possível que haja um novo corte na reunião futura — diz. — A incerteza sobre o impacto total da pandemia e as recentes revisões para baixo das projeções de crescimento do Brasil também devem ser lavados em consideração.

Reflexo no câmbio

No dólar , uma nova baixa da Selic também não terá efeitos tão significativos, neste momento, avalia o analista da Toro Investimentos, Lucas Carvalho. Para ele, o mercado já vinha precificando uma nova baixa da Selic, fazendo com o que a moeda americana operasse no patamar de R$ 5,20 nos últimos dias.

Quanto mais baixa a taxa de juros, menor a atratividade para o investidor estrangeiro vir buscar ganhos no Brasil e, portanto, há menos entrada de moeda estrangeira. Isso pressiona o câmbio para cima.

- Não acredito em mudanças significativas no câmbio, a menos que haja algum fato inesperado no cenário externo. A moeda americana deve continuar acima de R$ 5. Para cair abaixo desse patamar, será preciso que surja um remédio ou uma vacina que seja efetiva contra o Covid-19 - diz Carvalho.