Exclusivo para Assinantes
Economia

‘BB perdeu o bônus de ser público e ficou com o ônus’, diz Rubem Novaes

Presidente da instituição afirma que crises ‘atiçam os piores instintos intervencionistas’ e defende que programas de auxílio não se tornem permanentes
Rubem Novaes, presidente do Banco do Brasil, está convencido de que é preciso privatizar a instituição
Foto: 2935 / Agência O Globo
Rubem Novaes, presidente do Banco do Brasil, está convencido de que é preciso privatizar a instituição Foto: 2935 / Agência O Globo

BRASÍLIA - O presidente do Banco do Brasil, Rubem Novaes, está convencido de que é preciso privatizar a instituição. Mas confessa estar frustrado por não ver condições políticas. O presidente Jair Bolsonaro é contra .

Para Novaes, o banco tem apenas desvantagens por ser estatal. Ao GLOBO, ele critica a decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) de suspender anúncios do banco em site acusado de publicar fake news.

A entrevista foi concedida na sede do BB, onde o economista dá expediente diariamente, mesmo com a pandemia . Para entrar no prédio, pouco movimentado para uma tarde de quinta-feira, os repórteres precisaram passar por checagem de temperatura, procedimento padrão em tempos de coronavírus.

Leilões: BNDES dá pontapé nas privatizações de saneamento com licitação de água e esgoto em Alagoas

O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que o banco está pronto para ser privatizado. As ações subiram. O mercado comprou essa possibilidade?

(A reação) não foi porque o mercado achou que o banco ia ser privatizado agora. O mercado reagiu bem quando o Paulo falou que o banco não obedecia ordens do governo.

O senhor se sente frustrado por não conseguir vender o BB?

Sinto. Mas não porque eu seja liberal, porque seja um dogma filosófico. É porque estou convencido de que seria o melhor caminho para o Banco do Brasil, para que ele possa se adaptar aos novos tempos da atividade bancária.

Leia também: 'Não é razoável esperar recuperação da economia sem progresso contra a pandemia', diz economista-chefe do Itaú

Em um eventual segundo mandato, o BB será privatizado?

Bolsonaro falou isso na reunião, que a privatização do BB vai ser só a partir de 2023. O presidente entende que hoje você não reúne condições de apoio político para fazer a privatização. Ele entende que o Congresso não está pronto para apoiar a privatização. O problema é que o BB perdeu todos os bônus de ser público e ficou só com o ônus de ser público.

Como assim?

Ele (o banco) tinha a folha de pagamento de todo o setor público, a administração dos depósitos judiciais e, de repente, isso tudo é (definido por meio de) concorrência, e você tem que pagar caro para ter. Aí, ficou só o lado travado. Tem que fazer concurso público, não tem a mesma facilidade de contratar, de demitir quem é mau funcionário. A porta de entrada do BB é concurso para escriturário, que não demanda conhecimento tecnológico. Se for pensar no banco do futuro, que será fundamentalmente tecnológico, você tem que mudar a porta de entrada no BB. Isso é difícil de se fazer na estrutura do setor público.

Coronavírus: Com pandemia, governo federal decide acelerar digitalização dos serviços

O governo anunciou medidas para liberar crédito, mas os bancos não emprestam. O que está havendo?

O Banco Central tem mostrado que o crédito aumentou. O problema é que a demanda cresceu tanto que dá essa sensação de empoçamento, porque as pessoas não conseguem ser atendidas, as suas necessidades não são solucionadas.

Em março, o BB anunciou linhas de crédito contra a crise. Quanto já emprestou?

Em crédito novo e prorrogações foram R$ 129 bilhões, desde 16 de março. Do total, R$ 60,7 bilhões foram desembolsos de novos recursos e R$ 68,4 bilhões, renovações para empresas e pessoas físicas.

Míriam Leitão: Redução de 1,5% do PIB é apenas o começo da queda livre

Ser um banco misto dificulta administrar a instituição?

Em alguns momentos, o banco foi pressionado para atender a objetivos políticos. De certa forma, ainda existem pessoas que imaginam que isso possa ser possível. E isso não é mais possível. A gente tem procurado deixar o banco fora disso, não só em termos de cargos, como em direcionamento de política de crédito.

Mas existe pressão para atender a pedidos políticos?

Não tem... O Paulo (Guedes) falou aquilo no vídeo (na reunião ministerial de abril, o ministro disse que o banco fica dividido entre atender acionistas e o governo)... Mas ele nunca me pediu nada porque sabe que, por ser empresa de capital aberto, o banco não pode se prestar a certas coisas que podem ser do interesse momentâneo do governo, mas não interessam ao banco.

O que acha da prorrogação do auxílio emergencial?

A gente tem que passar a régua, não deixar nada acontecer a partir de 31 de dezembro. Não deve ter nenhum programa que deixe qualquer rabicho para o ano que vem.

Essa crise desafia a cartilha liberal, focada na austeridade dos gastos públicos?

As crises atiçam os piores instintos intervencionistas. Quando você cria aquela parafernália de programas, eles se estendem indefinidamente no tempo. E, aí, você passa a ter um país muito mais intervencionista do que você tinha antes. Mesmo que o problema desapareça depois, você fica com uma herança institucional muito ruim da crise.

Corremos esse risco?

Com certeza.

Auxílio emergencial: Benefício deve ser prorrogado, mas valor será debatido, diz Rodrigo Maia

As medidas tomadas pelo governo são suficientes para enfrentar a crise?

O negócio é tão dramático que o governo fica só arranhando o problema. Quando você tem uma coisa certa, você se adapta a ela. Mas quando não sabe o que vem, qual é o tamanho da crise epidêmica, qual vai ser a reação dos governantes à crise, quanto tempo a crise vai durar, isso gera uma angústia muito grande no agente econômico. Por mais que o governo se esforce em criar meios de ação de crédito, socorrer os mais desfavorecidos, nada parece suficiente.

Qual acha que será a extensão dos efeitos da pandemia na economia?

A gente simplesmente torce para que o pico já tenha passado. É uma torcida, porque a gente não tem elemento para avaliar isso. Se isso aí perdura por tanto tempo, não há programa de ajuda que aguente. Tem que preservar o tecido econômico. Se grandes setores da economia começarem a quebrar e desmobilizar um grande número, depois para retomar fica muito difícil. A resiliência da atividade econômica está chegando ao limite.

O que o senhor quis dizer ao chamar o TCU de “usina de terror”, na reunião ministerial de 22 de abril?

O TCU é, por definição, um órgão de controle. Ele está querendo participar muito da concepção e da execução dos programas. Fica uma sensação em quem está do outro lado de que, se você não fizer as coisas de acordo com as concepções do TCU, pode sofrer consequências. Isso não é bom. Isso vale também para procuradorias, Ministério Público e Judiciário de uma maneira geral.

O TCU suspendeu o anúncio do BB num site acusado de produzir “fake news”. Houve retaliação à fala do senhor?

Se tivesse havido uma oitiva antes, se o banco tivesse tido oportunidade de mostrar o que estava acontecendo, tenho certeza de que não teria essa decisão do TCU. Parece que o BB escolheu alguém que é predileto. Não é nada disso.

Mas o BB tinha suspendido o anúncio e voltou atrás. Por quê? Houve interferência do vereador Carlos Bolsonaro?

Não conheço o Carlos Bolsonaro, nunca falou comigo, nunca entrou em contato com o banco. A decisão de suspender foi da área de marketing, não interferi nesse negócio. Depois, alguém lá viu e disse que não devia ter tirado.

Como avalia os últimos acontecimentos que geraram conflito entre STF e Executivo?

Isso é extrapolar muito a minha função como presidente do BB, mas, como cidadão, acho que está havendo uma certa invasão de competência. Os Poderes não se satisfazem em ficar dentro de seus limites.

O senhor tem trabalhado normalmente na sede do BB?

Eu me sinto um pouco na obrigação de me expor, já que o sistema bancário é considerado uma atividade essencial, não pode parar nesse momento, já que estou pedindo ao meu funcionário para trabalhar. A gente precisa ter agências funcionando. Eu não me sentiria bem ficando em casa, apesar de ter 74 anos e fazer parte do grupo de risco.

Dom_3105