Economia Energia

Bolsonaro sanciona MP da privatização da Eletrobras, mas veta reaproveitamento de empregados demitidos

Presidente também vetou proibição de extinção ou incorporação de subsidiárias por dez anos e possibilidade de funcionários comprarem 1% das ações da União
O presidente Jair Bolsonaro participa de evento no Palácio do Planalto Foto: Pablo Jacob/Agência O Globo/29-06-2021
O presidente Jair Bolsonaro participa de evento no Palácio do Planalto Foto: Pablo Jacob/Agência O Globo/29-06-2021

BRASÍLIA — O presidente Jair Bolsonaro sancionou, com vetos, a medida provisória (MP) que viabiliza a privatização da Eletrobras . O texto, que agora vira uma lei, foi publicado nesta terça-feira no Diário Oficial da União (DOU). A Eletrobras será privatizada por meio de um aumento de capital na Bolsa de Valores, com operação prevista para o primeiro bimestre de 2022.

A medida é uma vitória para a agenda do ministro da Economia, Paulo Guedes, que tenta avançar na sua primeira grande privatização. Uma cerimônia para marcar a sanção está prevista para a tarde desta terça no Palácio do Planalto.

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Entre os pontos vetados, está um artigo que proibia, por 10 anos, extinção ou incorporação de quatro subsidiárias da Eletrobras: Furnas, Eletronorte, Eletrosul e Chesf.

O Ministério da Economia considerou que isso "geraria dificuldades no processo de desestatização" e retiraria "a flexibilidade necessária da futura Eletrobras na realização de reestruturações societárias".

Em evento no Palácio do Planalto na tarde desta terça-feira, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que a privatização da Eletrobras é um marco histórico e um passo de modernização do sistema elétrico brasileiro.

— A capacidade de investimento dela é de R$ 3,5 bilhões. A partir desse movimento que foi feito agora com aprovação do Congresso Nacional e com apoio do presidente da República, a própria Eletrobras vai investir mais R$ 10 bi por ano, além de aumentar a capacidade de preservação de recursos hídricos do país — afirmou.

O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, também participou do evento e disse que se chegou em uma solução de consenso para a privatização da empresa.

— Conseguimos construir uma solução de consenso que refletiu um balanceamento dos principais interesses envolvidos, o dos consumidores, do setor elétrico, das empresas e da sociedade. Nasce agora uma nova Eletrobras — destacou.

Princípio do concurso público

Outro trecho barrado por Bolsonaro foi o que determinava que os empregados demitidos durante o primeiro ano após a desestatização deveriam ser aproveitados em outras empresas estatais.

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A Economia e a Advocacia-Geral da União (AGU) consideraram que isso violaria o princípio do concurso público e criaria incentivos indesejados.

Também foi vetado o artigo que autorizava empregados e ex-empregados (demitidos no prazo de um ano após a capitalização) a adquirirem até 1% das ações remanescentes em poder da União.

O valor recebido em uma eventual rescisão poderia ser convertido em ações, cujo preço seria o equivalente ao preço das ações em até cinco dias antes da publicação da MP, em fevereiro.

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O Ministério da Economia considerou que a proposta contraria o interesse público, porque "a definição prévia de oferta cuja fixação de preço ocorreria com desconto em relação ao praticado no mercado poderia causar distorção no processo de precificação das novas ações a serem emitidas e gerar redução dos recursos a serem captados na capitalização".

Sem crivo do Senado na diretoria do ONS

Dois trechos foram vetados atendendo recomendação da Economia e do Ministério das Minas e Energia. Um deles determinava que os resultados financeiros da empresa criada para comandar as usinas de Itaipu e de Angra (que não podem ser privatizadas) seriam fonte de recursos da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE)

O governo, contudo, considerou que isso poderia "comprometer a sustentabilidade da nova empresa" e "representaria uma redução potencial de receitas primárias da União oriundas de eventuais futuras distribuições de dividendos da mencionada empresa".

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O outro ponto foi uma mudança na forma de nomeação da diretoria do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS),  responsável pela coordenação e controle da operação das instalações de geração e transmissão de energia no país.

O projeto previa que os indicados para diretoria teriam que passar pelo Senado. O governo alegou, contudo, que isso não seria possível porque o ONS é uma entidade privada.

Famílias ao longo de linhas de transmissão

Por sugestão do Ministério do Desenvolvimento Regional, além da Economia e de Minas Energia, também foi vetado trecho que obrigada a realocação, em até cinco anos, de todas as famílias que estejam em faixa de servidão de linhas de transmissão com tensão igual ou superior a 230 kV (duzentos e trinta quilovolts).

Essa realocação seria feita com recursos do programa Casa Verde e Amarela.

A justificativa para o veto foi que a proposta contrariava o interesse público por criar uma obrigação legal não relacionada às concessões da Eletrobras, porque as linhas de transmissão podem pertencer a outras empresas. Também foi considerado que não desvirtuaria a finalidade do Casa Verde e Amarela.

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Bolsonaro não vetou um dispotivo que tira poder do Ibama e da Funai no licenciamento ambiental da linha de transmissão de energia Manaus-Boa Vista. O empreendimento foi leiloado em 2011 e sua previsão era de entrar em funcionamento em 2015, mas as obras não começaram.

A polêmica gira em torno da passagem do linhão pelas terras do povo indígena Waimiri-Atroari. O texto estabelece que "uma vez concluído o Plano Básico Ambiental-Componente Indígena (PBA-CI), traduzido na língua originária e apresentado aos indígenas, fica a União autorizada a iniciar as obras" da linha de transmissão.

Na prática, haveria dispensa da aprovação pela Funai e pelo Ibama, responsáveis pela análise do licenciamento ambiental.

Próximos passos

  • Com a sanção da lei, a próxima etapa é a conclusão dos estudos de avaliação da Eletrobras e a definição do valor e quantidade de ações a serem ofertadas.
  • Nessa etapa, é avaliada a situação atual da empresa, seus ativos e passivos, capacidade de geração de valor e perspectiva de crescimento ao longo dos anos.
  • Cabe ao Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (CPPI) aprovar os estudos coordenados pelo BNDES, bem como definir a modelagem final da operação de capitalização, com base nas diretrizes da nova lei.
  • Nessa etapa, serão detalhadas as diretrizes da capitalização, tais como: o desenho final da reestruturação societária, o preço mínimo de venda das ações, e outros condicionantes do processo.
  • Após a aprovação do CPPI e do TCU, a etapa seguinte é a realização pela Eletrobras da assembleia de acionistas, na qual a União não votará em determinadas matérias, para aprovação da emissão de novas ações.
  • O processo de emissão será conduzido pela própria empresa com o acompanhamento pelo BNDES.
  • A emissão de ações deverá ocorrer até o primeiro bimestre de 2022.

Custo bilionário

Especialistas afirmam que a privatização da Eletrobras é essencial para fazer frente aos investimentos necessários no setor elétrico. Mas avaliam que as mudanças incluídas no Congresso podem ter tornado a conta muito alta, com repasse de custo bilionário ao consumidor e ações que afetam a competitividade de empresas.

O governo precisará "contratar" 8 mil megawatts (MW) de energia gerada por usinas termelétricas a gás natural. Para isso, será necessário fazer um leilão de energia em que vence quem oferecer a menor tarifa.

Será preciso construir termelétricas nas regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste. A maioria das localidades onde as térmicas serão instaladas não conta com reservas de gás ou infraestrutura de transporte, o que representará custo bilionário na construção de gasodutos.

Críticos do projeto destacam que não cabe ao Congresso definir cidades onde devem ser construídas termelétricas e dizem que isso é um incentivo à ineficiência.

Arrecadação

A previsão do governo é levantar R$ 60 bilhões com a capitalização da Eletrobras . Metade desse valor irá para as políticas sociais do setor elétrico. Mais R$ 9 bilhões para a revitalização de bacias hidrográficas. E o restante (cerca de R$ 20 bilhões) para o governo.

A Eletrobras privada precisará pagar pela revitalização das bacias hidrográficas do Rio São Francisco, do Rio Parnaíba, dos rios administrados por Furnas (em Minas Gerais e em Goiás) e na região da Amazônia Legal (especialmente o Rio Madeira).

A Eletrobras será privatizada por meio de um aumento de capital na Bolsa de Valores. O governo não irá acompanhar essa capitalização e, por isso, terá sua participação reduzida de 60% para cerca de 40%. Mesmo assim, deve ser o principal acionista da empresa.

A estatal se transformará numa corporação sem controle definido. Nenhum acionista ou bloco de acionista terá poder de voto superior a 10% do total, mesmo que tenha uma participação acionária maior que isso.