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Economia Portugal

Brasileiros no interior de Portugal: Conheça os atrativos de Castelo Branco, ninho de empresas inovadoras

Na pequena cidade de 56 mil habitantes, a paisagem rural convive com indústria e empreendedorismo no mundo digital sem frontreiras definidas
O Centro de Cultura Contemporânea de Castelo Branco Foto: Gian Amato
O Centro de Cultura Contemporânea de Castelo Branco Foto: Gian Amato

CASTELO BRANCO, PORTUGAL - O mineiro João Mafra desbravou o mundo digital na pandemia a partir do seu escritório alugado por € 30. Valor tão baixo só foi possível porque a sala está localizada em Castelo Branco, cidade de 56 mil habitantes do Centro de Portugal, e graças ao apoio dado pelo Centro de Empresas Inovadoras (CEI) da prefeitura local.

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Enquanto as lojas físicas fechavam as portas ao redor do globo, o empreendedor brasileiro abria uma plataforma de comércio on-line para venda de calçados a partir do interior de Portugal. Saiu do zero para um faturamento de € 250 mil em três meses.

A história de Mafra ilustra a agilidade e receptividade dos programas da prefeitura para atrair e reter jovens talentos em um território castigado pelo envelhecimento da população.

Em menos de um mês, o brasileiro passou da candidatura ao programa de apoio para a concretização do negócio virtual a partir de Castelo Branco, onde não há “derrama”, como é chamado o imposto municipal sobre lucros tributáveis.

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— Mandei um vídeo com a candidatura em março. Como o projeto tinha aspectos inovadores, logo depois eu já estava dentro do prédio do CEI pagando € 30 pelo aluguel, com água, luz, sala e internet. Fora a consultoria que recebi para o desenvolvimento do projeto e a intermediação de contatos feita por eles — conta Mafra, que vendeu três mil pares em 90 dias.

Thiago Mafra, João Mafra e Lucas Lacerda escolheram Castelo Branco para abrir uma empresa de e-commerce por causa do apoio do governo local Foto: Divulgação
Thiago Mafra, João Mafra e Lucas Lacerda escolheram Castelo Branco para abrir uma empresa de e-commerce por causa do apoio do governo local Foto: Divulgação

Mafra ganhou dinheiro e credibilidade no mercado local, porque sua empresa tinha a chancela do CEI. Além da sala com internet, o fundamental, o programa fez a conexão do brasileiro com produtores da região. O negócio cresceu e, em outubro, Lucas Lacerda, seu sócio no Brasil, emigrou para Portugal para ajudá-lo na expansão da Chiado Shoes.

— Vamos promover o produto português em um marketplace de calçados femininos. Não inventamos a roda, só vendemos calçados. A forma que é inovadora, porque fomenta o mercado do país ao vincular no catálogo on-line o que o fornecedor tem em estoque para venda direta. Nosso espaço físico é só o que temos no CEI — explicou Mafra.

Com um prédio moderno ocupado por dezenas de escritórios, espaços de trabalho em conjunto, salas de reuniões e conferências e outras estruturas diversas para incubação de empresas, o CEI decora suas paredes com frases de gênios empresariais.

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Fincado em uma área arborizada e silenciosa da cidade, ao lado do Parque do Barrocal, de onde é possível avistar a Espanha no horizonte em dias de céu claro, nem parece que no seu interior há uma ebulição de ideias inovadoras e lucrativas.

No dia em que O GLOBO visitou o CEI, o diretor-executivo, João Pedro Borges, explicou:

— Temos empresas que saíram daqui e já estão faturando € 1 milhão. É um ecossistema com elevado índice tecnológico, de empreendedorismo e com atração de recursos humanos.

Paisagem de Castelo Branco, no interior de Portugal Foto: Divulgação
Paisagem de Castelo Branco, no interior de Portugal Foto: Divulgação

O CEI não é um ato isolado. A prefeitura de Castelo Branco tem em sua página uma área para atração de investidores, projetos e talentos.

Entre eles está o Centro de Apoio Tecnológico Agroalimentar (CATAA), a InovCluster, o Gabinete de Atração de Pessoas e Investimento (GAPI) e a Fábrica de Criatividade, que funciona em uma antiga fábrica têxtil de 2,5 mil metros quadrados, vestígio de uma economia em transição para novas atividades.

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Construção planejada para ser um presídio, que nunca funcionou ali, a Fábrica de Criatividade é um satélite cultural e econômico para artistas, empreendedores e profissionais liberais.

Tem auditório, escritórios, oficinas de fotografias, vídeo, artes plásticas, espaço para ateliês e responde às necessidades sem que a cena local tenha que deixar a cidade para mostrar seus projetos.

Lisiane Moresco trocou Lisboa por Castelo Branco, onde achou emprego, aluguel mais barato e uma vida mais tranquila com direito a ovelhas no caminho e frutas de presente das quintas dos vizinhos Foto: Gian Amato
Lisiane Moresco trocou Lisboa por Castelo Branco, onde achou emprego, aluguel mais barato e uma vida mais tranquila com direito a ovelhas no caminho e frutas de presente das quintas dos vizinhos Foto: Gian Amato

Foi na Fábrica de Criatividade que o músico e designer mineiro Filipe Hanssen encontrou trabalho e renovou a sua esperança na arte.

— Cheguei em Portugal com € 5 mil para sobreviver seis meses com mulher e duas filhas. Era pouco e arrumei trabalho como consultor imobiliário, mas eu estava sufocado no emprego. Foi quando achei a Fábrica, que abriu portas para mim. Conheci pessoas, gravei CD, fiz shows e, a partir daí, toquei tanto que ganhei mais dinheiro que na imobiliária — lembra Hanssen, que diz ter esgotado os 400 ingressos de um concerto no Cine-Teatro Avenida, importante palco cultural municipal.

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Castelo Branco é uma pequena cidade com características bucólicas, mas tem um radar cosmopolita. Atrai bons espetáculos e exposições para os locais em espaços como o Cine-Teatro Avenida e Centro de Cultura Contemporânea de Castelo Branco (CCCB).

A paisagem de Castelo Branco alterna o rural e o industrial sem que haja uma fronteira nítida entre ambos. Tradição e modernidade formam vínculos em cada esquina e possibilitam uma vida com o melhor dos dois mundos.

Cine-Teatro de Castelo Branco: cidade é pequena, mas atrai circuito de atividades culturais Foto: Divulgação
Cine-Teatro de Castelo Branco: cidade é pequena, mas atrai circuito de atividades culturais Foto: Divulgação

Era o que a gaúcha Lisiane Moresco e o filho buscavam quando deixaram Lisboa há três meses. No caminho sem tráfego para o trabalho, ela faz fotos de um rebanho de ovelhas para postar nas redes sociais.

Minutos depois, começa seu turno na linha de produção de uma moderna fábrica de peças para automóveis de luxo, instalada em um imenso polo industrial, onde os terrenos têm preço simbólico. Ali, lida com materiais que vão compor modelos mais caros da Ferrari e Lamborghini.

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— Estávamos em uma situação financeira muito difícil em Lisboa por conta dos aluguéis. Eu pagava € 450 por um conjugado e agora pago € 150 por um três quartos. Além do aluguel justo, os órgãos públicos funcionam melhor. O Centro de Saúde nos registrou na hora. Em Lisboa sequer tínhamos registro porque não havia vagas. E uma coisa maravilhosa que acontece aqui: as pessoas doam o que colhem em suas quintas. Tenho a geladeira cheia de frutas, verduras, legumes e ovos.

A poucos quilômetros da zona industrial, Marlúcia França e a cadela Stacy cuidam do laranjal em seu jardim. Nascida em Rio das Ostras (RJ), ela também trocou Lisboa por Castelo Branco em janeiro e indicou a cidade a Lisiane. Aos 48 anos, Marlúcia encontrou na cidade estrutura e ambiente ideais para o tratamento de um câncer.

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Marlúcia França encontrou em Castelo Branco o ambiente e as condições ideais para o tratamento de um câncer Foto: Gian Amato
Marlúcia França encontrou em Castelo Branco o ambiente e as condições ideais para o tratamento de um câncer Foto: Gian Amato

— Castelo Branco me salvou. Recebi o diagnóstico durante o confinamento e, se estivesse em Lisboa, já teria voltado para o Brasil. Cheguei a procurar o programa de retorno voluntário, mas fui aconselhada a ficar, porque seria um risco. Aqui, o carro do hospital me pega em casa a cada 21 dias para fazer a quimioterapia, um processo doloroso, que aqui é feito sem correria. Meu marido arrumou trabalho rápido, de auxiliar na construção civil, e pagamos € 250 nesta casa de três quartos e dois andares. Saio na rua e vejo ovelhas, estou cercada de natureza. Isto contribui de forma positiva para o tratamento — conta.

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Em entrevista a O GLOBO, o prefeito de Castelo Branco, José Augusto Alves, conta que é visível o aumento do fluxo de brasileiros na cidade:

— Vieram alguns e começaram a chamar outros. É normal irmos a um café, restaurante e empresas e ver brasileiros trabalhando. Nesta situação de pandemia, temos visto a chegada de muita gente em busca de uma saída saudável dos grandes centros, inclusive pessoas do Brasil.

(*Especial para O GLOBO)