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Economia Oportunidades no exterior

Brasileiros vencem em Portugal com negócios que fogem do clichê tupiniquim

Em vez de pão de queijo, tapioca e brigadeiro, empreendedores focam em projetos do ramo imobiliário e até cervejarias
Portugal 04/07/2019 Ao lado da mulher, Verônica, o empresário mineiro Neko Pedrosa dirige o Delirium Café, no Chiado, em Lisboa. À frente da cervejaria, uma das maiores da capital, o casal é um exemplo dos novos empreendedores brasileiros de sucesso em Portugal que descartaram investir no mercado da saudade. Fotos de Gian Amato Foto: Agência O Globo
Portugal 04/07/2019 Ao lado da mulher, Verônica, o empresário mineiro Neko Pedrosa dirige o Delirium Café, no Chiado, em Lisboa. À frente da cervejaria, uma das maiores da capital, o casal é um exemplo dos novos empreendedores brasileiros de sucesso em Portugal que descartaram investir no mercado da saudade. Fotos de Gian Amato Foto: Agência O Globo

LISBOA - Quando chega o fim de tarde em Lisboa, o mineiro Neko Pedrosa abre uma cerveja… belga. Ao lado da mulher, a carioca Verônica, o empresário vai à varanda do seu bar esperar a chegada dos clientes pelas ruas cheias do Chiado. Faz um brinde, arregaça as mangas e começa a operar as 38 torneiras da cervejaria, uma das maiores da capital portuguesa, onde há sempre gente e bebidas do mundo inteiro. O casal é um exemplo de brasileiros que encontraram o sucesso em Portugal sem investir no chamado mercado da saudade. Em vez de pão de queijo, tapioca e brigadeiro, novos empreendedores cruzam o Atlântico em busca de negócios mais amplos em vez dos tipicamente brasileiros.

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Uma discreta bandeira do Atlético-MG, time de Neko, é a única referência ao Brasil no interior da cervejaria de 300 metros quadrados no coração do Chiado, um dos bairros turísticos de Lisboa. Foi exigência do mineiro, mas não é crucial na decoração do bar, onde rock e reggae rolam soltos. Para a botafoguense Verônica, é melhor assim. Nem tanto pelo futebol. Desde janeiro de 2017, quando abriram a filial lisboeta do Delirium Café, franquia da famosa cerveja belga Delirium Tremens, ela diz ter visto seis tapiocarias fecharem as portas por ali.

O casal chegou a Portugal no auge da nova onda de imigração brasileira e viu o comércio na região dedicado aos produtos brasileiros típicos implodir, mesmo com o crescimento do número de imigrantes do Brasil no país. Em 2018, o número de residentes brasileiros registrados lá chegou a 105,4 mil, 23% a mais que em 2017 e o maior número desde 2012.

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— Existe uma supervalorização desse mercado da saudade, o que pode levar a um diagnóstico errado de investimento. Aqui tem muito brasileiro, mas não é o Brasil. Apostar nesse nicho é arriscado. Pode parecer mais fácil, mas acredito que é melhor comercializar produtos globalizados — diz Verônica, atenta à alta do turismo estrangeiro em Portugal.

Custos mais baixos

O crescimento da comunidade brasileira em Portugal incentivou negócios ligados a iguarias típicas, como doce de leite e churrasco, e a manifestações culturais, como rodas de samba, capoeira e festas de forró. O que pode parecer um bom negócio no primeiro momento, com retorno rápido, acaba se tornando arriscado com o foco limitado.

— Nós preferimos apostar no bar, em que entra gente do mundo todo. O turismo elevou Portugal a outro patamar na Europa e é a mola propulsora da economia. E a marca do elefante rosa é conhecida globalmente, chama gente — diz Verônica, referindo-se ao símbolo da franquia de cerveja.

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Em dois anos, Neko, ex-administrador de um bar em Bergamo, na Itália, e Verônica, uma ex-produtora cultural no Rio, já receberam mais de 400 mil clientes e venderam 50 mil litros de cerveja. O casal não revela o valor investido, mas conta que o aluguel de um disputado imóvel no Chiado, já com licença para restaurante, foi o maior custo até agora.

— Ainda estamos no processo de recuperação do investimento. Acredito que neste ano já vamos começar a ter retorno. O câmbio agora é mais alto que o de quando começamos a planejar, isso dificulta um pouco esse cálculo — diz Neko.

Quando resolveu acompanhar a família e se mudar para Portugal, Leon Netto tinha uma franquia de colchões no Casa Shopping, na Barra da Tijuca. Em Lisboa, não teve dúvidas. Como já entendia muito de colchão, resolveu continuar na área. Em vez de apostar numa franquia, resolveu ir mais longe e criar a própria rede em Portugal, a Casa do Sono, em parceria com a mulher, Raquel.

— Para mim, era mais fácil continuar no ramo, porque eu tinha convicção de que daria certo. Então, arrisquei. Em quase dois anos em Portugal, abrimos quatro lojas em Lisboa e vamos para a quinta no Porto — conta Leon, que só emprega brasileiros no negócio.

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Mas o sucesso do empresário não foi um tiro no escuro. Antes mesmo de sair do Brasil, entrou em contato com fornecedores portugueses, que o visitaram no Rio e indicaram a possibilidade de sucesso na Europa. Para constituir o capital social da empresa, investiu € 35 mil e gastou mais € 15 mil na infraestrutura de cada loja. Na comparação com suas atividades no Brasil, chegou à conclusão de que fazer negócio em Portugal é mais fácil:

— No Brasil, só o aluguel de um espaço no shopping era R$ 60 mil, sem as contas. Abrir negócio em Portugal é mais barato. O custo da operação é sempre menor. Tanto que agora quero abrir 40 lojas aqui, de três a cinco por ano.

Imóveis para todos

O carioca Gilberto Jordan assumiu em 2000 o grupo imobiliário fundado em Portugal pelo pai, o empresário André Jordan, de 85 anos, um pioneiro do turismo no país. A empresa da família criou empreendimentos imobiliários de ponta e durante muito tempo se especializou em adaptar imóveis ao gosto dos brasileiros — como a instalação de tanques em áreas de serviço e dependências de empregados. Ainda que os brasileiros sejam grandes compradores, Gilberto conta que a empresa só conseguiu crescer ampliando o foco para outras nacionalidades interessadas em Portugal.

— Estamos preocupados em conhecer as peculiaridades de todos os públicos, não só o brasileiro. No Algarve, por exemplo, os alemães preferem os jardins delimitados em frente às casas e não uma área comum a todos — diz Gilberto.

O empresário conta que investe em Portugal desde o tempo em que a maioria dos brasileiros interessados em imóveis no exterior embarcava para Miami, nos EUA:

— Achamos que havia razões para investir em Portugal e estávamos certos. Ao fim da crise portuguesa, estávamos em boa posição. Mas fica o alerta: as coisas aqui não são fáceis e lineares, exigem trabalho e conhecimento.

*Especial para O GLOBO