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Economia Investimentos

Caderneta de poupança bate recorde em meio à crise. Saiba se vale a pena

Saldo entre depósitos e saques alcançou R$ 30 bi em abril, melhor resultado em 25 anos da aplicação, vista como segura
Brasileiros voltaram a utilizar a caderneta de poupança Foto: Arquivo
Brasileiros voltaram a utilizar a caderneta de poupança Foto: Arquivo

SÃO PAULO - Em meio às incertezas na economia provocadas pelo avanço da pandemia do novo coronavírus, os brasileiros nunca depositaram tanto dinheiro na caderneta de poupança. Em abril, a captação de recursos (o saldo entre depósitos e saques) foi positivo em R$ 30 bilhões, segundo o Banco Central.

É, disparado, o melhor resultado dessa aplicação desde 1995. No mesmo período do ano passado, os brasileiros retiraram R$ 2,8 bilhões das cadernetas em meio à euforia com a valorização das ações na Bolsa de São Paulo (B3).

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A captação recorde em abril compensou a retirada de recursos da poupança em janeiro e fevereiro e, por isso, o saldo parcial de 2020 está positivo em R$ 26 bilhões. É o dobro do captado em todo o ano passado e pouco mais de 30% do recorde histórico de 2013, quando os brasileiros depositaram R$ 71 bilhões em cadernetas de poupança.

O pagamento do auxílio emergencial de R$ 600 a trabalhadores informais pelo governo a autônomos que ficaram sem renda por causa da pandemia influenciou no resultado.

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Boa parte dos recursos foi transferida pelo governo por meio de contas poupança digitais criadas pela Caixa Econômica Federal para brasileiros até então desbancarizados.

. Foto: Arte O Globo
. Foto: Arte O Globo

‘Porto seguro’

Mas analistas apontam que o crescimento da caderneta também é movido pela busca de mais segurança por muitos investidores, inclusive os de fundos de bancos pequenos que migraram recursos para a poupança por temor de que essas instituições sofram dificuldades financeiras com a crise gerada pela pandemia.

— Há investimentos de baixo risco melhores que a poupança, como fundos DI com taxas baixas de administração e CDBs com liquidez diária que pagam 100% do CDI ou mesmo os títulos do Tesouro — diz a especialista em investimentos Luciana Ikedo.

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O que explica tanto interesse por uma aplicação que deve render pouco mais de 2% neste ano, que nem compensa a perda com a inflação? Para Vera Rita de Mello Ferreira, doutora em psicologia econômica e professora no Vértice PSI – Instituto de Psicologia Econômica e Ciências Comportamentais, os brasileiros estão em busca de um “porto seguro” num cenário de crises em profusão: sanitária, econômica e política.

— As pessoas estão assustadas, sobrecarregadas e sem tempo para entender produtos financeiros sofisticados. Quem tem dinheiro quer ter liquidez imediata para uma emergência — diz.

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A busca por segurança motivou a autônoma paulistana Amanda dos Reis, de 30 anos, a aportar 20% de sua renda mensal de R$ 6 mil numa poupança desde março. Nos últimos meses, Amanda engravidou e seu marido perdeu o emprego.

Agora, trabalhando de casa prestando consultoria a agências de publicidade, ela quer juntar recursos para os tempos difíceis, com a vantagem de poder sacar a qualquer momento:

— A ideia é não passar necessidade se eu perder renda.

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Boa parte da captação da poupança vem de gastos com bens e serviços que não foram feitos durante a pandemia. Moradora de Santos, no litoral paulista, a funcionária pública Cinthia Gomes, de 34 anos, está economizando 20% da renda mensal, algo como R$ 1,2 mil, desde março, quando começou o isolamento dos que podem ficar em casa.

Confiança: Cínthia Gomes prefere a poupança para reserva na crise Foto: Foto: Acervo pessoal
Confiança: Cínthia Gomes prefere a poupança para reserva na crise Foto: Foto: Acervo pessoal

Em quarentena, deixou de gastar com gasolina para se deslocar de carro ao trabalho, além de saídas para almoçar fora ou comprar roupas. Além disso, Cinthia conseguiu desconto de 30% na mensalidade da escola dos filhos, que agora estudam pela internet.

— Antes da pandemia, por causa da loucura do dia a dia, eu não tinha disciplina financeira. Agora todos os meus gastos estão numa planilha.

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Nos planos de Cinthia está juntar dinheiro para diversificar investimentos após a crise.

Os bancos já sentem os efeitos do interesse renovado dos brasileiros pela poupança. No Neon, os depósitos crescem 30% ao mês desde o início da pandemia, um interesse atípico nesse tipo de aplicação.

— Assim como nas empresas, quem tem renda agora está fazendo caixa para se precaver de problemas —diz Jean Sigrist, sócio do Neon.

Aversão à Bolsa

A poupança está também recebendo aplicações de quem perdeu dinheiro no tombo da Bolsa em março e está avesso a risco. É o caso do administrador paulistano Felipe Fritz, de 30 anos. Há pelo menos dez anos Fritz tem o hábito de economizar parte da renda.

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No início, 100% dos recursos ficavam na poupança ou em aplicações oferecidas nos bancos, como CDBs. No ano passado, o administrador colocou 35% dos investimentos em renda variável, a maior parte deles na Bolsa.

— Perdi um dinheiro considerável em março. Quero entender para onde vai a economia antes de arriscar de novo — diz ele, que nos últimos dois meses elevou de 10% para 30% os recursos na poupança.

Mesmo sendo a queridinha da vez por investidores em busca de segurança, a poupança inspira cuidados. Por lei, o rendimento da poupança está atrelado a 70% da Selic, a taxa básica de juros da economia brasileira, atualmente em 3% ao ano, menor patamar da história.

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Há economistas apostando em novas reduções da Selic nos próximos meses numa tentativa do Banco Central de estimular a economia. Nesse cenário, a poupança renderia ainda menos do que os míseros 2% anuais. A inflação esperada pelo mercado para 2020 é de 1,59% e 3,2% em 2021, segundo o último boletim Focus, do BC.

Por isso, quem pode, deve diversificar as aplicações, buscando outros produtos financeiros mais rentáveis, recomenda Márcia Guerra, gerente de investimento do Sicredi Vale do Piquiri, cooperativa de crédito com clientes no Paraná e em São Paulo.

— O ideal é manter no máximo 15% das economias na poupança, apenas para cobrir gastos urgentes — diz.