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Economia Reforma administrativa

Cargos já extintos ou em vias de extinção custam R$ 8 bi por ano ao governo. Lista inclui afinador de instrumento e chaveiro

Gasto com três mil datilógrafos é de cerca de R$ 400 milhões por ano, segundo ministério da Economia
Apesar de extintos em 2019, datilógrafos e afinadores musicais ainda fazem parte da folha de pagamento: tempo médio de casa é de 53 anos Foto: Pixabay
Apesar de extintos em 2019, datilógrafos e afinadores musicais ainda fazem parte da folha de pagamento: tempo médio de casa é de 53 anos Foto: Pixabay

BRASÍLIA — Funções como agentes de saúde pública, guardas de endemia e agente de combate às endemias estão na lista de carreiras extintas ou em extinção elaborada pelo Ministério da Economia.

Atualmente, há 14.223 servidores nessas três funções, número que representa cerca de 20% dos 69 mil funcionários que o secretário especial de Desburocratização da pasta, Caio Paes de Andrade, mencionou em audiência pública na Câmara, ao citar que o governo gasta R$ 8,2 bilhões com servidores em carreiras em vias de extinção.

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A lista inclui também outras funções, como auxiliar de padeiro, salva-vidas e chaveiros.

Esses casos são minoria, mas são mais citados pelo secretário em eventos de discussão da reforma administrativa.

— Entre 2014 e 2015, governo federal contratou afinadores de instrumentos musicais e datilógrafos. Apesar de tais cargos terem sido extintos em 2019, os servidores permanecerão na folha de pagamento, em média, por mais 53 anos — afirmou Andrade em audiência na Comissão Especial da reforma administrativa nesta terça-feira.

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Relator da matéria na Comissão, o deputado Arthur Maia (DEM-BA), disse ter ficado sensibilizado com esses dados.

— (As falas estão) trazendo pontos que demonstram o quão este modelo (de funcionalismo) que nós temos é ultrapassado, mostrando o quanto nós estamos gastando com carreiras que não existem mais e o quanto temos desperdiçado de dinheiro público com carreiras que não trazem mais nenhuma contribuição ao estado brasileiro — afirmou.

De acordo com dados do Ministério da Economia, o governo federal mantém em sua folha de pagamento de carreiras extintas dois afinadores de instrumentos musicais, que representam um gasto anual de R$ 89,4 mil.

Já os datilógrafos são mais numerosos: ainda estão na ativa 2.997 servidores, que recebem em média R$ 6,5 mil mensais — a despesa anual é de R$ 399,8 milhões.

O processo de extinção de carreiras na União não implica acabar com a função na administração pública, como explica a economista e sócia da consultoria Olyver Wyman, Ana Carla Abrão.

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A economista lembra que cada lei de carreira traz um número de cargos para esta carreira e, a medida em que as pessoas se aposentam e as vagas não são repostas, o governo extingue as vagas ou a carreira.

— Não é que elas estão extintas, as carreiras em si: eles extinguem as atribuições ou o órgão onde essas pessoas estavam lotadas. Como há uma lei que baseou o edital de convocação e de concurso daquelas pessoas, se você extingue o cargo não é uma coisa tão simples assim transferir essas pessoas, porque pode ser caracterizado desvio de função — observa.

Para o líder de Causas do Centro de Lideranças Públicas (CLP), José Nascimento, ainda que o gasto anual com servidores de carreiras extintas seja significativo, o próprio governo tem dado exemplos de como manejar o orçamento público.

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— A discussão da obsolescência (das carreiras públicas) não pode se dar exclusivamente sobre a lógica fiscal. São pessoas que foram contratadas para exercer funções que agora não existem mais. No privado, a maleabilidade é muito maior, a transição desses modelos é maior. Mas o governo não pode ter essa lógica privada, mas sim a do interesse público — defende.

Cargo extinto, mas trabalho não

Estar no quadro de atividades em extinção da União, no entanto, não significa não trabalhar. Questionado sobre o tipo de atividade que esses servidores desempenham, o Ministério da Economia, respondeu, por meio de nota, que esses cargos se originaram de antigos planos de cargos e de reestruturações de órgãos e entidades da administração pública.

A economista Ana Carla Abrão diz que processo é complexo: "S e você extingue o cargo não é uma coisa tão simples assim transferir essas pessoas, porque pode ser caracterizado desvio de função" Foto: Edilson Dantas/23-10-2019
A economista Ana Carla Abrão diz que processo é complexo: "S e você extingue o cargo não é uma coisa tão simples assim transferir essas pessoas, porque pode ser caracterizado desvio de função" Foto: Edilson Dantas/23-10-2019

“Na prática os servidores ocupantes desses cargos em extinção ainda trabalham em diversas organizações exercendo atividades técnicas ou administrativas que a critério dos respectivos órgãos ou entidades estão próximas daquelas dos cargos de origem”, explicou.

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Em outras discussões na Câmara, Paes de Andrade citou como exemplo o cargo de operador de telex. Atualmente, ainda estão na ativa 19 servidores que ingressaram nessa carreira, que recebem, em média, R$ 5,8 mil por mês.De acordo com a Economia, o custo mensal desses servidores é de R$ 110,7 mil, o que gera uma despesa anual de R$ 1,475 milhão.

Segundo a Economia, esses servidores podem atuar em serviços gerais e comunicações administrativas.

Especialistas ouvidos pelo GLOBO apontam que essa discussão em torno das carreiras extintas precisa ser pautada no âmbito da reforma, mas com o viés da racionalização do serviço público.

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A avaliação da economista Ana Carla Abrão é de que a reforma administrativa deveria se concentrar menos em questões constitucionais, como a estabilidade do servidor, e promover uma mudança infraconstitucional, para tonar o sistema mais eficiente e racional, livre das amarras de tantas leis.

— Essa situação é fruto, justamente, dessa rigidez que nós temos hoje e que está cravada em leis infraconstitucionais que criam esses engessamentos. Você acaba fazendo muito concurso, acaba inchando a máquina pública, tem lugares que falta gente, tem lugares que sobra, tem pessoas que tão sem fazer nada, tem outras pessoas que tão sobrecarregadas — afirma.

Para José Nascimento, do CLP, os 69 mil servidores em mais de 1,2 mil carreiras extintas explicitam porque é preciso discutir padronização das carreiras e os critérios para obsolescência, dentro da lógica da redução do tamanho do estado.

— O importante é termos critérios básicos para essa discussão. Não tem nenhuma previsão na PEC, nem tem uma lei complementar – critica.