Carlos Góes
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Carlos Góes
Informações da coluna

Carlos Góes


Esta semana, o presidente Lula evocou apoios e críticas ao comparar, num discurso, a ação militar de Israel na Faixa de Gaza ao Holocausto. Esta coluna não é sobre isso. É sobre o fato de, no mesmo discurso, o presidente ter decidido se silenciar sobre outra crise humanitária, mais perto de casa: a venezuelana.

Ao ser indagado sobre a decisão da ditadura comandada por Nicolás Maduro de expulsar membros do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, sob a acusação de “golpismo e terrorismo”, Lula disse não ter informações suficientes.

O ato vem na esteira de críticas à impugnação da candidatura da oposicionista María Corina Machado e da ativista de direitos humanos Rocío San Miguel, num aperto à repressão pelo regime chavista.

O que talvez não seja tão claro para o leitor é o tamanho da crise humanitária na Venezuela. A combinação de repressão política e colapso econômico fizeram com que 7,7 milhões de venezuelanos fossem forçados a deixar o país.

Segundo o Acnur, braço da ONU que cuida de refugiados, é a maior crise de migração forçada do mundo: maior que a da Síria; quase sete vezes maior do que a da Palestina. Mesmo sem haver guerra na região!

Mas como o país chegou a essa situação?

Por um lado, há o desastre econômico. Ainda no fim do governo Hugo Chávez, que morreu em 2013, já se iniciava um processo de grande deterioração econômica.

Na década anterior, a economia havia se expandido, muito em função do forte aumento do preço internacional do petróleo, entre 1999 e 2011. Isso permitiu a Chávez financiar seus projetos sociais e ganhar popularidade.

Quando a economia para de crescer, em 2012, Chávez passa a usar o Banco Central para financiar os projetos sociais. O resultado? A inflação sai da já alta média histórica de 10%-20% ao ano para 40% em 2013; e, já sob Maduro, 60% em 2014, resultando depois na hiperinflação do fim da década, quando ela superou os 60.000%!

O crescimento da produção econômica também desapareceu. Entre 2022 e 2012, o PIB per capita encolheu em quase 75%. Ele está hoje no mesmo nível de 1994. É como se os venezuelanos vivessem hoje em um país que não cresceu por 30 anos.

Isso ocorreu por uma série de medidas errôneas do governo. O enfraquecimento das instituições e dos direitos de propriedade privada afastou o investimento do país. As medidas de congelamento de preço para tentar controlar a inflação tiveram como resultado o desaparecimento de produtos.

Por fim, o aparelhamento de empresas públicas como a PDVSA fez a produtividade delas colapsar. Se em 2011 a Venezuela produzia 2,8 milhões de barris de petróleo por dia, em 2023 este valor não chegava a 800 mil. E essa queda de produção foi muito antes das maiores sanções americanas contra a PDVSA, em 2018.

Por outro lado, a situação política do país se deteriorou ao longo do tempo. Mesmo 20 anos atrás, já havia sinais de crescente autoritarismo no país. A lista de assinaturas de cidadãos que pediam o recall (referendo para destituição) de Chávez foi utilizada para demissão de muitos funcionários públicos, lá em 2004, num episódio conhecido como Lista Tascón.

Quando a oposição ganhou as eleições legislativas, em 2015, o regime retirou os poderes da Assembleia Nacional e não a deixou governar. O golpe se deu em duas fases. Primeiro, a toque de caixa, antes da posse da oposição, pressionaram pela renúncia de todos os ministros do Supremo e nomearam novos ministros. Depois, os ministros oficialistas limitaram os poderes da Assembleia.

Nos diversos protestos que se seguiram, amontoaram-se as denúncias de violações de direitos humanos. O serviço de inteligência do governo, as forças de seguranças e as “milícias bolivarianas” (militantes que receberam armas do governo) entraram em conflito com oposicionistas por diversas vezes.

Segundo a Anistia Internacional, há pelo menos 300 presos políticos no país, e a tortura foi utilizada diversas vezes contra esses prisioneiros.

E, claro, há 7,7 milhões de refugiados e migrantes forçados: é uma grande crise humanitária. Além disso, ao contrário da crise do Oriente Médio, na venezuelana o Brasil tem chance de influenciar — seja como vem fazendo neste e nos últimos governos, recebendo refugiados; seja agindo para alterar ativamente a situação de crise.

Na crise humanitária que existe ao lado, silenciar é um ato mais consequente que performático.

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