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Economia

Carro, hotel adaptado, estadia curta e mais barata: veja o que muda na retomada do turismo

Operadoras já retomaram a venda de pacotes para o segundo trimestre, principalmente para viagens de curta distância
Funcionários do Hotel Fairmont, em Copacabana, Zona Sul do Rio, passam por treinamento para aumentar a limpeza das instalações e a segurança dos hóspedes. Plano é reabrir em agosto Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo
Funcionários do Hotel Fairmont, em Copacabana, Zona Sul do Rio, passam por treinamento para aumentar a limpeza das instalações e a segurança dos hóspedes. Plano é reabrir em agosto Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo

RIO - Pouco mais de três meses depois de visitantes sumirem de uma hora para a outra, o setor de turismo começa a respirar. Agências e operadoras voltaram a vender pacotes com gente disposta a compensar a longa quarentena com viagens no segundo semestre, mas em outras bases.

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Com crise econômica, dólar alto e desembarque de viajantes do Brasil vetado nos EUA e na Europa, os bilhetes aéreos internacionais dão lugar ao volante em viagens pelo país, de curta duração e preço mais em conta.

Enquanto o contágio do coronavírus ainda preocupa no país, hotéis e atrações de cidades turísticas se preparam para transmitir confiança, artigo essencial agora. Apostam em protocolos mais rígidos de limpeza e na redução da capacidade, numa reabertura cautelosa com novos hábitos.

Pesquisa da Associação Brasileira das Operadoras de Turismo (Braztoa) mostra que 60% dessas empresas já vendem pacotes para várias regiões do país a partir de agosto.

A aviação nacional também volta a decolar. Em julho, serão 180 rotas ativas nos aeroportos, três vezes mais que nos últimos meses, desde o início da pandemia. Ainda assim, são só 30% dos trechos operados antes da crise.

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As pessoas ainda têm algum receio de embarcar num avião. Por outro lado, há maior interesse por escapadas curtas para destinos que podem ser alcançados de carro.

— O setor já está voltando, mas o brasileiro está inseguro. Ninguém quer ficar horas no avião. Mas as pessoas estão com vontade de viajar e estão se programando. Por isso, as vendas já estão acontecendo. Há procura. Todos estão animados com essa recuperação e criando novos hábitos de segurança — diz Roberto Nedelciu, presidente da Braztoa.

Nova rotina nos hotéis

O Grupo Águia, dono da agência Stella Barros, também sentiu uma retomada do turismo nacional. Thiago Abrahão, presidente da empresa, prevê uma virada no fim do ano:

— A procura é crescente. As pessoas estão pedindo informações para viagens dentro do país. O internacional ainda não retomou, mesmo com aéreas internacionais vendendo passagens a preços menores e flexibilidade nas remarcações.

Em Teresópolis, na Região Serrana do Rio, o hotel Village Le Canton está testando uma série de novas regras antes de reabrir. Uma nova rotina foi planejada da chegada à saída do cliente.

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O serviço de limpeza nos quartos ocupados será mais cuidadoso. Somente 276, metade da capacidade, estarão disponíveis para reserva, reduzindo o número de pessoas nas áreas comuns.

No hotel Le Canton, em Teresópolis, restaurante foi remodelado para garantir a segurança dos hóspedes Foto: Leo Martins / Agência O Globo
No hotel Le Canton, em Teresópolis, restaurante foi remodelado para garantir a segurança dos hóspedes Foto: Leo Martins / Agência O Globo

O restaurante, agora com metade dos lugares, só vai atender com horário marcado. O  buffet, antes self-service, será servido apenas por funcionários, sempre com equipamentos de proteção.

— Hoje, se o hotel estivesse funcionando, já estaria lotado. Há demanda, mas também muitas incertezas. Estamos nos programando para reabrir com segurança. Não temos uma data porque dependemos de uma decisão entre a prefeitura e o Ministério Público. Mas o certo é que essa volta será diferente — afirma Monica Paixão, diretora do hotel.

Na capital fluminense, sem o fluxo de turistas estrangeiros, a expectativa do setor também é reconquistar o visitante brasileiro. Na Avenida Atlântica, em Copacabana, o Hotel Fairmont planeja reabrir entre agosto e setembro.

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Até lá, conta Michael Nagy, diretor de Marketing do estabelecimento, o foco é o treinamento dos funcionários. Há menos objetos para manusear nos quartos. O cardápio do serviço de quarto, por exemplo, foi substituído por um QR Code, que vai mostrar o menu no celular.

— Seguimos regras de certificação dos governos e do próprio grupo, que contratou uma consultoria — diz Nagy.

A Secretaria estadual de Turismo do Rio criou um selo para orientar o setor hoteleiro sobre higienização e já tem mais de 2.300 interessados no aval.

Há no país outras iniciativas dos governos locais para ajudar o turismo, que tem forte impacto na arrecadação de muitos estados e municípios. Em Santa Catarina, por exemplo, a cidade de Pomerode, conhecida por suas tradições alemãs, criou a campanha “O cuidado nos une”.

A Associação Visite Pomerode, em parceria com o Sebrae e a prefeitura da cidade, deu início a um processo de capacitação aos empreendedores locais do setor hoteleiro para se adaptarem às novas exigências impostas pela pandemia.

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Na rede indiana Oyo, que opera 500 hotéis no Brasil, além de intensificar a higienização, o café da manhã passou a ser entregue nos quartos. A companhia passou a estimular o pagamento digital, sem contato físico.

Outra tendência que está seguindo é baixar os preços diante da maior concorrência com demanda ainda fraca. Henrique Weaver, diretor-geral da Oyo, diz que um sistema de precificação inteligente foi adotado para maximizar a ocupação:

— O volume de hóspedes vai crescer antes da receita. Os preços serão menores em relação ao período anterior à crise por uma questão de renda e da economia. As pessoas não terão recursos. Em média, os preços estão 20% menores.

Já operando, o grupo GJP Hotels & Resorts, com unidades nos aeroportos Santos Dumont e Galeão, criou um aplicativo para que hóspedes possam reservar o uso de instalações comuns, como piscina e restaurante, e programar o check-in para manter distância segura de outros hóspedes.

A companhia investiu R$ 3 milhões em um programa de certificação feito pelo Hospital Sírio-Libanês.

— Metade dos hóspedes nesse primeiro momento são de brasileiros, que vêm de carro. Por isso, não temos mais manobristas e as vagas são mais espaçadas. A pessoa tem que se sentir tão segura aqui como em sua casa — define Fabio Godinho, presidente da GJP.

Recuperação ainda demora

Mesmo com a dose de otimismo que já se vê no setor, a retomada este ano não recuperará as perdas. Empresas e especialistas estimam que isso só será possível a partir de 2021 ou 2022, principalmente se surgir uma vacina contra o vírus.

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Estudo da FGV Projetos estima que, até o fim de 2021, o setor de turismo vai acumular um prejuízo de R$ 160 bilhões no país, com 670 mil vagas fechadas.

A crise interrompe o crescimento que ensaiava o turismo interno, que já sofreu no ano passado com manchas de óleo em praias do Nordeste.

Em 2019, segundo dados do Ministério do Turismo, foram 97,1 milhões de desembarques domésticos, pouco acima dos 95,5 milhões de 2018.

— O turismo sempre faz parte da cesta de compra das pessoas, mas falamos agora de viagens de até quatro horas. Saem na frente os destinos mais preocupados com protocolos de segurança — diz André Coelho, gerente da FGV Projetos.

No quesito ambiente controlado, os resorts com refeições incluídas (all inclusive) se destacam.

O francês ClubMed, com espaços nos estados do Rio, São Paulo e Bahia, fez uma pesquisa com clientes recorrentes e constatou que 70% planejam férias para setembro.

Janyck Daudet, presidente da empresa na América do Sul, conta que a rede contratou médicos higienistas para traçar planos de segurança para a reabertura.

— Pretendemos abrir em agosto. Na abertura, vamos iniciar com 40% de nossa capacidade e dividir as apresentações musicais pelos resorts de forma a não criar aglomerações — conta Daudet, lembrando que o grupo francês recebeu uma injeção de recursos a partir de um empréstimo com bancos e do acionista chinês chinês Fosun Tourism Group para garantir o fluxo de caixa em suas operações pelo mundo.

A busca por uma hospedagem mais próxima da segurança que se tem em casa fez as buscas pelo aluguel de imóveis por temporada no Airbnb subir 150% em maio, na comparação com o mesmo mês do ano passado, para destinos a até 300 km da cidade do turista.

Uma das principais mudanças feitas pela companhia foi a ampliação do intervalo mínimo entre a saída de um hóspede e a chegada de outro, de cinco para 24 horas.