SÃO PAULO - Com uma baixa presença de negros em seus escritórios, grandes bancas de advocacia começam a investir em programas de recrutamento para tentar contornar essa lacuna. Uma pesquisa realizada em 2018, com 3.624 profissionais de nove dos maiores escritórios brasileiros, mostrou que só 2% dos advogados declararam ser negros. O estudo é da ONG Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT) e foi feito em parceria com a Aliança Jurídica pela Equidade Racial e Fundação Getulio Vargas de São Paulo.
O sonho de infância do capixaba Luiz Filipe Barbosa, de 18 anos, era estudar Direito. O motivo: ter um papel relevante na redução das desigualdades sociais do Brasil. No começo do ano, Barbosa trocou a casa dos pais em Serra, na Região Metropolitana de Vitória, pela residência de uma tia no bairro de Perus, Zona Norte de São Paulo, após obter bolsa integral numa faculdade particular de Direito. Na mesma época, a paulistana Thais Silva Guilherme, de 24 anos, conseguiu retomar os estudos de Direito graças a um desconto de 60% em outra universidade particular.
Barbosa e Thais e outros 14 jovens negros fazem parte da primeira turma do Soma Talentos, programa de inclusão racial do Mattos Filho para jovens no início da faculdade, criado com o apoio da Empregue Afro, consultoria de recursos humanos para inclusão racial. O recrutamento veio acompanhado de outras medidas de inclusão adotadas no escritório, como a participação dos sócios em palestras sobre os maiores desafios dos negros no mercado de trabalho.
Na cabeça dos dois estudantes, o sonho de realização profissional está misturado com um enorme ponto de interrogação: como conquistar espaço num mercado concorrido como o do Direito?
– Nunca achei que seria fácil seguir a profissão que escolhi, mas desejo o papel social de destaque que a advocacia pode proporcionar – diz Luiz Filipe.
A pesquisa mostra que, considerando profissionais de outras áreas, incluindo os de funções administrativas, a fatia de negros sobe para 19%. Thais e Barbosa foram contratados como auxiliares jurídicos no Mattos Filho, um dos principais escritórios do país, com sede em São Paulo. Os jovens dedicam seis horas por dia acompanhando casos sob supervisão de sócios – Barbosa na área de seguros e Thais, em infraestrutura. No intervalo entre sala de aula e escritório, os dois treinam o inglês em aulas com professores contratados pelo escritório.
– Já sofri racismo ao procurar emprego. Há quem pense que uma mulher pobre e negra só pode ser empregada doméstica ou faxineira. Quero mostrar o contrário – diz Thais.
Diversidade vira cartão de visitas
Na mesma linha, um programa do escritório paulistano Demarest, chamado D Raízes, levanta debates internos sobre o tema. Por trás do interesse das grandes bancas em desenvolverem programas de inclusão, estão, entre outros fatores, a crescente importância do quesito "diversidade" em rankings internacionais sobre a qualidade dos escritórios de advocacia, um bom cartão de visitas dos advogados no momento de buscar novos clientes.
– Discutimos temas como o viés inconsciente, a tendência de muita gente de acreditar que algumas profissões não podem ser exercidas por profissionais em função de sua cor, gênero ou orientação sexual – diz Robson de Oliveira, advogado do Demarest que encabeça o D Raízes. Criado em setembro de 2018, o programa busca também contratar mais advogados negros. Desde então, 15% das novas vagas foram preenchidas por profissionais negros.
No Machado Meyer, outro escritório full service (que atende todas as áreas do Direito) sediado em São Paulo, a discussão racial começou em 2017 com o Incluir Direito, um projeto de mentoria de profissionais renomados a jovens estudantes negros da faculdade Mackenzie.
– O intuito é que jovens negros participem em condições de igualdade nos processos seletivos das principais sociedades de advogados – diz Carlos José Santos da Silva, sócio do Machado Meyer.
Busca por condições de igualdade
– Há, claramente, uma escassez de profissionais negros em cargos de destaque nos escritórios – diz Roberto Quiroga, um dos sócios do Mattos Filho.
Para ele, por trás da escassez estão problemas estruturais da sociedade brasileira. A começar pela baixa presença de negros no ensino superior, uma questão que começou a ser endereçada nas últimas duas décadas com políticas de cotas em instituições públicas e de bolsas nas particulares. Dos que vencem a barreira de entrada no ensino superior, poucos buscam empregos nos maiores escritórios.
– Muitos ainda pensam que esses locais não pertencem a eles. E, num ambiente movido por conexões entre pessoas como é o Direito, infelizmente jovens negros fogem do radar dos recrutadores dos grandes escritórios – diz Quiroga.
Tudo indica que, no futuro, mais experiências como as dos três escritórios de advocacia serão realidade no país. Um termômetro disso é a demanda por esses programas, gerando também oportunidades de negócios. A Empregue Afro, fundada em 2013, tem como meta bater R$ 1 milhão em faturamento este ano. No rol de clientes estão gigantes da tecnologia como IBM, HP, Microsoft e Google, além de varejistas como Burger King, GPA, Natura, e bancos como Bank of America e Citibank.
– A inclusão racial é uma tendência sem volta nas empresas. Pesquisas mostram que ampliar a diversidade pode aumentar a produtividade dos funcionários – diz Patrícia dos Santos, fundadora do Empregue Afro.