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Por Karen Garcia


Roberta Renand, de 36 anos, se surpreendeu ao participar de um processo seletivo igualitário e ser aprovada numa fábrica que respeita o seu nome social  Acervo Pessoal — Foto:
Roberta Renand, de 36 anos, se surpreendeu ao participar de um processo seletivo igualitário e ser aprovada numa fábrica que respeita o seu nome social Acervo Pessoal — Foto:

RIO — Uma batida policial em um bar de Nova York na noite de 28 de junho de 1969 mudou o curso da história da comunidade LGBTQ+ (lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, questionados ou queers e outras categorias).

Numa época em que a homossexualidade era criminalizada e perseguida, a população respondeu à invasão truculenta da polícia no bar gay Stonewall Inn com seis dias de manifestações.

O levante representou um marco para a luta por direitos civis para pessoas LGBTQ+, gerando conquistas no acesso à saúde, a criminalização da homofobia, e o direito de uso do nome social.

Também é a origem de políticas de diversidade no mercado de trabalho, observa o professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Thiago Amparo:

— É importante entender que a população LGBTQ+ foi historicamente discriminada pela sociedade e assediada pelas autoridades policiais. O movimento de Stonewall, protagonizado por drag queens, mulheres trans e latinas, inspira as paradas de orgulho ao redor do mundo e a comunidade LGBTQ+ a sair das sombras e ir para as ruas buscar por direitos publicamente em todas as áreas, inclusive a profissional.

Amparo explica que o preconceito contra pessoas LGBTQ+ ainda faz com que muitas empresas não contratem profissionais devido à orientação sexual e identificação de gênero. Essa discriminação cria uma desigualdade econômica em comparação a pessoas heterossexuais. E as empresas perdem talentos.

Levantamento do Linkedin e da consultoria de pesquisa Opinion Box realizado no ano passado mostrou que 35% das pessoas LGBTQ+ dizem já ter sofrido preconceito no mercado de trabalho.

— Essas pessoas encontram dificuldades no acesso ao emprego em diferentes níveis, especialmente a população transgênero. Muitas vezes têm dificuldades de qualificação formal, sofrem discriminação em processos seletivos e com o desrespeito ao seu nome social nas empresas.

Se, por um lado, 50% dos entrevistados responderam que já se assumiram totalmente a colegas de trabalho sua orientação ou identidade de gênero, por outro, um em cada quatro nunca contou a ninguém. Para 22% dessas pessoas o que explica essa decisão é o medo da represálias.

Diversidade como inovação

Essa realidade começa a mudar com cada vez mais empresas interessadas em políticas de diversidade, o que já se provou eficaz na melhoria de resultados.

Na visão da diretora de Recursos Humanos da Messer Gases, Fernanda Chilotti, a busca por diversidade nas empresas tem como objetivo criar um ambiente mais confortável para os seus colaboradores de modo que eles entreguem melhores resultados e promovam inovação em seus setores.

— Quando o colaborador pode ser inteiramente o que ele é em seu ambiente de trabalho, tende a estar com o seu foco inteiro no que a companhia precisa. A consequência é ter um melhor desempenho. O impacto na vida do trabalhador influencia o impacto financeiro da companhia.

Formada em Psicologia, com MBA em Empreendedorismo e Novos Negócios, Fernanda atua na área de RH há 20 anos. Um dos pilares do seu trabalho é o engajamento da força de trabalho com estímulo à diversidade como fator de atração e retenção de talentos.

De acordo com a executiva, a necessidade de reinvenção da indústria, por exemplo, em um cenário de queda de produtividade e necessidade de atualização de processos, poderia se beneficiar da busca por diversidade.

— A atividade industrial no Brasil vem caindo nos últimos anos. As empresas perceberam que precisavam se reinventar. Olhares e bagagens diferentes vêm de pessoas com trajetórias distintas. E só através da diversidade é possível alcançar inovação e disrupção dentro da indústria.

Um lugar no coração da fábrica

Com o propósito de construir uma cultura de diversidade, a 3M Brasil foi uma das empresas a assinar, em 2016, a Carta de Adesão à Promoção dos Direitos Humanos de Pessoas LGBT no Mundo do Trabalho. Há dois anos e meio, a empresa contratou a primeira funcionária trans na unidade de Manaus.

Roberta Renand, de 36 anos, conta que se surpreendeu ao participar de um processo seletivo igualitário, no qual foi a escolhida por conta da sua experiência e não por sua identificação de gênero.

Como operadora de produção na linha de fabricação de cintos de segurança, ela conta que os conhecimentos como costureira ajudam a ter destaque em suas atividades.

Roberta conta que o fato de trabalhar em uma empresa de grande porte, ser chamada por seu nome social, usar o banheiro feminino e ser respeitada por seus colegas de trabalho a motiva a seguir estudando para alavancar sua carreira.

— Além do meu empenho, tenho um bom conhecimento em cálculos e medidas, coisas que eram muito comuns no ramo da costura. Eu me sinto bem porque amo o que faço. Penso em estudar engenharia de processos para crescer na empresa.

Em um cenário onde a expectativa de vida da população trans é de 35 anos, tamanha a violência que esse grupo ainda sofre, Roberta diz que o apoio da família, amigos e colegas de trabalho são essenciais para ir atrás de seus objetivos e se desenvolver enquanto profissional.

— A primeira vez que minha carteira foi assinada me marcou muito. Mas a minha conquista mais recente foi a compra de um apartamento em meu nome. Comprovei renda, usei meu FGTS e essa é mais uma vitória. Isso me dá gosto e a visão de que tenho que lutar para seguir avançando.

No Brasil, 23% da população ainda é LGBTfóbica, de acordo com pesquisa realizada pelo Pew Research Center, instituto de pesquisa norte-americano, divulgada na última semana.

Apesar de a aceitação ter aumentado nos últimos sete anos, o país ainda se configura como um dos mais violentos para pessoas LGBTQ+ no mundo.

Para Fernanda Chilotti, as corporações ainda estão engatinhando na agenda de diversidade. É preciso avançar na sensibilização de seus funcionários para que a transformação ocorra além dos muros das fábricas e escritórios e não fique só em apresentações bonitas, avalia a executiva:

— Esses eventos históricos, como o assassinato de George Floyd e Stonewall, por mais duros que sejam, trazem a agenda para o diálogo. Muitas vezes é uma discussão difícil, mas ela precisa acontecer e ser exercitada.

Ela continua:

— As empresas precisam trabalhar na compreensão da História brasileira, de como esses preconceitos se estruturam. E que cada empresa mergulhe na sua própria história para desenvolver o melhor processo de transformação.

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