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Economia

'Centralizar cadastro do Bolsa Família no governo federal é retrocesso', diz economista sobre plano de Bolsonaro

Segundo Ricardo Henriques, um dos criadores do benefício, decisão vai na contramão da política social moderna
Economista Ricardo Henriques diz que centralizar cadastro do Bolsa Família em aplicativo é retrocesso Foto: André Lima / Agência O Globo
Economista Ricardo Henriques diz que centralizar cadastro do Bolsa Família em aplicativo é retrocesso Foto: André Lima / Agência O Globo

RIO — Superintendente do Instituto Unibanco e um dos criadores do Programa Bolsa Família, Ricardo Henriques diz que centralizar na esfera federal o cadastro , por meio do aplicativo, como sugere o governo, vai na contramão da política social moderna, que busca descentralizar o atendimento:

— É antigo, é ultrapassado. Há muita evidência na experiência internacional e até nacional que mostra que centralizar piora a qualidade da política pública.

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O governo quer centralizar o cadastro e fazer por aplicativo. Quais as consequências dessa medida?

O cadastro social do país é muito mais amplo que a dimensão de renda. Na verdade, ser um cadastro só de renda aumenta, e muito, a chance de se ter só uma visão assistencialista, sem enxergar as condições de vulnerabilidade que precisam ser enfrentadas pelos três entes federativos. E tende a ser punitivo para os mais pobres, pois diminui o repertório da política social que pode ser mobilizado. É um retrocesso.

Mas a tecnologia não pode ajudar?

A questão não é essa. O meio virtual pode estar a favor disso. O grande problema é não ter a participação dos municípios. A tecnologia pode agilizar algumas coisas, mas a provisão da política social é feita pelos braços do município e do estado. Esvazia o princípio administrativo dos últimos 30 anos, de um sistema único de assistência social.

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Quais os riscos dessa centralização?

O maior problema é desconectar da rede de política social instalada nos municípios. Esse é o maior problema, retroceder dessa conquista de décadas que foi instalar uma inteligência e uma gestão da política nas esferas municipal e estadual. Retira a capacidade de articular a política de transferência de renda com a política social. Enfraquece a possibilidade de transformação social.

A população vulnerável fica mais dependente da política de renda sem contrapartida da política social. A visão contemporânea tem o princípio de compartilhamento entre os entes federados.

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O que poderia melhorar o cadastro?

Deveria ser feito o contrário. A preocupação deveria ser integrar o cadastro, aumentar a coordenação para melhorar a provisão dos serviços, com todo mundo identificado por um único número, o CPF ou o NIS (Pis/Pasep), que seria mapeado pela saúde, pela assistência social e até pelo transporte. A atualização do cadastro poderia até ser virtual.

Quais os efeitos dessa falta de articulação entra as políticas de renda e sociais?

Reduz o poder de emancipação da sociedade. A população vulnerável fica com menor condição de mobilidade social efetiva, para essa geração e para os filhos dessa geração.