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Economia

'Ciclo atual de commodities é melhor do que nos anos 2000, mas emprego será o último a reagir', diz Mendonça de Barros

Economista prevê que país vá chegar "em velocidade de cruzeiro" em 2022, com efeitos no cenário eleitoral
O economista e engenheiro Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-presidente do BNDES e ex-ministro das Comunicações Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo/22-2-2019
O economista e engenheiro Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-presidente do BNDES e ex-ministro das Comunicações Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo/22-2-2019

RIO — Ex-ministro das Comunicações e ex-presidente do BNDES, o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros avalia que analistas “não deram bola” para o superciclo das commodities , que considera muito mais forte agora do que aquele dos anos 2000.

Por isso, na opinião dele, o crescimento de 1,2% do Produto Interno Bruno (PIB) no primeiro trimestre , revelado nesta terça-feira pelo IBGE, ficou acima do previsto no mercado financeiro.

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Em entrevista ao GLOBO, ele avalia que as projeções para o PIB deste ano vão subir para perto de 6%.  A instabilidade política pouco afeta a economia, na opinião dele.

“O brasileiro é cínico em relação a isso”, diz o economista. Mas ele adverte que os bons números da economia vão ter efeito nas eleições de 2022, “sem dúvida”.

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O economista afirma que a crise energética atual não pode ser comparada com a de 2001, no governo de Fernando Henrique Cardoso, do qual fez parte.

Mendonça de Barros lembra que, naquela época, em que houve racionamento, não havia linhas de transmissão para trazer a energia do Norte para o Sudeste: “Agora tem. Chover no Norte é como chover no Sudeste”.

Veja a seguir os principais trechos da entrevista.

Esperava essa reação do PIB?

O PIB foi uma surpresa. Veio muito forte. Eu, que sou otimista, estava com 0,90%. Ontem, saiu o PIB de São Paulo, com alta de 1,3%. Como o estado responde por 40%, já se sabia que viria uma aceleração, mas não desse tamanho. É recuperação impressionante.

A que atribuir essa recuperação, no auge da pandemia, com uma segunda onda muito forte?

O analista tem de deixar o fígado de lado.  Já havia indicadores que mostravam isso (recupação econômica). O mais importante deles, que ninguém deu bola, é esse superciclo de commodities .

Eu vivi o primeiro ciclo, em 2004 e 2005 (no governo Lula), e foi um momento em que eu resolvi tirar o fígado da análise.

Sou tucano, tinha trabalhado no governo e no começo não percebi que tinha dois dados novos:  o primeiro foi o superciclo de commodities e o segundo é que o PT deu um cavalo de pau na economia. (Henrique) Meirelles para tomar conta do Banco Central.

Eu levei tempo para perceber, perdi um monte de dinheiro. Eu estava achando que o dólar ia explodir, e o dólar voltou. E, desta vez, esqueceram-se que o ciclo de commodities é mais forte do que foi naquela época.

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Esse foi o erro de análise na sua opinião?

Eu acho que esse foi o grande erro dos analistas. Deram uma importância muito grande para questão fiscal, esquecendo que uma das razões da deterioração fiscal foi a recessão que nós tivemos. E que, portanto, o ciclo de commodities arrastaria junto a melhoria fiscal, como aconteceu. Foi basicamente esse erro que foi cometido.

“O Brasil em 2022 pode estar na velocidade de cruzeiro máxima dele. E aí vai começar a mexer em emprego. Mesmo o analista político vai começar a corrigir suas opiniões. Vai ter efeito eleitoral, não tenha dúvida.”

Luiz Carlos Mendonça de Barros
ex-ministro das Comunicações

Tanto que a gente vai ver agora, vai sair todo mundo correndo para expandir as projeções para a economia, vai aparecer previsão de PIB de 6% (de crescimento em 2021).

Já tinha aparecido PIB de 5% e vai aparecer 6%. Se vai dar ou não, eu não posso te dizer, mas acho que faz sentido. Se aparecer 6%, vai aparecer (projeção) de 3% para o PIB do ano que vem.

Esses 6% são fajutos, porque o PIB caiu muito no ano passado. O que é relevante para olhar para a eleição (de 2022) é olhar para a expectativa de PIB do ano que vem, que não tem esse efeito estatístico. E vai aparecer 3%, que é o limite da nossa economia.

O Brasil em 2022 pode estar na velocidade de cruzeiro máxima dele. E aí vai começar a mexer em emprego. Mesmo o analista político vai começar a corrigir suas opiniões. Vai ter efeito eleitoral, não tenha dúvida.

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Qual o efeito desse crescimento na eleição?

Vai mexer, e tem um aspecto que precisa ser considerado também que é a situação das vacinas. Vamos chegar no fim do ano sobrando vacina. É uma mudança de quadro econômico e de opinião pública muito relevante para se olhar.

A recuperação é consistente?

Eu acho que sim. Tem coisas menores, o dólar já está a R$ 5,18 (no início da manhã desta terça-feira). Agora vai abaixo de R$ 5.

“O dólar vai abaixo de R$ 5. A recuperação é no mundo todo. Não é só um superciclo de 'commodities'. É um período de crescimento acelerado no mundo todo”

Luiz Carlos Mendonça de Barros
ex-ministro das Comunicações

Saíram os dados no Europa, a recuperação é no mundo todo. Não é só um superciclo de commodities . É um período de crescimento acelerado no mundo todo.

O setor de serviços está sem funcionar plenamente desde março do ano passado. Nesse caminho, muitas empresas vão ficando para trás.

O capitalismo é assim. Tem muita empresa fechando, mas tem muita coisa nova aparecendo. Novas empresas. Essa infelizmente é uma das lições que a gente tem da destruição criativa.

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A instabilidade política não está afetando a economia como se esperava?

Não afeta no Brasil. O brasileiro é muito cínico em relação a tudo isso. O que importa mesmo é chegar no emprego, e vai chegar. Devagar, nenhuma maravilha, mas vai começar a melhorar.

O PIB está avançando, mas o emprego está numa direção contrária?

Mas isso está no protocolo de crises como essa. O emprego é o último a reagir. Uma coisa importante de olhar agora é a expectativa dos agentes econômicos, do empresário, do consumidor. A dos empresários já começou a subir. Isso cria um ciclo positivo.

Estou procurando fazer uma análise realista, tomando remédio para o meu fígado.  Apesar desse governo meio neurótico, as instituições funcionam.

“(Instabilidade política) não afeta no Brasil. O brasileiro é muito cínico em relação a tudo isso. O que importa mesmo é chegar no emprego, e vai chegar”

Luiz Carlos Mendonça de Barros
ex-ministro das Comunicações

O Banco Central tem equipe extraordinária lá, a equipe do Tesouro, (isso) não está contaminado. Tem uma diferença do imaginário que se tem do governo e o governo funcionando na prática.

O próprio ministro Paulo Guedes deve ter passado por uma autocrítica muito grande, porque está mais humilde, mais realista, acordou para questão social.

Há o risco de racionamento de energia?

Aqui tem um aspecto importante, porque está todo mundo associando a crise hídrica àquela que ocorreu em 2001.

Esta semana houve a maior enchente da história de Manaus. Está sobrando água no Norte.

Qual foi o problema em 2001? Não tinha linhão ligando as hidrelétricas do Norte com as do Sudeste. Por isso que deu apagão. Desta vez, tem, tanto que água que está lá em Manaus é como se fosse água aqui no Sudeste. Agora, se isso é suficiente ou não, vamos ver.

Mas não dá para comparar a crise energética de agora com a de 2001. Incrível como há uma geração de analistas que, ou pensa com o fígado, que está contra Bolsonaro, ou com o padrão fiscal, que só olha para isso.

E a economia é muito mais que isso. A enchente de Manaus é fundamental hoje para entender a crise.