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Economia

Com crescimento dos negócios, chineses mudam imagem para ampliar influência no Brasil

De olho em mais oportunidades, imigrantes do país asiático investem em projetos como o de uma Chinatown em SP
Legado comunitário:Padre Lucas Xiao, da missão católica, passou metade de seus 48 anos no Brasil. Vê interesse de compatriotas em contribuir com o país nas doações: “Com um bom projeto educacional, sempre há dinheiro dos chineses” Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo
Legado comunitário:Padre Lucas Xiao, da missão católica, passou metade de seus 48 anos no Brasil. Vê interesse de compatriotas em contribuir com o país nas doações: “Com um bom projeto educacional, sempre há dinheiro dos chineses” Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

SÃO PAULO — A China tornou-se o maior parceiro comercial e investidor do Brasil, com US$ 60 bilhões aportados em uma década. A criação do Brics — grupo de nações emergentes que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul — abriu um canal privilegiado entre Brasília e Pequim, que resultou em ações conjuntas em diversas áreas.

Agora, de olho em mais oportunidades de negócios, os chineses que vivem em solo brasileiro investem para ganhar uma nova imagem e maior influência no país. Esse movimento é capitaneado por uma parcela importante dos mais de 300 mil chineses que vivem em São Paulo e buscam ter mais relevância econômica, peso político e influência social.

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— A comunidade tem cada vez mais interesse em fazer uma abertura, de mostrar o que é a cultura chinesa, mostrar uma nova China e deixar um legado para um país que acolheu tão bem esta comunidade, que já chega a 350 mil pessoas, 80% dos chineses no país — diz Thomas Law, presidente do Instituto Sociocultural Brasil-China (Ibrachina), uma das lideranças desse movimento, que encabeça um ambicioso projeto para a construção de uma Chinatown na capital paulista, com investimentos de R$ 150 milhões.

As comemorações do aniversário de São Paulo acontecerão neste ano em conjunto com a celebração do início do ano novo chinês, o ano do rato, no próximo dia 25. A China será o tema de uma das escolas de samba da capital paulista no Carnaval. Em outubro, será a vez de os paulistanos comemorarem o Festival da Lua, o segundo maior feriado do gigante asiático, realizado pela primeira vez no país.

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Mais do que coincidências, tais iniciativas marcam essa nova postura da comunidade chinesa na maior cidade do país. Até pouco tempo, a colônia era muito fechada e fragmentada. Existem 50 associações chinesas em São Paulo, muitas fundadas na década de 1950, mas elas são desconhecidas pela imensa maioria dos paulistanos. Hoje, os chineses já são a quarta comunidade estrangeira na cidade.

Integração

Integrante da missão católica chinesa no país, o padre Lucas Xiao, de 48 anos, 24 deles vividos na capital paulista, explica que as atividades promovidas agora por representantes da comunidade têm por objetivo servir chineses e brasileiros:

— Vemos muitos empresários chineses doando R$ 500 mil, R$ 750 mil, para projetos de educação.

O centenário colégio São Bento, ao lado do histórico mosteiro que hospedou o Papa Bento XVI em sua última visita ao Brasil, é um exemplo dessa interação. Atualmente, 30% dos alunos são de origem chinesa. Há cursos de português para crianças estrangeiras e de mandarim para brasileiros, além de dez professores chineses.

Ali, as salas makers , de experimentos, a reforma da piscina, a sala de computação e a estrutura da educação infantil foram doados pela comunidade chinesa.

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— Há pais brasileiros que colocam seus filhos na escola apenas para ter acesso ao mandarim e aos colegas chineses — disse Daniel Paulo de Souza, diretor do colégio.

A economia em torno da nova leva de chineses imigrantes também está mais diversificada do que as antigas lojas de bugigangas e pastelarias. É possível escolher restaurante chinês por região do país asiático. E essa nova onda quer chegar na arena política:

— Queremos líderes chineses na política, que sejam candidatos a vereador já neste ano — diz William Woo, ex-deputado filho de chineses, neto de japoneses e casado com uma coreana, que preside a Associação Amizade Brasil-China.

Um grupo de empresários chineses e brasileiros está por trás do projeto de criação de uma Chinatown em São Paulo, o primeiro bairro chinês do país. Inspirado em distritos voltados para a gastronomia e cultura chinesas em grandes capitais do mundo, como o de Nova York, o plano prevê o investimento de R$ 150 milhões na criação de um polo comercial do gênero.
Um grupo de empresários chineses e brasileiros está por trás do projeto de criação de uma Chinatown em São Paulo, o primeiro bairro chinês do país. Inspirado em distritos voltados para a gastronomia e cultura chinesas em grandes capitais do mundo, como o de Nova York, o plano prevê o investimento de R$ 150 milhões na criação de um polo comercial do gênero.

Estereótipo persiste

Um dos objetivos do grupo é acabar com os estigmas que ainda rondam os chineses. Para muitos brasileiros, eles ainda estão associados aos comerciantes de itens populares, muitos contrabandeados.

Thomas Law, por exemplo, apesar de ser um advogado reconhecido e ter integrado a comitiva parlamentar que acompanhou o presidente Jair Bolsonaro à China em 2019, é identificado por muitos como filho de Law Kin Chong, o famoso comerciante chinês que já foi preso por suborno e acusado de contrabando.

— Vemos que a comunidade ainda sofre muito preconceito. Mas, assim como a China, está mais aberta. Os chineses estão lutando por seu espaço em São Paulo — diz a vereadora Soninha Francine (Cidadania), criadora da Frente Parlamentar Brasil, China, Coreia e Japão na Câmara paulistana.

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Wong Chiu Ping, cardiologista de 83 anos, reconhece o movimento. No Brasil desde 1951 — quando, aos 15, chegou com a família após 83 dias num navio, fugindo da revolução comunista —, virou um dos mais proeminentes membros da comunidade, após dirigir a cardiologia do Hospital da USP e atuar, até hoje, no hospital Sírio-Libanês.

— A comunidade está muito mais aberta e participativa. Isso é bom para nós e para os brasileiros — diz.