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Economia

Com frio e seca, preços dos alimentos devem voltar a pressionar inflação junto com luz e combustíveis

Clima reduz produtividade no campo em até 45% e terá impacto para o consumidor
Com frio e seca, preços dos alimentos devem voltam a pressionar inflação junto com luz e combustíveis Foto: Luca Erbes/Futura Press / Agência O Globo
Com frio e seca, preços dos alimentos devem voltam a pressionar inflação junto com luz e combustíveis Foto: Luca Erbes/Futura Press / Agência O Globo

SÃO PAULO E RIO -  Há dois meses um caminhão-tanque rega pés de laranja, tangerina, limão, macadâmias e abacateiros na Fazenda Lagoa, em Brotas (SP). É a primeira vez em 20 anos que as árvores adultas precisam ser molhadas para não morrerem com a seca. A partir de hoje, o caminhão vai circular durante a madrugada.

Com previsão de temperaturas perto de zero grau, o pomar será pulverizado com água para derreter a camada de gelo formada pela geada. Só assim é possível evitar que as plantas queimem com os primeiros raios de sol.

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— Nunca vi uma seca como essa. Ano a ano está mais seco e mais quente. E agora vieram as geadas. O clima está do avesso — diz Eder Marciano, gerente de 6 mil hectares em fazendas nas cidades de Botucatu, Bauru e Ocauçu, além de Brotas.

A consequência dos eventos climáticos extremos, como a seca ou geada, é o impacto nos preços dos alimentos. O economista Sérgio Vale, da MB Associados, afirma que o consumidor vai sentir primeiro o aumento nas hortaliças e frutas.

Segundo ele, em vários outros produtos, só será possível voltar ao equilíbrio na próxima safra:

— O cenário do segundo semestre é de aumento de preços, justamente no momento em que o país terá a população vacinada e um retorno mais intenso do consumo.

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A inflação desse grupo de produtos vinha perdendo força este ano, depois de ter respondido por boa parte da inflação de 2020. As expectativas eram que os preços dos alimentos se estabilizassem. O que não está se confirmando.

Geada prejudica agricultores Foto: Fotoarena / Agência O Globo
Geada prejudica agricultores Foto: Fotoarena / Agência O Globo

Ainda refletindo a alta de alimentos de 2020, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA-15, a prévia da inflação) está em 8,59% no acumulado em 12 meses até julho. O mercado espera que a inflação oficial recue a 6,56% até o fim do ano.

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Há um mês, porém, a projeção era de 5,97%. Há 16 semanas, os analistas vêm subindo gradativamente as projeções de inflação.

A alimentação deu uma trégua, a ponto de a taxa acumulada ter caído de 18,04% para 15,27% em 12 meses. Nos últimos meses, os vilões da inflação foram energia elétrica e combustíveis, pressões que devem se manter nos próximos meses, juntando-se à esperada alta nos preços dos serviços, com avanço da vacinação e o fim das restrições de funcionamento, explica o economista da Fundação Getulio Vargas (FGV) André Braz:

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— Por causa do aumento da bandeira tarifária, a energia já subiu 8,5% em julho e deve subir mais 4% em agosto. O que fará o preço dos serviços subirem. E agora esperamos alta nos alimentos também.

Ele diz que nesse trimestre, hortaliças e carnes (que subiram 35,15% em 12 meses) devem ficam mais caras:

— Com a seca, sem pastagens, tem que usar ração para alimentar o gado, o que aumenta o custo. A seca no Estados Unidos, grande produtor de soja e milho, também está durando mais que o esperado, o que afeta o preço internacional dos grãos, que tinha começado a ceder lá fora.

Volta às aulas influencia

Flavio Godas, economista da Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), afirma que a volta às aulas presenciais é outro fator de pressão, pois aumentará a demanda de produtos para merenda escolar:

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— A expectativa é de redução de oferta, de qualidade e elevação de preços. As compras institucionais para as escolas também devem encarecer os produtos.

A Ceagesp adquire produtos de 1.480 municípios brasileiros. Segundo Coda, a última geada, no dia 20, foi generalizada e atingiu até mesmo regiões quentes do estado de São Paulo, como São José do Rio Preto e Ribeirão Preto.

O resultado foi um aumento de 20%, principalmente nos preços das verduras, como alface, agrião, escarola e rúcula.

Em São Paulo, a seca de 2020 se prolongou até o fim de novembro. Este ano, começou em abril e a previsão é que chova só em outubro.

Tirso Meirelles, vice-presidente da Federação de Agricultura do Estado de São Paulo, afirma que, neste ano, houve perdas no estado de até 35% na segunda safra de milho e redução entre 40% e 45% na produtividade das lavouras de laranja, cana e café.

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Na última geada, em 20 de julho, as perdas de hortaliças e frutas chegaram a 90% na região de Botucatu e Bauru.

Geada prejudca agricultura Foto: Fotoarena / Agência O Globo
Geada prejudca agricultura Foto: Fotoarena / Agência O Globo

Em Minas Gerais, que registrou neste mês a maior geada dos últimos 20 anos, pelo menos 30% das lavouras de café foram atingidas. Algumas fazendas perderam até 80% dos cultivos, e estimativas apontam para uma redução de pelo menos 7 milhões de sacas até agora.

Esta semana, a previsão de nova geada levou produtores de São Paulo, Minas Gerais e Paraná a anteciparem a colheita. No caso dos frutos, eles chegarão ao consumidor menores.

— Vai precisar de mais laranja para fazer um litro de suco — resume Meirelles.

Cana não resiste a frio

Pablo Nitsche, pesquisador do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná, explica que, além da seca e da geada, as temperaturas estão cada vez mais altas. Em outubro passado, o Paraná bateu todos os recordes de temperatura, e a estiagem atrasou o plantio de soja.

— No Norte do estado, as temperaturas chegaram a 38,5°C na sombra. No campo, no solo exposto, passa de 50°C, 60°C — diz Nitsche, lembrando que a rentabilidade dos agricultores cai.

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Segundo Fábio Marin, professor do Departamento de Engenharia de Biossistemas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP, geadas não são comum em São Paulo.

Marin explica que tanto o calor quanto o frio intenso afetam a fisiologia das plantas, que passam a ter ciclos mais curtos e menos produtividade. Até mesmo a cana, considerada mais resistente e que representa a maior extensão de área plantada no estado (perde só para pasto), pode morrer com o frio.

Abaixo de 12ºC, a cana entra em dormência, deixando de fazer fotossíntese e acumular açúcar, mas retoma quando a temperatura volta a subir. Com menos de 5°C, a fotossíntese é interrompida e não retoma —o pé sofre lesões, com a morte de folhas. Com termômetros entre 1°C e 2°C, ela morre e precisa ser cortada.

(Colaborou Cássia Almeida)