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Economia

Com maior consumo de vinho em casa, produtores nacionais embarcam no ‘delivery’

Na quarentena, vinícolas dispensam intermediários, criam canais para encomenda e recorrem até ao WhatsApp
Área de armazenagem da vinícola Don Bonifácio Foto: Divulgação
Área de armazenagem da vinícola Don Bonifácio Foto: Divulgação

RIO - Sem idas a restaurantes, festas ou àquela lojinha de bebidas do bairro, os brasileiros passaram a consumir mais vinho em casa. As medidas de distanciamento social para conter o avanço da pandemia estão impulsionando em especial as vendas da produção nacional por meio do comércio eletrônico e até mesmo pelo WhatsApp. Muitas vinícolas dispensaram intermediários e criaram canais para o consumidor encomendar a bebida diretamente da fonte, com a comodidade de receber as garrafas em domicílio por preços convidativos.

Em abril, a venda total de vinhos finos e espumantes nacionais subiu 9,6% na comparação com março, embora tenha ficado 9,5% abaixo do registrado em abril de 2019, segundo dados da União Brasileira de Vitivinicultura (Uvibra), com estabelecimentos comerciais fechados. Separadas as categorias, os vinhos saltaram 30% na comparação anual, mas os espumantes tombaram 59%.

Comprando vinho na quarentena : um mundo de rótulos na rede que chegam de elevador

— De um lado, perdemos vendas em hotéis, bares, restaurantes e, principalmente no caso do espumante, para festas e eventos. Mas ganhamos nos supermercados. E as vendas on-line feitas diretamente pelas vinícolas ao consumidor subiram 80% nos últimos dois meses em relação a igual período de 2019 — conta Deunir Luís Argento, presidente da Uvibra e à frente da vinícola Luís Argento, em Flores da Cunha, no Rio Grande do Sul.

Essa linha direta com os produtores foi escolhida pelo professor carioca Gilberto Lopes Barbosa, de 57 anos, para renovar a adega em casa. Ele costuma comprar vinhos em uma loja especializada em Copacabana, na Zona Sul do Rio, que está fechada em razão da pandemia. Para repor as garrafas que costuma dividir com a mulher, entrou em contato com o produtor.

— Consegui com um amigo o contato da Quinta Don Bonifácio, de Caxias do Sul (RS). Fiz o pedido diretamente a eles. Foi uma compra maior que a de costume, mas os preços foram melhores por garrafa e consegui redução no frete — conta ele.

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A demanda de clientes como Barbosa levou a Quinta Don Bonifácio a lançar sua loja digital no meio da pandemia. Até então, diz a diretora comercial Marina Libardi, a vinícola gaúcha vendia apenas pelo WhatsApp.

— Temos venda presencial por causa da visitação, que foi interrompida na pandemia. Mas a demanda por WhatsApp cresceu tanto que lançamos o e-commerce há um mês. A maioria das vinícolas está se reinventando para continuar — afirma. — Sem eventos, as vendas de espumantes, que equivalem à metade do total do que comercializamos, caíram 80%. Já as de vinho, com o canal on-line, ficaram equilibradas.

Frete facilitado

A Don Laurindo, outra cave da região gaúcha do Vale dos Vinhedos, viu as vendas pelo site dobrarem em abril em relação ao mesmo mês do ano passado, diz Moisés Brandelli, diretor e enólogo da vinícola:

— Há um volume crescente de novos consumidores. Nossas vendas de varejo foram abaixo na pandemia. O e-commerce devolve perto de 40% dessa perda. Isso mantém toda a cadeia produtiva rodando. Nós negociamos com as transportadoras valores melhores, aproveitando datas especiais, ajudando o consumidor.

A Don Laurindo isenta de frete quem leva a partir de seis garrafas. E presenteia quem faz compra superior a R$ 640 com o lançamento Merlot Memorável safra 2018. Já a Don Bonifácio criou kits promocionais e faixas de preço de frete diferenciadas. Para Argento, da Uvibra, abriu-se uma oportunidade para promover o vinho nacional:

— Essa venda ao consumidor tende a permanecer. O consumo de vinho vem crescendo de 8% a 10% ao ano no Brasil. De cada dez garrafas vendidas, uma é de vinho nacional. Se conseguirmos ampliar para duas nos próximos meses, salva o setor, compensando as perdas do momento.

As vendas de vinhos pela internet direto ao consumidor crescem também entre as importadoras. Na primeira quinzena de abril, o comércio eletrônico de rótulos nacionais e estrangeiros teve alta de 36% nos pedidos em relação aos primeiros 15 dias de março, quando o fechamento do comércio ainda não havia sido determinado na maioria das cidades, segundo dados da plataforma Nuvemshop. E o número de lojas virtuais especializadas cresceu 60% no período.

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O vinho brasileiro começa a ganhar mais espaço à mesa do brasileiro com dois incentivos: a alta do dólar que encarece os rótulos estrangeiros e o fechamento das fronteiras de grandes produtores, como Argentina e Uruguai, com o Brasil, em razão da pandemia, o que atrapalha o fluxo de mercadorias.

— Hoje, temos um aumento de procura nos vinhos de até R$ 40. Não quer dizer que os nacionais ficaram melhores, mas com dificuldades na entrada de vinhos importados, os nossos ganham mais espaço — diz a sommelier gaúcha Michelle Landgraf, da Divas do Vinho.

Mais opções de rótulos

Entre as vinícolas nacionais, quem tem maior escala avança com mais agilidade nesse cenário. A Miolo comemorou um aumento de 62% nas vendas on-line em abril ante igual período do ano passado. A marca, que já atua há oito anos na internet, vem intensificando ações para incrementar as vendas nesse canal, decisivas neste momento.

— Acreditamos que as vendas on-line deverão seguir em alta nos próximos meses. Estamos trabalhando numa nova plataforma e na oferta de kits que atendam à demanda deste consumidor que está em casa, além de frete grátis em todo território nacional para compras acima de seis garrafas e rótulos a partir de R$ 25 — conta Eduardo Lapenda, da Miolo.

A Famiglia Valduga é outra que já registra expansão de dois dígitos nas vendas, embora não abra os números.

— No produtor, há oferta maior de rótulos e safras. O tíquete médio caiu, porque as pessoas querem comprar vinhos de preço menor e com maior frequência. E já há pressão sobre o preço do frete, mas estamos conseguindo segurar. Não cobramos taxa para entregas no Sul e no Sudeste — relata Jones Valduga, diretor comercial da empresa e presidente da Aprovale, entidade que reúne 60 associados no Vale dos Vinhedos, sendo 28 vinícolas.