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Economia

Com Orçamento apertado, governo não tem dinheiro para ações contra enchente ou recuperação de estradas

Ministérios correm em busca de recursos para obras e serviços no ano eleitoral. Quadro é agravado por pressão para reajuste de servidores
Rodovia esburacada no Rio. Ministério da Infraestrutura diz que faltam recursos para recuperação e construção de estradas Foto: Custódio Coimbra / Arquivo / Agência O Globo
Rodovia esburacada no Rio. Ministério da Infraestrutura diz que faltam recursos para recuperação e construção de estradas Foto: Custódio Coimbra / Arquivo / Agência O Globo

BRASÍLIA — O aperto nas contas públicas já tem trazido reflexo para as ações do governo. Com orçamento apertado, ministérios que prestam serviços diretamente ao cidadão, como Infraestrutura e Cidadania, intensificaram os pedidos por recursos à Casa Civil e ao Ministério da Economia ainda no mês de abril, antes da metade do ano, de acordo com relatos feitos ao GLOBO por integrantes de diversas pastas.

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No Ministério do Desenvolvimento, é preciso dinheiro para obras de contenção de encostas e ações preventivas contra enchentes. Também faltam recursos para recuperar estradas na pasta de Infraestrutura. O quadro é acentuado pela pressão por reajuste de servidores.

A situação é reflexo da forma como foi montado o Orçamento deste ano. Ao mesmo tempo em que conseguiu liberar espaço no teto de gastos para bancar um Auxílio Brasil de R$ 400 (a um custo de R$ 89 bilhões) e montar uma vitrine eleitoral para o presidente Jair Bolsonaro, o governo não encontrou brecha para outras diversas ações dentro do Orçamento.

Emendas de relator

Além disso, o Congresso Nacional destinou R$ 16,5 bilhões a emendas de relator, que são gastos que privilegiam as bases eleitorais de parlamentares aliados ao governo federal, sem critérios técnicos para a alocação dos recursos. O resultado dessa equação é que diversas áreas do governo estão com recursos escassos ainda no primeiro semestre do ano.

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Após identificar uma piora na qualidade das estradas, o Ministério da Infraestrutura pediu R$ 3 bilhões para reforçar o orçamento do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). Os recursos do órgão passaram de uma média anual de R$ 11,7 bilhões no período 2013-2017 para R$ 6,6 bilhões no biênio 2021-2022.

A maior parte dos recursos solicitados pelo ministério será usada para a manutenção da malha viária federal e revitalização de 15 mil quilômetros de rodovias, incluindo serviços de sinalização e segurança viária.

Documento da pasta obtido pelo GLOBO afirma que as rodovias em boas condições caíram de 53% para 43% entre 2018 e 2021, ao passo que o índice de estradas consideradas ruins elevou-se de 22% para 32%.

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“Releva frisar que a falta de manutenção das rodovias federais acarretará consequências indesejáveis à atividade econômica e à sociedade como o aumento do custo do frete, perda de prazos na logística, elevação do custo operacional dos veículos, incremento do número de acidentes e do tempo de viagem, entre outras. Acrescente-se, ainda, que a reconstrução de vias danificadas supera em muito os valores que seriam desembolsados caso as intervenções ocorressem no seu devido tempo”, diz a pasta, ressaltando que diversas obras de construção e adequação de rodovias podem parar.

Falta dinheiro até para a Economia

Mas faltam recursos também no próprio Ministério da Economia. Nesta semana, a Receita Federal enviou um ofício ao Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) informando que não terá mais dinheiro para pagar o contrato com o órgão a partir de 12 de maio.

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O Serpro é responsável pelo processamento das declarações do Imposto de Renda e do pagamento das restituições. A empresa também presta serviços na consulta à Certidão Negativa de Débitos (CND) e ao CNPJ de empresas, além da validação de Notas Fiscais Eletrônicas, entre outros.

De acordo com o Serpro, porém, "não há qualquer risco de prejuízo ao processamento do Imposto de Renda ou ao pagamento de restituições aos contribuintes."

O orçamento do Fisco caiu de R$ 2,7 bilhões em 2021 para R$ 1,4 bilhão neste ano. Desde o fim do ano passado, os auditores da Receita Federal fazem manifestações contra esse corte e por um bônus nos seus salários.

Sem água no Nordeste

No Ministério da Cidadania, de acordo com documentos da pasta, faltam recursos para a implementação de cisternas e ampliação do Programa Alimenta Brasil.

O órgão diz que são necessários R$ 300 milhões para garantir o acesso à água para 177 mil famílias, com o objetivo de mitigar os efeitos pandemia do Covid-19 e a dificuldade do acesso permanente a recursos hídricos para consumo humano nas áreas rurais do semiárido e contribuir com a higienização básica das famílias.

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Recursos para a segurança hídrica também estão em falta no Ministério do Desenvolvimento Regional, de acordo com o órgão. A pasta disse que precisa de recursos, entre outros assuntos, para a Operação Carro-Pipa, que distribui água mensalmente para 2 milhões de pessoas, principalmente no interior do Nordeste.

No outro extremo, a pasta fala que precisa de recursos para projetos e obras de contenção de encostas em áreas urbanas, ação preventiva contra enchentes.

Em outras frentes, o governo ainda não encontrou uma saída para bancar o crédito subsidiado aos agricultores no Plano Safra no segundo semestre, e exportadores brasileiros também reclamam do programa que financia suas atividades.

Congelamento de promoções

No Itamaraty, o problema é o congelamento de promoções: “Persistindo este cenário, reduzem-se as motivações para que diplomatas almejem assumir maiores responsabilidades ou aceitem desafios, como o de servir em postos difíceis, alguns dos quais de grandes riscos para si e para os familiares que os acompanham”.

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O Ministério da Economia disse ao GLOBO que está ciente da situação de falta de recursos, que também enfrenta a questão e que trabalha em conjunto com os demais ministérios na busca da melhor solução.

“Destaca-se que é natural que a execução orçamentária inicie o ano mais restritiva e que vá afrouxando com o passar dos meses. Mais informações virão com a divulgação do próximo Relatório Bimestral de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias, em 20 de maio”.

Com a manutenção do nível de despesas obrigatórias (como salários e aposentadorias) e com as emendas parlamentares, o governo precisa cortar cada vez mais recursos de outras áreas (das chamadas despesas discricionárias). Neste ano, as despesas discricionárias (cerca de R$ 130 bilhões) equivalem a 7,4% dos gastos totais do Poder Executivo.

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Quando os gastos discricionários começam a ficar próximos de R$ 80 bilhões, analistas veem risco da chamada "paralisia" da máquina pública (shutdown), ou seja, o funcionamento prejudicado e dificuldade na oferta de serviços públicos.

Reajuste de servidores

Em entrevista à imprensa nessa quinta-feira, o secretário do Tesouro Nacional, Paulo Valle, afirmou que há limitações impostas pelo teto de gastos e lembrou que o governo já bloqueou R$ 1,7 bilhão em gastos não obrigatórios neste ano.

— Tem demandas de vários órgãos que não tiveram o orçamento atendido na plenitude. O Ministério da Economia é um dos mais afetados. Mas esse é o nosso trabalho, a gente acompanha o Orçamento e ver onde pode remanejar. Normalmente esse processo vai ficar mais claro a partir de julho, quando é possível ver quais despesas podem ser canceladas — disse.

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O governo ainda discute conceder um reajuste de 5% para os servidores públicos, com impacto de R$ 6,3 bilhões nas contas públicas neste ano. Como o espaço hoje é de R$ 1,7 bilhão, será preciso cortar essa diferença de outras áreas para fazer tudo encaixar no Orçamento.

Sem reformas estruturais, a situação não deve melhorar tão cedo. Segundo projeções oficiais do governo, os gastos obrigatórios vão recuar progressivamente nos próximos três anos, passando de 16,8% do PIB em 2022 para 16,1% do PIB em 2025. E os gastos livres devem recuar de 1,4% do PIB, em 2022, para 0,6% do PIB em 2025.