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Com pandemia, ações de ‘techs’ brasileiras ganham destaque na Bolsa

Valorização chega a superar 200% desde março. Empresas atraem investidores e ganham fundo próprio
Painel de ações da B3: valorização das ações de empresas de tecnologia é maior que 20% Foto: Nelson Almeida/AFP
Painel de ações da B3: valorização das ações de empresas de tecnologia é maior que 20% Foto: Nelson Almeida/AFP

SÃO PAULO — A pandemia de Covid-19 tornou a tecnologia crucial, com o avanço do e-commerce, das aulas via internet e do home office. Isso se refletiu no mercado acionário de todo o mundo: os papéis das empresas de tecnologia acumulam valorização expressiva desde março. De olho nesse movimento, surgiram até fundos de investimento apenas com ações de companhias do setor na carteira.

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— Desde o início da pandemia, houve um aumento da penetração da tecnologia no cotidiano das pessoas, seja via consumo, educação ou trabalho. As empresas desse setor permitiram a migração para o universo on-line e, por isso, tiveram uma performance excepcional — diz Jorge Junqueira, sócio da Gauss Capital, uma gestora independente.

Na B3, as ações ordinárias (ON, com direito a voto) da Locaweb, empresa brasileira de hospedagem de sites, serviços de internet e computação em nuvem, saltaram mais de 200% desde março. No caso da Sinqia, que desenvolve softwares, a alta foi de 56,3%.

No caso do varejo, com shoppings e lojas fechados a partir da segunda metade de março, cresceu o investimento no e-commerce de grandes redes, como Via Varejo, Magazine Luiza e B2W.

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Algumas, inclusive, buscaram recursos no mercado para fortalecer suas operações via web. Só a B2W e as Lojas Americanas, sua controladora, levantaram quase R$ 10 milhões com aumento de capital e emissão de ações com esse objetivo.

. Foto: Editoria de arte
. Foto: Editoria de arte

— Cresceu também a procura pelo desenvolvimento de sites ou os chamados marketplaces, uma espécie de shopping virtual, por empresas de menor porte, que precisavam ter exposição na internet após terem perdido o contato direto com o cliente — explica Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos, acrescentando que isso fez a demanda por serviços de tecnologia explodir.

Acima do Ibovespa

Esse fenômeno foi mundial. Os balanços do segundo trimestre das big techs americanas, quando a pandemia estava em forte expansão no Ocidente, foram muito positivos. A Amazon teve lucro de US$ 5,2 bilhões entre abril e junho, o dobro do registrado no mesmo período de 2019. A Appleteve alta de 12% em seus ganhos, para US$ 11,25 bilhões.

— A receita dessas big techs no segundo trimestre veio US$ 20 bilhões acima do que os analistas de mercado projetavam — diz Carlos Daltozo, analista de renda variável da consultoria Eleven Financial.

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Com isso, as ações da Amazon subiram mais de 60% de janeiro a julho, enquanto as da Apple tiveram ganho superior a 40%. A Bolsa eletrônica Nasdaq, que concentra os papéis de tecnologia, subiu 16,4% no mesmo período.

A gestora de investimento Vítreo lançou dois fundos com papéis de empresas de tecnologia. O primeiro, chamado Vitreo Tech Select, investe em ações das gigantes Amazon, Apple, Microsoft, Netflix, Facebook e Google.

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A aplicação inicial é de R$ 5 mil, com taxa de administração de 0,9%. Não é preciso abrir conta no exterior, e o fundo está atrelado à variação do dólar.

— Tecnologias baseadas em streaming, cloud computing e inteligência artificial ganham cada vez mais importância. E as big techs estão entre as empresas que mais investem nisso no mundo — diz George Waschmann, sócio da Vítreo, lembrando que o interesse dos brasileiros por esses papéis foi expressivo, e o fundo já captou mais de R$ 100 milhões desde o lançamento, em junho.

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O outro é o Tech Brasil, lançado em julho, com papéis de empresas brasileiras do setor, entre elas Locaweb e Totvs. O investimento inicial também é de R$ 5 mil, com taxa de 0,9%. No segundo trimestre, a Locaweb teve lucro de R$ 12 milhões, salto de 148% frente ao mesmo período de 2019.

Waschmann conta que a decisão de criar o Tech Brasil veio de um exercício estatístico. A gestora Brasil Capital elaborou um índice apenas com as principais empresas nacionais do setor.

Na comparação com o Ibovespa, principal índice do mercado de ações brasileiro, ele rendeu 4,3 vezes mais entre junho de 2018 e junho de 2020. O fundo já captou mais de R$ 25 milhões e atraiu 2.200 cotistas.

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Diversificar é crucial

Entre as techs brasileiras com ações na B3 estão a Linx, especializada em tecnologia para varejo; a Totvs, que desenvolve sistemas de gestão para empresas; e a Cielo, das populares maquininhas.

Suas rivais Stone e PagSeguro só tem papéis em Bolsas dos EUA. Estas sofreram o impacto do fechamento do varejo, que reduziu o número de transações.

A Cielo, por exemplo, surpreendeu ao apresentar prejuízo de R$ 75,2 milhões, o primeiro desde que começou a negociar suas ações, em 2009. Mas a expectativa de desempenho é positiva, segundo analistas.

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— Essas empresas começaram a agregar produtos de gestão, consultoria comercial, que fidelizam o cliente. Novas oportunidades de negócio se abrirão com a possibilidade de pagamentos pelo WhatsApp (em estudo no Banco Central) — diz Arbetman, da Ativa.

Apesar do entusiasmo com as techs, Mauro Calil, fundador da Academia do Dinheiro, ressalta que ninguém deve colocar todos os recursos apenas em fundos ou ações com esse tipo de empresa. Diversificar é obrigatório para quem busca melhor retorno a longo prazo:

— Quem aplica nesses papéis deve escolher as ações ordinárias. Como se trata de um setor que evolui muito rápido, está sujeito a muitas fusões e aquisições. E quem tem ações ON de uma companhia que é comprada ou vendida tem direito ao chamado tag along, um mecanismo de proteção ao pequeno investidor, que garante que ele receba o mesmo valor que o controlador.

Isso pode ser visto na recente disputa pela Linx. Os papéis saltaram 30% na terça-feira, quando a empresa fechou um acordo de fusão com a Stone, de R$ 6,04 bilhões — questionado pelos acionistas minoritários.

Na sexta-feira, a Totvs fez uma proposta concorrente, oferecendo uma ação sua mais R$ 6,20 por cada papel da Linx. Ao fim, os acionistas da Linx teriam 24% do capital total e votante da Totvs.