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Economia Petrobras

Com pandemia, Petrobras acelera enxugamento e foca no pré-sal

Estatal amplia corte de funcionários e fecha escritórios. Mudanças afetam de fornecedores a restaurantes
Sede da Petrobras: estatal concentra esforços em ativos mais rentáveis, como a exploração do pré-sal. Mudança deve aumentar concorrência para fornecedores e abrir oportunidades de investimento no setor privado Foto: Sergio Moraes / Reuters
Sede da Petrobras: estatal concentra esforços em ativos mais rentáveis, como a exploração do pré-sal. Mudança deve aumentar concorrência para fornecedores e abrir oportunidades de investimento no setor privado Foto: Sergio Moraes / Reuters

RIO — A pandemia do novo coronavírus acelerou a estratégia da Petrobras de concentrar esforços no pré-sal . A estatal, que já vinha vendendo subsidiárias, anunciou nos últimos três meses planos para reduzir em 34% o número de empregados (de 45.500 para 30 mil), de fechar nove prédios comerciais e deixar metade dos empregados da área administrativa em regime de home office, mesmo após o fim da pandemia .

A mudança segue modelo já adotado por outras grandes petroleiras mundiais nos últimos 20 anos, que buscaram concentrar suas atividades nos negócios mais rentáveis.

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A nova estratégia provoca uma verdadeira reorganização no entorno da companhia, afetando desde a cadeia de fornecedores de equipamentos especializados até a rede de serviços, como restaurantes.

Deve ainda ampliar a concorrência e abrir caminho para novas oportunidades no setor privado para empresas fornecedoras.

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Reabertura sem clientes

Para especialistas, o enxugamento da Petrobras é positivo e começou bem antes da pandemia, após a descoberta dos casos de corrupção revelados pela Operação Lava-Jato.

Na última década, a estatal perdeu mais de 20% do seu valor de mercado, que passou de R$ 380 bilhões para os atuais R$ 298 bilhões.

Para os fornecedores, porém, será necessário rever a estratégia e buscar diversificar a atuação em novos segmentos e até procurar alternativas no exterior para continuar crescendo.

Para os prestadores de serviço, porém, a realidade é um pouco mais dura. O bairro da Cidade Nova, no Rio, já foi considerado uma mina de ouro pelos comerciantes. Tem agora ao menos 14 estabelecimentos fechados, afetados pela pandemia e pela perspectiva de um retorno mais modesto, com menos clientes, após o encolhimento da estatal e de outras empresas nos arredores.

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Ricardo Wandeveld reabriu a OHOS Café Carioca, na Cidade Nova, mas os clientes ainda não voltaram:

— Cinco anos atrás, a Cidade Nova virou a galinha dos ovos de ouro com a chegada da Universidade Petrobras, BR Distribuidora, ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) e do Comitê Olímpico. Mas as coisas começaram a andar para trás — afirmou Wandeveld, lembrando que a BR Distribuidora também fez um enxugamento no quadro de funcionários desde a sua privatização no ano passado.

Luciane Quintal Faria, da Curto Café Rosário, diz que, sem previsão de retorno de grandes empresas, o comércio vai continuar sofrendo:

— Não sabemos como será o futuro. Empresas como a Petrobras sinalizaram que podem adotar home office em definitivo e isso é ruim.

Por trás da mudança de cenário da cadeia de óleo e gás está a venda de ativos da Petrobras, cuja meta é se desfazer de até US$ 26,9 bilhões até 2023.

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Adyr Tourinho, presidente da Abespetro, que representa 85% dos contratos de bens e serviços em óleo e gás, lembra que foi criado um grupo de trabalho para buscar formas de diminuir o impacto da crise.

Mais concorrência

Ele cita a revitalização de campos menores, que pode ser uma saída de curto prazo para manter a atividade e a capacidade instalada da indústria de bens e serviços:

— Estamos discutindo possíveis soluções em conjunto para um ambiente de negócios mais favorável para o setor de exploração e produção. O momento tem sido complexo e exige esforços conjuntos para superarmos os desafios. Campos do pós-sal e campos marginais necessitam de baixo custo operacional para serem economicamente viáveis. Por isso, entendemos que empresas com estruturas menores tenham melhores condições.

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A busca de novas oportunidades, no entanto, é afetada pela redução do preço do petróleo no mercado internacional em razão da pandemia. Estudo da consultoria Wood Mackenzie prevê redução nos investimentos entre 20% e 30% neste ano no Brasil no setor de petróleo.

Só na área de exploração, Marcelo de Assis, chefe de pesquisa da América Latina da empresa, lembra que serão US$ 1 bilhão a menos em investimentos, com a redução de perfuração de 21 para 11 poços neste ano:

— A redução da atuação da Petrobras vai criar um ambiente desafiador para os fornecedores. Você tem ainda uma postergação dos projetos para o ano que vem.

Para Marcus D’Elia, sócio-diretor da Leggio Consultoria, o maior desafio para os fornecedores é ter condições de competir com empresas internacionais:

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— Os ativos vendidos pela Petrobras vão continuar operando e continuarão demandando serviços e equipamentos. O maior desafio é a concorrência externa. As empresas que tiverem fôlego e capacidade para ao menos se igualar ao perfil das empresas internacionais vão sobreviver.

Marcio Félix, ex-secretário de Petróleo do Ministério de Minas e Energia e presidente da consultoria Energy Plataform (EnP), diz que a venda de ativos da estatal gera oportunidades de investimentos e de negócios para a cadeia de fornecedores.

Ele cita os segmentos de refino e de gás. Este último, na esteira da expectativa da votação de um marco regulatório no Congresso:

— Estamos chegando em um novo ponto de equilíbrio. Aquele modelo de a Petrobras carregar todo o setor não existe mais.

Mudanças em série
Na última década, após a expansão provocada pela descoberta do pré-sal, a Petrobras vem reduzindo o seu tamanho num processo desencadeado pelo escândalo da Lava-Jato e acelerado pela atual gestão
Investimentos
Número de
funcionários
Número de escritórios
EM US$ BILHÕES
2010
2020
18
17
2010
2010
45,1
57.498
8*
5
2020
2020
8,5
45.556
exterior
brasil
*meta da atual gestão até o fim de 2020
A reestruturação ajuda a lucratividade após o baque da Lava-Jato, mas a dívida segue muito alta
Resultado líquido
Valor de mercado
Produção de petróleo e gás
EM R$ BILHÕES
EM R$ BILHÕES
EM MILHÕES DE BARRIS/DIA
2010
2010
2019
2020
2010
380,2
Lucro
35,2
40,1
2.606
2020
2.583
Dívida
298,3
37,2
78,8
Para reduzir o seu alto endividamento e concentrar investimentos na exploração do pré-sal, a Petrobras está vendendo negócios em outros setores
Energia elétrica
Petroquímica e
fertilizantes
Campos maduros
de petróleo em
terra e no mar
Usinas eólicas e termelétricas
• Unidade de Fertilizantes
Nitrogenados (UFN) III, em MS
• Fatia de 47% na Braskem
• Campos de petróleo
em águas rasas no litoral de ES, SP, RJ, SE e AL
• Campos terrestres em CE, SE, BA, AM e ES
Refino e distribuição
de combustíveis
Transporte e
distribuição de gás
• Controle da BR
Distribuidora*
• Oito refinarias: Rnest (PE), Rlam (BA), Repar (PR), Refap (RS), Regap (MG), Reman (AM),
Lubnor (CE) e Six (PR)
• Controle da rede de
gasodutos TAG
• Fatia de 10% na TAG
• Gaspetro, subsidiária de
distribuidoras de gás
• Fatia de 10% na Nova
Transportadora do Sudeste (NTS)
Total vendido até agora
US$ 16,3 bilhões
US$ 26,9 bi
é a meta de vendas entre 2019 e 2023
* já vendidos
Fonte: Petrobras
Mudanças em série
Na última década, após a expansão provocada pela descoberta do pré-sal, a Petrobras vem reduzindo o seu tamanho num processo desencadeado pelo escândalo da Lava-Jato e acelerado pela atual gestão
Investimentos
Número de
funcionários
EM US$ BILHÕES
2010
2010
45,1
57.498
2020
2020
8,5
45.556
Número de escritórios
2010
2020
18
17
8*
5
exterior
brasil
*meta da atual gestão até o fim de 2020
A reestruturação ajuda a lucratividade após o baque da Lava-Jato, mas a dívida segue muito alta
Resultado líquido
Valor de mercado
EM R$ BILHÕES
EM R$ BILHÕES
2010
2010
2019
380,2
Lucro
35,2
40,1
2020
Dívida
298,3
37,2
78,8
Produção de petróleo e gás
EM MILHÕES DE BARRIS/DIA
2020
2010
2.606
2.583
Para reduzir o seu alto endividamento e concentrar investimentos na exploração do pré-sal, a Petrobras está vendendo negócios em outros setores
Energia elétrica
Usinas eólicas e termelétricas
Refino e distribuição
de combustíveis
• Controle da BR Distribuidora*
• Oito refinarias: Rnest (PE), Rlam (BA), Repar (PR), Refap (RS), Regap (MG), Reman (AM), Lubnor (CE) e Six (PR)
Petroquímica e fertilizantes
• Unidade de Fertilizantes Nitrogenados (UFN) III, em MS
• Fatia de 47% na Braskem
Transporte e distribuição de gás
• Controle da rede de gasodutos TAG
• Fatia de 10% na TAG
• Gaspetro, subsidiária de distribuidoras de gás
• Fatia de 10% na Nova Transportadora do Sudeste (NTS)
Campos maduros de petróleo em
terra e no mar
• Campos de petróleo
em águas rasas no litoral de ES, SP, RJ, SE e AL
• Campos terrestres em CE, SE, BA, AM e ES
Total vendido até agora
US$ 16,3 bilhões
US$ 26,9 bi
é a meta de vendas entre 2019 e 2023
* já vendidos
Fonte: Petrobras

Chance para investimento

O especialista e ex-diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP) Décio Oddone avalia que é saudável a saída da Petrobras de vários setores, permitindo a entrada de investidores privados em áreas antes dominadas pela estatal. Segundo ele, a Petrobras não tinha condições de investir em todos os segmentos.

— A Petrobras escolheu investir no pré-sal, e corretamente começou a vender campos maduros, refinarias, ativos de gás para que outros possam investir e, com isso, ter uma indústria investindo no Brasil — afirmou Oddone, citando o campo terrestre de gás Azulão no Amazonas, descoberto há 20 anos pela Petrobras que, ao ser vendido há três anos à Eneva, está recebendo investimento de R$ 1,9 bilhão.

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Roberto Furian Ardenghy, diretor de Relacionamento Institucional da Petrobras, afirma que a mudança de estratégia não significa enfraquecimento:

— Estamos fazendo uma gestão de portfólio. Ano passado, pagamos R$ 70 bilhões pelo excedente da cessão onerosa com Búzios e Itapu. Estamos investindo mais do que desinvestindo. Estamos mais focados em águas profundas. É natural que os fornecedores acabem sendo beneficiados a longo prazo. Vamos comprar equipamentos e embarcações em cima dos projetos.