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Economia

Com paralisação de empresas, prefeituras já sentem baque nas contas

Municípios dependentes de importações da China foram os primeiros impactados pelo coronavírus. Alguns já preveem cortes
A funcionária da Blue Tech Isabel Orioli, 41 anos. Empresa de Caçapava (SP) deu férias coletivas
Crédito: Roosevelt Cassio Foto: Roosevelt Cassio / .
A funcionária da Blue Tech Isabel Orioli, 41 anos. Empresa de Caçapava (SP) deu férias coletivas Crédito: Roosevelt Cassio Foto: Roosevelt Cassio / .

A paralisação de setores da indústria, do comércio e serviços, por causa das medidas de combate ao novo coronavírus, e o desabastecimento de insumos vindos da China para algumas empresas já começam a se refletir no caixa dos municípios. A queda de arrecadação, o menor volume de transferências e o risco de desemprego fazem os prefeitos refazerem as contas para garantir o funcionamento de serviços essenciais, como saúde, educação, e o apoio social, principalmente para os informais.

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A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) estima que os repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), principal receita de 81% das cidades, serão menores que o previsto por causa do impacto da pandemia na arrecadação de Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e da retração do PIB. Antes do coronavírus, cerca de R$ 118 bilhões eram aguardados em repasses, um aumento de 6% na comparação com 2019.

— Para que possamos dar o atendimento necessário, evidentemente precisamos de recursos. E vamos ter problemas de arrecadação, que será bem menor — afirma Glademir Aroldi, presidente da CNM.

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A redução do consumo das famílias, um dos motores do PIB brasileiro na lenta retomada do crescimento, também preocupa os gestores locais. Uma vez que a circulação de pessoas está sendo restringida e eventos e negócios foram cancelados ou adiados, a fim de evitar novas contaminações, brasileiros estão consumindo menos, reduzindo impostos como o ICMS, que incide sobre o mercadorias, e o ISS, sobre o serviços.

— Todos os municípios, de uma forma ou de outra, serão atingidos, seja os menores, mais dependentes de FPM, ou os maiores, dependentes de ISS e ICMS — explica François Bremaeker, economista e gestor do Observatório de Informações Municipais.

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Manaus, a principal cidade importadora de produtos da China, os efeitos da pandemia do coronavírus levou ao fechamento parcial das fábricas, comprometendo a atividade nas linhas de produção. Segundo o prefeito Arthur Virgílio Neto (PSDB), para enfrentar as frustrações de arrecadação na Zona Franca e na economia, ele já anunciou um contingenciamento de 9,2% no orçamento de R$ 5 bilhões para 2020, preservando setores com saúde e educação:

— Há um componente de coronavírus e de crescimento econômico (na necessidade de contingenciar). Na nossa principal receita (Zona Franca de Manaus), vamos ter um impacto direto no ICMS e no ISS. Seja qual for a perda de arrecadação, temos que nos adequar.

medo do desemprego

Em uma possível expansão dos casos de coronavírus para o interior, muitas cidades precisarão de recursos para arcar com a infraestrutura de leitos e equipamentos. Diante do quadro, a CNM levou aos Três Poderes um ofício, solicitando a manutenção dos repasses do FPM no mesmo nível de 2019 e pedindo aumento de R$ 4,65 bilhões para a Saúde.

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A turbulência em diversos setores da economia tem gerado muita apreensão também entre os trabalhadores. A expectativa de crescimento do PIB em 2020, com avanço de empregos, deu lugar a uma provável recessão e ao temor de demissões. Se, antes, a preocupação era com a contaminação, agora o receio inclui também a manutenção da ocupação e da renda.

— No começo, havia somente um medo de contágio pelo próprio material que estávamos operando, que vinha da China. Com a falta de material para trabalhar e com a queda da demanda, a preocupação de perder o emprego ficou maior — afirma Luciene da Silva, de 53 anos, funcionária da Sun Tech, empresa que monta celulares para a LG em São José dos Campos (SP) e que concedeu férias coletivas por dez dias aos funcionários.

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Na Blue Tech, empresa que também monta aparelhos para a LG, em Caçapava (SP), a produção de cerca de 20 mil celulares por dia foi reduzida para 8 mil, com a falta de componentes, como placas, conectores e LCD. A velocidade na linha de montagem para atender à demanda de brasileiros por smartphones deu espaço à ociosidade.

— Havia expectativa de ser o melhor ano desde a crise, com lançamentos de celulares, e agora vem esse baque. Não sabemos o que pode acontecer no dia de amanhã — lamenta Isabel Orioli, de 41 anos, funcionária da área de logística da Blue Tech, que também adotou férias coletivas.

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A retração na produção e nos negócios preocupa o prefeito Gustavo Reis (MDB) de Jaguariúna (SP). Hoje, cerca de 25% da arrecadação de ICMS da cidade vêm da Flextronics, empresa que produz celulares para a Motorola e que, por falta de insumos vindos da China, desde o início do mês, faz um revezamento de férias coletivas com os 3.500 funcionários. Um movimento que deverá ser sentido em outros municípios do país.

— Evidentemente, o volume de faturamento afeta a arrecadação. Agora tudo vai depender de como a economia vai reagir no segundo semestre — afirma Reis.

Em São José dos Campos (SP), onde fica a sede da Embraer, o temor é pelo possível impacto do adiamento na entrega de aeronaves a curto prazo, a pedido de clientes, diante da diminuição do fluxo de passageiros por causa da Covid-19. A empresa é a principal fonte de arrecadação de impostos do município.