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Economia

Consumidor vai pagar a conta se Huawei for banida do 5G, diz presidente da empresa

Sun Baocheng afirma que EUA pressionam porque não conseguem espionar equipamentos da fabricante chinesa. Empresa ensaia união com teles para defender ‘transformação digital’
"Qualquer tipo de restrição é um desastre. Vai atrasar a implementação da digitalização do país de três a cinco anos", diz Sun Baocheng Foto: Bruno Santos / Divulgação
"Qualquer tipo de restrição é um desastre. Vai atrasar a implementação da digitalização do país de três a cinco anos", diz Sun Baocheng Foto: Bruno Santos / Divulgação

RIO - À espera do leilão do 5G, previsto para este ano, a chinesa Huawei montou uma ofensiva para evitar que o governo brasileiro proíba sua participação na disputa como fornecedora de equipamentos de rede para a quinta geração.

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Proibida de operar nos EUA e em países como Austrália e Reino Unido, a empresa, que tem quase metade de participação de mercado no Brasil, pretende recorrer à Justiça caso sofra algum tipo de restrição

Em entrevista ao GLOBO, Sun Baocheng, presidente da companhia no Brasil, disse estar confiante na decisão do governo, com o argumento de que a Constituição determina um mercado de livre competição. Segundo o executivo, se a Huawei for barrada, a conta vai recair sobre o consumidor, e o país terá um atraso de até cinco anos no processo de digitalização.

A companhia e as teles ensaiam uma união sobre o tema. Sobre a influência dos EUA na decisão, ele diz que os americanos não conseguem fazer espionagem nos equipamentos da empresa e que, por isso, querem tirá-la das redes.

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Como tem sido o contato com o governo brasileiro a respeito do leilão de 5G?

Já estamos preparados tecnicamente para a implementação do 5G no Brasil. As redes 4G da Huawei estão prontas para o 5G apenas com a troca de software. Também estamos preparados para todas as novas frequências que serão leiloadas para o 5G no Brasil, assim como ocorreu em países da Ásia, como a China, e na Europa.

Temos mais de 90 contratos comerciais de 5G no mundo. No Brasil, estamos fazendo pilotos com as operadoras. Temos o 5G DSS, que é baseado no 4G. Temos testes de 5G na agricultura, por exemplo, em Rio Verde para implementar a nova rede (em parceria com o governo de Goiás).

Se o governo brasileiro impuser restrição à Huawei como fornecedora de rede para 5G, qual será a reação?

A Huawei tem o direito de processar se houver alguma restrição do governo. Isso é o direito da empresa. Um mercado livre é importante para todos os investidores e para os operadores porque sem restrição haverá mais confiança. Mas acho que o governo não vai fazer nenhum tipo de restrição. Tenho confiança no país.

“A Huawei tem o direito de processar se houver alguma restrição do governo”

Sun Baocheng
Presidente da Huawei no Brasil

A Constituição exige um mercado de livre competição, pois isso faz bem para os consumidores e traz benefícios para a transformação digital do país. Um ambiente de negócios sem discriminação é importante para todas as empresas no Brasil.

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Em termos práticos, qual é o impacto de um eventual banimento da Huawei?

Qualquer tipo de restrição é um desastre, porque as próprias operadoras já falaram que a proibição vai gerar um custo de R$ 100 bilhões para trocar os equipamentos. Também vai atrasar a implementação da digitalização do país de três a cinco anos. E vai gerar menor competição, criando custo maior para os consumidores. Isso já ocorre nos Estados Unidos e Austrália. Lá, os consumidores estão pagando de cinco a sete vezes mais pelo serviço de telecomunicações.

Isso afetaria o relacionamento Brasil-China?

China e Brasil se complementam muito bem na economia. A China é o maior parceiro comercial do Brasil. E as empresas chinesas têm confiança no mercado. Acho que o Brasil é um grande país independente das palavras do embaixador americano (em julho de 2020, o embaixador dos Estados Unidos, Todd Chapman, disse ao GLOBO que “haverá consequências” para o Brasil caso o país permita que a Huawei forneça equipamentos para a rede 5G).

Em caso de uma restrição, não sabemos como as outras empresas chinesas iriam reagir ou saber qual seria a reação do governo da China. E caso o governo faça algum tipo de restrição contra nós, a Huawei vai perder a confiança no mercado, mas acho que o governo não vai fazer isso, pois é contra a Constituição.

E como a Huawei não tem nenhum problema de segurança cibernética e, mesmo que os EUA sempre digam isso, eles nunca acharam nenhuma evidência para provar. Quem está fazendo a espionagem é os EUA.

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Os EUA estão prestes a trocar de presidente. Há chance de mudança no diálogo em um governo democrata?

Mesmo com Joe Biden no governo dos Estados Unidos, isso não vai mudar a cooperação entre Huawei e Brasil. Vamos continuar investindo no país para contribuir no setor de telecomunicações. Essa resistência contra a Huawei é uma ação de alguns políticos americanos porque a tecnologia da Huawei está mais avançada que a das empresas americanas.

A resistência contra a Huawei é uma resistência contra as empresas de alta tecnologia. E ninguém sabe se isso vai acontecer com uma empresa brasileira ou europeia no futuro, se elas desenvolverem uma tecnologia mais avançada.

“A Huawei não tem problema de segurança cibernética. Quem está fazendo a espionagem é os EUA.”

Sun Baocheng
Presidente da Huawei no Brasil

Isso não tem a ver com segurança cibernética. E até agora não existem evidências de que a Huawei está fazendo espionagem. Não é possível que o 4G esteja seguro e o 5G não. Os EUA não conseguem fazer espionagem nos equipamentos da Huawei. Por isso, eles querem tirar os equipamentos da Huawei das redes.

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Com quem a empresa conversa no governo?

Mantemos comunicação com vários setores do governo para transmitir informações importantes e esclarecer as dúvidas. Aqui nunca tivemos problemas de segurança cibernética. Conversamos com Ministério das Telecomunicações e Anatel. Contribuímos com R$ 3,5 bilhões para o PIB e pagamos R$ 1,4 bilhão em impostos.

Estamos cumprindo nossa responsabilidade social e temos o plano de treinar mais 30 mil talentos nos próximos cinco anos. Estabelecemos mais de 20 centros de inovação com universidades no Brasil para desenvolver tecnologias como 5G, computação de nuvem e inteligência artificial para a indústria 4.0. Essas ações trazem retorno para a sociedade.

Qual é o tamanho dessa iniciativa de convencimento no Brasil?

Tenho confiança no governo e estamos tentando fazer uma comunicação aberta e transparente. Uma possível restrição vai impactar o negócio da empresa. Mas vai impactar mais ainda o país e as operadoras.

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Qual é o peso do Brasil nas operações da companhia?

O Brasil está entre os dez maiores mercados estrangeiros fora da China. No Brasil, temos mais de mil empregados diretos e 15 mil indiretos. Temos cinco escritórios e dois centros de produção.

O plano de investimento aqui vai além das telecomunicações?

O futuro não é só telecomunicações. Vamos prestar serviços para outras indústrias. As empresas de energia estão construindo redes privadas de telecomunicações. Os grandes bancos já são clientes da Huawei, e prestamos serviços de computação e de TI.

No setor público temos muitos clientes. São mais de cem clientes, como governos federal e estaduais. Estamos prestando serviços de TIC (Tecnologia da Informação e Comunicação), além de iniciativas em educação e agricultura.

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As teles se reuniram em novembro por meio da Conexis Brasil com o ministro das Comunicações, Fábio Faria. A Huawei pode se aliar às teles para pressionar o governo?

Há uma perspectiva de que a Huawei e as operadoras queiram trabalhar juntas para uma transformação digital do país, com um mercado livre e sem discriminação. A Huawei tem uma operação sustentável há 23 anos. Os operadores já declararam publicamente que não têm nenhum problema com a Huawei em relação à segurança cibernética.

O Brasil tem adiado o leilão do 5G enquanto não toma uma decisão sobre a tecnologia. Qual é o custo, o peso disso, de adiar o leilão? O país corre o risco de ficar para trás?

Há um atraso, mas é por conta da pandemia e de problemas técnicos como a interferência do sinal com a TV analógica. São questões objetivas.

Contexto

O leilão de 5G no Brasil estava previsto para ocorrer inicialmente em 2019, mas vem sofrendo sucessivos atrasos. Foi adiado para 2020 e agora deve ocorrer ainda este ano. Embora o mercado espere o certame na quinta geração até junho, o governo ainda não bateu o martelo sobre a data exata, trazendo ainda mais incertezas ao setor. Há quem aposte que o certame ocorrerá na segunda parte de 2021.

No centro do impasse está a participação da chinesa Huawei como fornecedora de equipamentos às empresas de telefonia. Enquanto o governo de Jair Bolsonaro avalia se vai proibir a chinesa ou não no país, a Huawei vem sofrendo boicotes em vários lugares do mundo sob a acusação de espionagem.

Até agora, além dos Estados Unidos, a Huawei já sofre restrições no Reino Unido, Austrália, Nova Zelândia e Japão.  Na Suécia, casa da rival Ericsson, a chinesa foi proibida, mas o tema foi judicializado pelas empresas. O Canadá, aliado dos EUA, ainda não anunciou seu decisão oficialmente, embora haja uma pressão para proibir a empresa, assim como ocorre em diversos países da Europa, como a França, que já afirmou que vai restringir a Huawei a partir de 2028.

A decisão do Canadá é aguardada pelos executivos chineses, já que foi o país que prendeu há pouco mais de dois anos a herdeira da empresa Meng Wanzhou.

Mas o impasse envolvendo a Huawei não é o único atrito para o leilão 5G no Brasil. Nesses dois últimos anos, o governo precisou definir quais faixas de frequências seriam incluídas no certame, resolver o impasse com a interferência da TV aberta em áreas rurais e ainda lidar com a pressão das teles para que o leilão não tenha viés arrecadatório.

A lista de tarefas está longe do fim.