Economia

Consumo das famílias tem maior queda desde 2001; retração do setor de serviços é a maior em 12 anos

PIB teve recuo de 1,5% no primeiro trimestre, diz IBGE. Indústria teve queda de 1,4% e reduz participação na economia
Desemprego e queda da renda empurram o consumidor para proteínas mais baratas, enquanto o consumo de carnes mais nobres cai
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Pedro Teixeira
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Agência O Globo
Desemprego e queda da renda empurram o consumidor para proteínas mais baratas, enquanto o consumo de carnes mais nobres cai Foto: Pedro Teixeira / Agência O Globo

RIO e SÃO PAULO — Os dois principais pilares da economia brasileira sentiram o impacto da pandemia de Covid-19 no primeiro trimestre de 2020, o que intensificou as previsões negativas para os próximos trimestres. O consumo das famílias, que representa 65% do PIB pela ótica da demanda, recuou 2%, a maior queda desde a crise do setor elétrico de 2001. Os serviços, responsáveis por 74% do PIB pela oferta, caíram 1,6%, maior perda em 12 anos.

As barreiras impostas pelo isolamento social impossibilitaram que as famílias fizessem compras como estavam habituadas. Também há o receio de fazer gastos diante de um cenário de incerteza econômica e fragilidade no mercado de trabalho. Este é o caso de Débora Lopes, funcionária de uma empresa de limpeza. Sem emprego há poucas semanas, Débora cortou gastou e revisou a lista de supermercado.

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— Estamos comprando mais frango, porque carne está muito difícil. Também pesquiso marcas mais baratas, para economizar — conta Debora, que tirou o filho da escolinha de futebol e a filha trancou o curso de técnica de enfermagem para ajudar nas despesas da casa.

Lucas Nobrega, economista do Santander, avalia que o recuo do consumo das famílias está mais atrelada, no primeiro trimestre, às dificuldades de locomoção impostas pelas quarentenas.

— Até a divulgação do primeiro trimestre, observamos que a queda do consumo está ligada à circulação reduzida, com as pessoas dentro de casa por medo da pandemia. O problema, até agora, é que as pessoas não consomem porque não têm como fazer suas compras.

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Na avaliação de José Ronaldo Souza Junior, diretor de Estudos e Políticas Macroeconômicos do Ipea, o impacto sobre o consumo indica o que virá nos próximos meses. Trata-se de algo inédito, segundo ele, com forte restrição de demanda e oferta.

— No momento que você declarou as medidas de afastamento social, ninguém pensa consumir itens como bens duráveis e, por isso, mesmo sendo poucos dias, o impacto imediato é sobre o consumo — ressalta o economista.

Nobrega destaca que um segundo potencial impacto ao consumo das famílias pode ser a falta de renda:

— Um possível segundo movimento, mas os dados desta divulgação ainda não registra, é um choque na renda das famílias. Aí, o consumo pode passar a não ser feito pela falta de dinheiro. Monitorar esta segunda parte, e tentar mitigá-la, caso ela se confirme, é o ponto-chave para entender qual será a velocidade de recuperação da economia.

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Débora Lopes com o filho Juan, de 14 anos: "Estamos comprando mais frango, porque carne está muito difícil" Foto: Divulgação
Débora Lopes com o filho Juan, de 14 anos: "Estamos comprando mais frango, porque carne está muito difícil" Foto: Divulgação

O pessimismo dos brasileiros sobre o futuro da economia já afetou as vendas e o planejamento financeiro de varejistas, um setor dependente do bom humor do consumidor para crescer. Nas Lojas Cem, desde março a receita caiu 80% frente o mesmo período de 2019. Das 279 lojas em Minas, Paraná, Rio e São Paulo, apenas 40 estão funcionando.

— Em dois meses, deixamos de vender R$ 1 bilhão — diz José Domingos, supervisor-geral da varejista.

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Em janeiro, a direção da Lojas Cem previa um crescimento de 12% no faturamento de 2020, que chegaria a R$ 6 bilhões. Agora, diz Domingos, será “um milagre” alcançar o patamar de receitas do ano passado. Para diminuir custos e fazer frente ao tombo nas vendas, boa parte dos 11 mil empregados está em férias compulsórias ou em regime de suspensão temporária dos contratos. Domingos prevê demissões caso a economia não reaja com rapidez no segundo semestre.

Ele espera melhorias no ritmo de vendas a partir da semana que vem, quando entrarão em vigor os protocolos para retomada econômica em São Paulo e Rio, os dois maiores mercados da Lojas Cem. A previsão é chegar a 220 lojas abertas até o fim da semana que vem. A partir daí, vai ser preciso superar outros desafios, como o crescimento no número de desempregados.

— Quem perder emprego agora não vai querer consumir tão cedo — diz.

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Rebeca Palis, coordenadora de Contas Nacionais do IBGE, destaca que o recuo de serviços no Brasil seguiu a tendência observada em outros paises, afetados pela pandemia antes de março.

— Aconteceu no Brasil o mesmo que ocorreu em outros países, que foi o recuo nos serviços direcionados às famílias devido ao fechamento dos estabelecimentos. Bens duráveis, veículos, vestuário, salões de beleza, academia, alojamento, alimentação sofreram bastante com o isolamento social — explica Rebeca.

Lisandra Barbero, economista da XP Investimentos, destaca que o setor de serviços já não apresentava muita força no início do ano, tendo a situação agravada com a pandemia:

— A trajetória dos serviços, que já não era tão positiva, foi agravada com as medidas de isolamento assim que a pandemia se intensificou no país. A pandemia interrompeu a trajetória de recuperação gradual dos serviços.

Para Luís Otávio Leal, economista-chefe do Banco ABC Brasil, os dados do primeiro trimestre são uma "foto do passado”. Segundo ele, as quedas de serviços e consumo serão aprofundadas no próximo trimestre, com a intensificação de medidas de isolamento.

— Temos visto na China a recuperação está mais rápida do setor industrial e mais lenta do setor de serviços. Num país como no Brasil, onde o setor de serviços é muito mais importante do que setor industrial, isso será muito ruim — avalia.

* Estágiário sob supervisão de Danielle Nogueira