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Economia

Coronavírus: de onde virá o dinheiro para bancar o combate à pandemia?

Após anos discutindo ajuste de contas públicas, governo vai aumentar dívida para arcar com gastos contra a crise
Notas de real Foto: Pixabay
Notas de real Foto: Pixabay

BRASÍLIA – Depois de anos de debate sobre a necessidade de cortar despesas para ajustar as contas públicas, o governo federal terá de aumentar gastos para salvar vidas, socorrer empresas, trabalhadores que perderam renda e até os estados e municípios em razão da pandemia de coronavírus .

Mas o que permite que o governo amplie gastos em um momento de emergência, como o do avanço da Covid-19? O Brasil caminha para o sétimo ano seguido de rombo nas contas públicas e, segundo cálculos do Tesouro Nacional, o déficit pode superar os R$ 300 bilhões este ano. Isso, de acordo com dados preliminares, pois o governo ainda trabalha em medidas de combate à pandemia.

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O governo pediu, e o Congresso aprovou o estado de calamidade pública em razão da Covid-19. Ele está em vigor até o fim do ano e funciona, na prática, como uma licença para gastar mais.

Ele permite que o Ministério da Economia deixe de cumprir as metas de resultado nas contas públicas. Até então, a previsão de rombo era de R$ 124 bilhões.

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Gasto maior, arrecadação menor

O rombo deste ano será maior porque o governo vai gastar mais do que vai receber com impostos. De um lado, os governos estaduais conseguiram adiar o prazo para pagamento de dívidas com a União, o que lhes garantirá mais recursos para gastar no enfrentamento da crise.

Além disso, o Ministério da Economia garantiu que vai manter o mesmo nível de transferência de recursos para estados e municípios – o que é feito por meio de fundos constitucionais – mesmo com a queda na arrecadação em todos os entes da Federação.

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Ou seja, o volume de recursos que sai do caixa permanecerá o mesmo, mesmo com a entrada de menos dinheiro do que o previsto.

Serão feitas outras ações emergenciais, com mais recursos para a saúde pública e a criação de uma linha de crédito de R$ 40 bilhões do Banco Central para viabilizar a folha de pagamento de pequenas e médias empresas durante dois meses.

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O governo também deve assumir o pagamento de parte do salário dos empregados formais, além de custear um benefício de R$ 600 para os trabalhadores sem carteira assinada .

As iniciativas, que segundo especialistas ainda são pequenas diante da magnitude da crise, têm sido adotadas em todas as grandes economias do mundo.

Mais dívida para levantar recursos

Mas, como pagar por isso? O governo vai ter que emitir dívida para cobrir a maioria dos gastos. Essa é a forma de o governo financiar despesas que não cabem no Orçamento. Funciona como um pedido de empréstimo. No caso, ele lança papéis do Tesouro no mercado, pagando juros no futuro que variam de acordo com o prazo e o tipo de operação.

Essa dívida pode ser feita junto a pessoas físicas ou jurídicas, instituições financeiras e fundos, que compram esses títulos.  O cidadão comum e as empresas, por exemplo, "emprestam" ao governo por meio de aplicações financeiras oferecidas por seus respectivos bancos ou corretoras.

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Desde o ano 2000, o país tem metas para separar uma parte do Orçamento para pagar os juros dessa dívida, o chamado superávit primário. Porém, desde 2014, não tem sobrado nem um centavo para abater esse montante. Ou seja, o Brasil gasta mais do que arrecada. Por isso, a dívida tem disparado nos últimos anos.

As medidas de ajuste fiscal adotadas nos últimos anos reduziram o tamanho do rombo e ajudaram a conter o crescimento da dívida. Com a crise, considerada uma situação de emergência, essa trajetória de aperto nas contas será interrompida.

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Despesas fora do teto de gastos

Uma das principais regras fiscais do país é o chamado teto de gastos, aprovado no governo de Michel Temer. Esta regra limita o crescimento das despesas de um ano para o outro à variação da inflação do ano anterior. A ideia do teto era mostrar que existem restrições no Orçamento e que, portanto, é preciso escolher qual é o gasto mais relevante.

Todas estas despesas emergenciais ficarão fora do teto de gastos. A própria regra tem mecanismos que permitem ao governo ampliar as despesas em casos excepcionais e imprevistos, como o atual.

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Como a regra admite imprevistos, o governo defende que o teto de gastos seja mantido, como uma forma de sinalizar para o mercado que o compromisso com o ajuste das contas públicas continua em vigor.

Ajuste após crise

Técnicos do Ministério da Economia e parte dos economistas defendem que as medidas de estímulo à economia e de socorro não podem se tornar permanentes sob pena de lançar o país em uma nova crise econômica.

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Em 2008, o governo lançou mão de uma série de ações para conter a crise financeira global, e acabou transformando boa parte dessas medidas em políticas permanentes. Esse movimento é visto, dentro da atual equipe econômica, como um dos grandes responsáveis pela crise pela qual o país passa até hoje.

Para não repetir esse erro, a avaliação dos técnicos hoje que é que o ajuste nas contas federais vai precisar ser retomado a partir de 2021.

O governo descarta emitir moeada para bancar os gastos com a crise. A nossa moeda não é global, como o dólar, e o histórico desse tipo de medida é desastroso. A consequência seria gerar uma inflação, que hoje está controlada.