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Economia Coronavírus

Coronavírus: economistas defendem maior gasto público como solução para a crise

Mas alertam que só deve acontecer enquanto durar a pandemia
Vista aérea da Av.Presidente Vargas, no Rio Foto: Ricardo Moraes / Reuters
Vista aérea da Av.Presidente Vargas, no Rio Foto: Ricardo Moraes / Reuters

RIO E SÃO PAULO - Economistas que sempre foram favoráveis ao controle rígido das contas públicas ressaltam a importância de salvar vidas e que, na crise do coronavírus, o caminho para isso é aumentar gastos do governo federal. O objetivo é socorrer pequenas empresas, trabalhadores que perderam renda e até os estados, com postergação do pagamento das dívidas com a União. Eles destacam que é hora de o Estado agir, já que a solução está nas mãos do próprio governo.

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Os especialistas alertam, entretanto, que os gastos extras devem acontecer apenas enquanto durar a pandemia. Assim que o problema for vencido, o governo terá que retomar uma política de ajuste das contas, com sinais claros de comprometimento com as reformas e as metas fiscais.

O economista Marcos Lisboa, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda no primeiro mandato do governo Lula, e atual presidente do Insper, observa que a regra do teto de gastos - que limita o crescimento das despesas da União - não impede o governo de aumentar gastos em cenário de calamidade, como é o atual.

Lisboa, um defensor da redução do tamanho do setor público e do ajuste fiscal, avalia que é preciso que o governo ajude pessoas desassistidas, trabalhadores que perderam renda.

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- A lei do teto dos gastos prevê exceção em caso de calamidade. São os créditos extraordinários, que podem ser usados em cenários de guerra, como o atual. Mas, quando acabar a epidemia, os gastos extraordinários precisam parar - avalia Lisboa.

Ex-ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega é a favor do aumento de gastos.

-  Em primeiro lugar, está o objetivo de salvar vidas; em segundo lugar, de pôr o dinheiro nas mãos das pessoas, particularmente as de renda mais baixa, as menos favorecidas. Em terceiro lugar, está salvar as empresas de uma quebra, esse é o objetivo terceiro, o primeiro é salvar vidas. O presidente parece dar a impressão de que prefere contar os mortos do que contar os desempregados — disse ao Jornal Nacional em uma referência ao pronunciamento do presidente.

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O sociólogo José Pastore, especialista em relações de trabalho, defende a liberação irrestrita de recursos para a população passar o vendaval:

- O governo terá que acudir. No mundo inteiro estão fazendo isso. Alemanha injetou € 866 bilhões, os EUA mais US$ 2 trilhões. Tem que entrar com medidas de qualquer tipo. Até a famosa emissão de moeda se justifica numa hora dessa.

Para ele, o governo já deveria “ter saído do plano da promessa”:

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- Tem que passar o recurso logo, caso contrário teremos um problema social grave, com desdobramento político que não dá para prever. Tem de deixar o manual do Banco Central (BC) de lado por algum tempo e oferecer título público, emitir moeda, fazer transferência direta.

Em entrevista à GloboNews, o economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC, concorda que a prioridade agora é salvar vidas e garantir renda à população:

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— Se a mortalidade subir, a gente vai ter uma recessão ainda maior, mais grave do que aquela que é causada pelo distanciamento social. Esquece a questão fiscal, não que ela não seja importante, na verdade ela vai ficar mais importante, mas não é o problema agora. Em um paralelo com a Segunda Guerra, você tem que derrotar Hitler, você vai realmente ficar preocupado com quanto vai custar isso? Não, você vai derrotar Hitler do jeito que for. A gente vai ter que garantir que as pessoas continuem a receber renda, que empresas tenham acesso a crédito para aguentar 3, 4, 5, 6 meses de um período muito difícil.

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Lisboa, do Insper, também cobra uma cota de sacrifício do setor público, o único a não empobrecer até agora:

- Não vai contribuir com nada? A proposta de corte de parte dos salários do funcionalismo é oportuna. Mas os estados precisam ajustar as contas. O que estão pedindo ao governo federal é muito alto. O país todo mais empobrecido vai ter que trabalhar mais para sustentar o setor público?

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O economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, diz que a injeção de recursos por parte do governo será a única saída para superar a crise econômica gerada pela pandemia do novo coronavírus:

— O setor privado ficará impotente para reagir enquanto a crise durar. O setor público tem a possibilidade de injetar a demanda na economia, tem uma fonte ilimitada, que é a emissão monetária. Não há como preços subirem por excesso de demanda, quando o mundo está com falta dela.

Medidas inéditas

Velloso concorda que o país só sairá dessa crise com a liberação de recursos extraordinários para proteção da população em situação de maior vulnerabilidade. Ele afirma que devem ser criados mecanismos jurídicos para facilitar que os recursos anunciados pela equipe econômica cheguem no bolso dos brasileiros de maneira mais rápida:

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— Para crises inéditas, precisamos de medidas inéditas. É irrelevante o tamanho da conta por seis meses. Podem ser R$ 150 bilhões ou R$ 300 bilhões. O foco agora deve ser na expansão da capacidade de gastar, de fazer o dinheiro chegar no bolso de quem precisa.

Segundo Velloso, ao final das restrições de mobilidade impostas na tentativa de achatar a curva de disseminação da pandemia, será necessário reativar o investimento público em infraestrutura para fazer a economia voltar a girar:

— A economia já está parando, a ameaça é de uma depressão. Até o início do século XX, não houve nenhum período de retração de dois anos maior do que a recessão do biênio 2015-2016, de cerca de 8%. Agora vamos ver uma queda dessa ou maior em um ano.

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Um levantamento da consultoria Tendências mostra que o governo já anunciou 40 medidas nos últimos sete dias, que totalizam algo próximo a R$ 345 bilhões, ou 4,7% do PIB. Deste total, R$ 132,3 bilhões possuem impacto fiscal ainda este ano. Numa simulação feita pela Tendências, supondo que todas as medidas sejam implementadas, o déficit primário subiria dos esperados R$ 124 bilhões para R$ 256,3 bilhões, o que seria o maior rombo da História.

— A gravidade da crise demanda forte atuação pública e isso implica aumento do déficit e da dívida. Cabe ao governo comunicar seu comprometimento com regras fiscais e retomada das reformas, superada a fase aguda da crise — diz Fábio Klein, da Tendências.