BRASÍLIA E RIO - Três meses depois da Organização Mundial da Saúde (OMS) declarar a doença causada pelo novo coronavírus uma pandemia, o governo brasileiro já autorizou gastos de mais de R$ 400 bilhões para tentar salvar empregos, socorrer trabalhadores informais e desempregados e aumentar os gastos com a saúde.
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Mas menos de 40% (R$ 150,3 bilhões) disso até agora foi efetivamente pago, ainda que existam programas cujo cronograma de pagamento não se encerrou, como o auxílio de R$ 600.
De outro lado, a cifra já gasta não significa, porém, que tudo chegou a quem mais precisa, principalmente porque parte do dinheiro repassado a bancos públicos para incentivar financiamentos ainda não se transformou em crédito na ponta.
![Gastos do Tesouro com a pandemia Foto: Criação O Globo](https://ogimg.infoglobo.com.br/in/24477982-de5-ee4/FT450A/gastos-tesouro-abre-1.jpg)
Além dos gastos que saíram diretamente do caixa da União, o governo anunciou outras medidas que não têm impacto direto sobre as contas públicas, como adiamento de prazos para pagar impostos, antecipação de benefícios e facilitação para renegociação de dívidas. Somadas essas ações, o Ministério da Economia calcula que as medidas de combate ultrapassam R$ 1 trilhão.
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Na terça-feira, na reunião do Conselho de Governo, o ministro da Economia, Paulo Guedes, rebateu críticas de que o governo fez pouco:
— Gastamos duas vezes a média dos países emergentes e 10% acima da média dos países avançados, enquanto estavam dizendo aqui que o Brasil não fazia nada.
![Detalhamento dos gastos Foto: Criação O Globo](https://ogimg.infoglobo.com.br/economia/24477985-7c0-dbd/FT450A/gastos-tesouro-detalhe.jpg)
Analistas, no entanto, veem demora na implantação das ações, principalmente em iniciativas voltadas para incentivar empréstimos. Exemplo disso é o desempenho da linha de crédito para ajudar empresas a pagar salários.
Em abril, o governo abriu R$ 34 bilhões no Orçamento para bancar essas operações. Desse total, R$ 17 bilhões foram transferidos para o BNDES, responsável por gerir o programa. Até agora, só R$ 3,7 bilhões foram concedidos a 102 mil empregadores.
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O crédito para folha é baseado em garantias do Tesouro. Assim, caso a empresa não consiga pagar as prestações, a instituição financeira recorre ao dinheiro público para não ficar no prejuízo. O pacote total é de R$ 40 bilhões, porque outros R$ 6 bilhões seriam o risco assumido pelos bancos.
A dificuldade em ampliar o programa está em regras que acabaram afastando parte das empresas. Uma das exigências é a obrigatoriedade de manutenção de empregos por parte da empresa que contratar o financiamento. Por isso, o governo já anunciou que vai flexibilizar esse ponto. A previsão de que bancos assumam risco também é visto como entrave.
— O tamanho parece adequado, mas a celeridade das medidas e o desenho, não — avalia o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale. — Com três meses de quarentena, o governo começa a revisar programas. Talvez o tempo tenha passado para conseguir ajudar empresas que eventualmente entrarão em recuperação judicial.
O programa de R$ 15,9 bilhões para facilitar a concessão de crédito para micro e pequenas empresas — batizado de Pronampe — também demorou a ser concretizado. As negociações sobre a medida começaram ainda em abril, mas a lei só foi sancionada em meados de maio.
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Como no crédito para folha, o dinheiro do programa serve para cobrir o risco de inadimplência. O dinheiro saiu dos cofres federais, mas a linha foi regulamentada nesta semana. Bancos precisam adaptar sistemas para oferecer o auxílio.
O economista-chefe da Necton, André Perfeito, alerta para o efeito da incerteza sobre o próprio empresário:
— A empresa não sabe quanto vai durar a crise. Nem consigo tomar dinheiro, por mais que o juro seja baixo, por causa da indefinição.
Período de ajuste
A diferença entre valores autorizados e pagos também se deve ao fato de que parte dos programas ainda está em andamento. Maior repasse, o auxílio emergencial tem orçamento de R$ 152,6 bilhões. Até agora, os desembolsos chegam a R$ 76,9 bilhões, referentes ao pagamento das duas primeiras parcelas. Ainda há quem não tenha recebido a primeira prestação.
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O governo ainda está pagando a compensação a trabalhadores que firmaram acordo para redução de jornada e salário. Dos R$ 51,6 bilhões, R$ 9,8 bilhões foram pagos. Os acordos podem ser firmados até o fim do ano.
Procurado, o Ministério da Economia afirmou que a regulamentação das medidas de crédito deve destravar os financiamentos. “Entre a edição dos créditos pela União e a efetiva operacionalização de cada programa, é necessário um período de ajuste (criação de sistema, treinamento de pessoal, chamamento de bancos aderentes) que varia conforme o banco gestor e o programa de crédito. O Ministério tem acompanhado atentamente o processo de implementação dos programas de crédito e auxiliado na diminuição do período de ajuste/operacionalização”, disse a pasta.
Dificuldades no acesso ao socorro
Folha de pagamento
![Glecciano Luz reclama da burocracia Foto: Arquivo pessoal](https://ogimg.infoglobo.com.br/economia/24478089-0a1-afd/FT1086A/Glecciano-Luz_dono-do-salao-2.jpg)
O empresário Glecciano Luz, dono de um salão que leva o seu nome, em um shopping na Barra, está há dois meses fechado e com os funcionários em regime de suspensão do contrato de trabalho, como prevê a medida provisória (MP) 936. Ele buscou empréstimo por meio da linha emergencial de crédito para folha de pagamentos.
— Cheguei a tentar, mas a burocracia é tão grande que o pedido ficou parado, em análise — disse.
Além do trâmite emperrado, ele contesta o prazo para pagamento do crédito e a falta de clareza no retorno das atividades, uma vez que governo e prefeitura têm divergências no cronograma:
— Eles falam das linhas de crédito, mas não vemos acontecer. E não facilitam o parcelamento. O problema da reabertura é que o público no início será muito reduzido, com várias restrições, e tudo isso com déficit de dois meses sem caixa.
Auxilio de R$ 600
![Amanda Lima Tavares aguarda aprovação para receber o auxílio emergencial Foto: Arquivo pessoal](https://ogimg.infoglobo.com.br/economia/24478026-215-1c1/FT1086A/Amanda-Tavares_espera-o-auxilio-3.jpeg.jpg)
A professora autônoma Amanda da Lima Tavares entrou com o pedido para receber o auxílio emergencial de R$ 600 assim que a medida foi anunciada pelo governo. O benefício é a principal iniciativa do governo para ajudar trabalhadores informais.
“‘Era para ser temporário, mas está demorando’”
— A primeira resposta foi de dados inconclusivos. Tentei de novo, e apareceu no meu cadastro que eu era mãe solteira, o que não sou. Então, refiz e deu inconclusivo de novo. Isso foi no dia 15 de maio. Até hoje estou aguardando — disse Amanda.
Com duas filhas e à espera do auxílio, Amanda está sem trabalhar durante a pandemia do coronavírus. O que está segurando as despesas da família é a barbearia do marido, em Nova Iguaçu.
— Todo o dinheiro que cai temos que economizar. Tem conta atrasada... Era para ser algo temporário, mas está demorando muito — lamenta Amanda.
Obtenção de crédito
A empresária Marina Morena de Menezes, sócia do bar Rio Tap Beer House, em Botafogo, propôs aos funcionários a adesão à medida provisória (MP) 936, que permite suspender o contrato de trabalho por dois meses. Além disso, ela antecipou férias.
“‘Já dei férias e suspensão, não sabia o que fazer’”
Com o fim do período de suspensão, ela buscou crédito duas vezes por meio de bancos repassadores para ter acesso à linha do BDNES para pequenas empresas. O objetivo era obter capital de giro, pagar fornecedores e funcionários.
— Estamos na terceira tentativa. Desta vez, usamos outro banco intermediário para tentar.
Nesse período, o que ajudou foi o dinheiro que havia reservado para a expansão do bar. Só que ele acabou, e a obra parada dá prejuízo, diz:
— Já dei férias e suspensão, não sabia o que fazer. Conversamos com a equipe e vamos ter o delivery em julho e fazer licença remunerada. Ainda não sei como vai ser.