RIO - A professora Yili Wang se surpreendeu ao receber o e-mail de uma nova aluna perguntando sobre possíveis problemas relacionados ao coronavírus no curso de idiomas OiChina, no Centro do Rio.
O conteúdo da mensagem questionava sobre os riscos do contato com alunos e professores que voltaram recentemente da China, e fez com que o início das aulas do curso fosse adiado de fevereiro para março.
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Wang é mais uma empresária que sentiu os impactos do coronavírus nos negócios. O surto da doença, que ameaça o desempenho da economia mundial, já tem efeitos diretos em companhias aéreas, empresas de tecnologia e mercado de exportação.
“Gostaria de ter certeza de que não haverá problemas relacionados a coronavírus, considerando que, imagino, possa haver professores e/ou alunos que vieram da China recentemente”, escreveu a estudante na mensagem.
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Wang e sua mãe visitaram familiares na província de Hebei durante o Ano Novo Chinês e voltaram para o Brasil no início deste mês, após cumprir o período de quarentena conforme orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS). Apesar dos comunicados oficiais de órgãos públicos chineses e brasileiros, Wang acredita que a desinformação ainda persiste entre grande parte da população:
— Confesso que no início fiquei chocada. Há informações tanto da China quanto do Brasil que comprovam que a letalidade do coronavírus fica muito abaixo das de H1N1 e SARS. E, através do perfil do curso nas redes sociais, publicamos muitos relatos para reduzir o pânico.
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Além da quarentena na China, Wang e a mãe cumpriram mais um isolamento de 14 dias no Brasil, diz ela:
— Chama a atenção receber essa mensagem logo de uma aluna que vai estudar a nossa língua e que não buscou se informar melhor sobre o país. Por outro lado, compreendo. O medo acontece com pessoas desinformadas. Por isso, temos atualizado nossas redes sociais com orientações de fontes confiáveis, e informando aos alunos sobre nossa situação de saúde e de nossa quarentena voluntária.
Mundialmente, já foram confirmados mais de 80 mil casos, com mais de 2.700 vítimas fatais. Na medida em que a epidemia se espalha, o impacto é sentido em negócios e bairros asiáticos de Sydney a Nova York, de São Francisco a Toronto.
Em Eastwood, nos arredores de Sydney, por exemplo, onde vive enorme número de chineses, Lily Zhou, de 39 anos, dona de um restaurante com o marido, diz que o negócio encolheu 70% desde o fim de janeiro, quando o primeiro caso de coronavírus foi registrado na Austrália.
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Restaurantes vazios
Lá, existe o agravante de haver sino-australianos retidos na China após o feriado do Ano Novo Lunar, além daqueles em quarentena voluntária ao retornarem para casa, desfalcando ainda mais a clientela. Com tudo isso, a administração local planeja criar um fundo de assistência com US$ 330 mil em recursos.
Enquanto o mercado financeiro está em polvorosa pela crise gerada pelo vírus e os economistas se esforçam para calcular o custo da epidemia para o PIB dos países e do mundo, as ruas e os balcões vazios dos restaurantes mostram os reflexos na vida cotidiana e a ansiedade crescendo entre a pessoas.
No 99 Favor Taste, na nova-iorquina Manhattan, os clientes costumam esperar meia hora para conseguirem uma mesa nos dias de semana, diz o gerente Echo Wu. Agora, sentam-se de imediato, e o número de clientes caiu em um terço. A maior parte de quem vai ao restaurante é de estrangeiros. Outro dia, um cliente ligou antecipadamente para checar se a comida servida não era importada diretamente da China, contou Wu.
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Aqui, no restaurante China Town, na Tijuca, a empresária Helena Chen também sentiu que o movimento caiu. Com o surto da doença, muitos turistas chineses deixaram de viajar, e reservas foram canceladas. Diante das circunstâncias, Helena concedeu férias a alguns funcionários e reduziu a compra de alimentos.
— Geralmente, compro quatro caixas de carne por semana. Neste período, comprei apenas uma. Acaba tendo um efeito em cadeia. Com o movimento menor, eu compro menos insumos com meus fornecedores.
Chen não sabe precisar o que essa queda nas vendas irá representar, mas espera que o carnaval compense o período de baixa. Sua aposta recai sobre as reservas para grupos estrangeiros vindos de países como Malásia e Indonésia.
— Acreditamos que com o tempo as coisas voltem ao normal. Por não ter casos no Brasil, aqui o sentimento é de menos temor.
Ainda que nos pequenos negócios a mensuração desses impactos não seja muito tangível, o mercado internacional já sente em seus faturamentos. Em um dia, a Apple perdeu US$ 26 bilhões em valor de mercado, uma queda de 1,83%.
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A comerciante Vanessa Hang conta que as vendas em suas lojas de eletrônicos no centro do Rio caíram, mas ainda não tem um balanço para precisar os impactos a médio prazo. Ao voltar da China após o feriado do calendário lunar, ela também cumpriu o ciclo de quarentena voluntária no Brasil.
— Sentimos queda nas vendas. Conversando com nossos clientes percebemos que eles acompanharam as notícias e estavam bem informados. Na escola, os colegas da minha filha ficaram curiosos, mas recebemos o apoio das professoras esclarecendo sobre o coronavírus.
Xenofobia e fake news
O infectologista do Hospital Universitário da UFRJ e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, Alberto Chebabo, explica que evitar estabelecimentos de origem chinesa está mais relacionado à xenofobia do que à realidade do contágio.
— Não vai ser especificamente ir a um restaurante que vai aumentar ou diminuir o risco de exposição. Esse comportamento reflete muito mais uma questão de preconceito do que o verdadeiro medo de pegar o vírus.
Os pais de Renato Huang são chineses e donos do restaurante Chinese Palace, em Copacabana. Os funcionários do estabelecimento também confirmam que o movimento diminuiu. Além disso, relatam ouvir comentários preconceituosos em tom de “piada” no salão sobre o coronavírus. Mas, para Huang, nas redes sociais esse comportamento é mais visível, com comentários de ódio e propagação de fake news.
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— Chegam até mim diversos comentários de ódio dizendo que que os chineses deveriam morrer e que a China não deveria existir. Além de desinformados, não entendem que sem a economia chinesa o mundo entraria em colapso. Pessoas que se dizem cidadãos de bem sendo superxenofóbicos. Eu nasci no Brasil, mas fico indignado pelos meus pais — diz ele.
Yili Wang compara a situação atual com o surt-o de H1N1, que teve seu epicentro no México:
— Na época, os americanos não isolaram nenhuma cidade e ninguém deixou de ir ao McDonald’s no Brasil por ser uma rede “americana”. O triste é que os esforços do governo chinês fizeram com que as pessoas ficassem em pânico, achando que é algo muito pior do que já houve antes. (*Com a Bloomberg News)