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Economia

Coronavírus: que medidas o governo brasileiro pode adotar para aliviar o impacto na economia?

Acelerar reformas, reduzir juros e gastos públicos são alguns instrumentos disponíveis. Analistas divergem sobre efeitos
Quais são as ferramentas que o governo pode usar para mitigar efeitos da crise Foto: Editoria de Arte
Quais são as ferramentas que o governo pode usar para mitigar efeitos da crise Foto: Editoria de Arte

SÃO PAULO e RIO - A ameaça de uma recessão mundial por causa do agravamento do surto de coronavírus levou governos do mundo inteiro a atuarem para mitigar os efeitos, na economia, da pandemia que isolou dezenas de cidades, deixou milhares de trabalhadores sob quarentena e afetou a produção de grandes indústrias.

Nesta quarta-feira, o Reino Unido anunciou um pacote de estímulos econômicos de US$ 38 bilhões. Na Itália, foram US$ 28 bilhões e vários países adotaram medidas emergenciais . Espera-se que Estados Unidos e Banco Central Europeu (BCe)anunciem, até o fim desta semana, ações de apoio às suas economias.

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Christine Lagarde, a presidente do BCE, alertou nesta quarta-feira que a Europa corre o risco de sofrer um choque econômico da magnitude da crise global de 2008 , a não ser que os líderes do bloco tomem medidas urgentes para combater os efeitos econômicos do surto de coronavírus.

No Brasil, a fragilidade das contas públicas dificulta ações de estímulo, mas economistas de diferentes tendências sugerem caminhos para amenizar os efeitos, no PIB, da crise global desencadeada pelo coronavírus.

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A pandemia chega num momento difícil para a economia brasileira, que cresceu pouco acima de 1% nos últimos três anos .

Veja, abaixo, as ferramentas que poderiam ser usadas e seus prós e contras, segundo especialistas.

Reformas

Reformas podem aumentar a confiança dos investidores na economia brasileira Foto: Editoria de Arte
Reformas podem aumentar a confiança dos investidores na economia brasileira Foto: Editoria de Arte

Acelerar o passo das reformas - tributária, administrativa e a “emergencial”, que facilita o corte de gastos pelo governo federal e pelos estados, é uma maneira de aumentar a confiança na economia brasileira e evitar um freio maior na atividade econômica, dizem alguns especialistas.

Paulo Vicente dos Santos Alves, professor que atua nas áreas de Estratégia e Gestão Pública da Fundação Dom Cabral, acredita que “não há milagres” e que o mais urgente é a sinalização ao mercado de uma agenda clara em prol do país do governo em união com o Congresso.

- O único ponto positivo de toda esta crise, se é que podemos chamar assim, é que ela amplia o alerta da necessidade das reformas - disse Alves.

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Pedro Schneider, economista do Itaú Unibanco,  acredita que a grande reação do governo é intensificar as reformas, em especial a tributária e a administrativa, para sinalizar ao mercado.

- O caminho é reorganizar as normas do Orçamento, dar racionalidade às despesas, ele é muito engessado. Neste momento, a PEC Emergencial (que flexibiliza alguns gastos obrigatórios, permitindo, por exemplo redução de salário de até 25% dos servidores em troca de igual redução de tempo de serviço) é um passo importante.

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Professor do Insper, Eduardo Correia destaca porém que as reformas são medidas com efeitos de longo prazo:

- As reformas são estruturais, não são a melhor medida para uma crise conjuntural. O Brasil não tem muito o que fazer - resume.

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Otaviano Canuto, membro sênior do Policy Center for the New South, avalia que o governo deveria parar de criar ruídos políticos como primeira atitude para conter o impacto econômico da pandemia de coronavírus na economia.

— Um ponto importante seria a atração de investimentos em infraestrutura. Em tese, esse tipo de investimento não é afetado pela variação momentânea, é feito por vários anos. Mas, para que isso aconteça, é preciso que o investidor tenha confiança no país. Isso vem com a aprovação das reformas econômicas e o fim de ruídos no governo.

Teto de gastos e estímulo fiscal

Flexibilizar teto de gastos pode abrir espaço para estímulos fiscais Foto: Editoria de Arte
Flexibilizar teto de gastos pode abrir espaço para estímulos fiscais Foto: Editoria de Arte

Monica de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute e da diretora da John Hopkins University em Washington (EUA), afirma que o momento é de debater uma flexibilização dos teto dos gastos.

A regra do teto prevê que as despesas públicas não podem subir acima da inflação. E o estímulo fiscal é uma ferramenta que os governos dispõem para incentivar a economia em momentos de crises agudas.

Crítica do teto de gastos, Monica afirma que esta crise no modelo já estava “contratada”:

- Nenhum país que adotou no mundo o teto de gastos usa o mesmo modelo do Brasil. A lógica sempre indica que os investimentos têm que ficar acima do teto. Eu sempre defendi um teto progressivo de endividamento, muito mais efetivo e flexível.

Ela cita como exemplo de gasto público o saneamento, que também pode atrair recursos caso o Congresso aprove o novo marco legal do setor.

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Eduardo Correia, professor do Insper, avalia que não há muito espaço para estímulos fiscais:

- Acredito que o único gasto que deve subir é o de saúde, para enfrentar o coronavírus.

Para Armando Castelar, mexer no teto de gastos poderia ampliar a incerteza, motivo para o baixo crescimento do Brasil nos últimos anos.

Para Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-ministro e ex-presidente do BNDES, o governo brasileiro não tem espaço para estimular a economia.

- Enquanto não acalmar o pânico (nos mercados), não é só no Brasil, não há o que fazer.

Redução de juros

Reduzir juros tem efeitos limitados frente à crise atual Foto: Editoria de Arte
Reduzir juros tem efeitos limitados frente à crise atual Foto: Editoria de Arte

É quase unanimidade no mercado financeiro que o Banco Central vai reduzir, em sua próxima reunião sobre política monetária, a taxa básica de juros Selic , atualmente em 4,25% ao ano.

Mas esta medida pode ter efeitos limitados, já que a demanda está muito desaquecida. E, com a recente alta do dólar, juros mais baixos tendem a reduzir ainda mais a atratividade da moeda brasileira, pressionando o câmbio.

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Para Eduardo Correia, professor do Insper, uma eventual redução de juros, além de facilitar a fuga de investimentos afetando a cotação do dólar, pode ser inócua.

- Os juros não tendem a incentivar os investimentos

Armando Castelar, coordenador da área de Economia Aplicada do FGV-IBRE, lembra que os juros já caíram muito nos últimos meses.

-A política monetária não vai gerar ganhos, o custo do financiamento já está muito baixo no país - diz Castelar.

Bancos públicos

Os bancos estatais podem facilitar o crédito, dando um impulso na economia Foto: Editoria de Arte
Os bancos estatais podem facilitar o crédito, dando um impulso na economia Foto: Editoria de Arte

Nos últimos dias, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal anunciaram que vão reforçar suas linhas de crédito , sobretudo de capital de giro para pequenas e médias empresas.

O BNDES, porém, afirmou que não fará nenhuma medida específica para lidar com este cenário de crise. O banco informou que não há previsão de lançamento de linhas específicas e que tem recursos em caixa, em condições competitivas, para oferecer a quem precisar.

Monica de Bolle acredita, por exemplo, o BNDES poderiam ampliar os empréstimos, aquecendo a economia sem impacto fiscal. Na opinião da economista isso poderia ter um grande efeito multiplicador na economia.

*Colaboraram Gabriel Martins e Cássia Almeida