Economia

Corrida espacial dos bilionários: Bezos, Musk e Branson investem bilhões na disputa pela liderança. Quem vai ganhar?

Competição se acirrou com o anúncio da viagem do dono da Amazon em seu próprio foguete. Veja os projetos de cada bilionário
Os três bilionários Bezos, Musk e Branson são os protagonistas da nova corrida espacial Foto: .
Os três bilionários Bezos, Musk e Branson são os protagonistas da nova corrida espacial Foto: .

RIO - A corrida mais interessante do planeta está longe das pistas de Fórmula-1. Na verdade, ela se dá fora da Terra. Na segunda metade do século XX, a exploração espacial foi protagonizada por EUA e União Soviética em plena Guerra Fria.

Agora, a briga é dos bilionários: o americano Jeff Bezos, dono da Amazon, da Blue Origin e da maior fortuna do mundo; o sul-africano Elon Musk, terceiro mais rico e fundador da Tesla e da SpaceX; e Sir Richard Branson, o britânico que detém a Virgin Galactic.

Bilhete de US$ 28 milhões: Lance arremata vaga para acompanhar Jeff Bezos em viagem espacial

A competição, cada vez mais acirrada desde que empresas privadas substituíram governos na ponta de lança da exploração do espaço, ganhou ares ainda mais sensacionais na semana passada, quando Bezos anunciou que vai ao espaço no primeiro voo tripulado de sua Blue Origin, a bordo do foguete New Shepard, junto com seu irmão Mark, no próximo dia 20 de julho.

Com eles, além da tripulação profissional, haverá um terceiro passageiro no assento que foi objeto de um leilão que mobilizou mais de 6 mil participantes de 143 países, elevando o lance inicial para cerca de US$ 5 milhões, pouco mais de R$ 25 milhões.

— Essa foi realmente uma aposta bem ousada do Bezos — diz Lucas Fonseca, engenheiro espacial responsável pelo projeto Garatéa, voltado à divulgação científica, que já teve um experimento brasileiro levado à Estação Espacial Internacional (ISS) pela SpaceX.

Duelo: Musk × Bezos: a nova cara da corrida espacial americana

Ele continua:

— O fato de ele ter anunciado antes a sua saída da direção da Amazon foi certamente pensando nisso, pois seria incabível imaginar um CEO da maior empresa de e-commerce do mundo numa viagem inaugural a bordo de um foguete que, ao menos em tese, pode explodir. Esse risco existe. As ações da Amazon despencariam só com a ideia. Mas, se a viagem der certo, passará uma mensagem muito positiva para o mercado, é claro.

A aposta de Bezos, porém, obscurece o fato de sua Blue Origin, na corrida, estar bem atrás da SpaceX, embora esteja prestes a se tornar a primeira a levar um turista ao espaço.

A empresa espacial de Musk há anos leva cargas ao espaço e até já desembarcou cosmonautas na ISS. Suas naves já viajam pela órbita terrestre, enquanto os voos de Blue Origin e Virgin ainda são suborbitais.

Privilégio de 4 minutos

Além disso, Musk recebeu em abril, da Nasa, a missão de concretizar uma nova viagem de humanos à Lua, após mais de meio século da última.

— Entretanto, o anúncio da viagem de Bezos dá novo sabor à rivalidade — reconhece Fonseca. — Musk, quando perguntado se subiria a bordo de um foguete para Marte, já afirmou que “ainda há muito que resolver na Terra”, mas Bezos não se intimidou.

A viagem espacial de Bezos vai durar, no total, apenas dez minutos, mas serão só quatro na linha de Karman, a fronteira entre a atmosfera terrestre e o espaço.

Viu isso? SpaceX, de Elon Musk, vai lançar missão à Lua paga com dogecoin, a moeda dos memes de cachorro

Após a decolagem, o foguete New Shepard será separado do propulsor e permanecerá a uma altura de mais de 100 quilômetros durante esses quatro minutos. Vai ser quando os passageiros poderão experimentar a ausência de gravidade e observar a curvatura da Terra.

O propulsor vai pousar de maneira autônoma em uma base a 3,2 quilômetros do local de lançamento, e o foguete tripulado descerá com o peso amortecido por três grandes paraquedas.

Tudo indica que o futuro do turismo espacial terá viagens como essas, suborbitais, em que os viajantes poderão ver a Terra do alto durante alguns momentos. Também haverá viagens orbitais à ISS.

Segundo o jornal The New York Times, a SpaceX tem algumas missões marcadas para os próximos 12 meses para levar turistas endinheirados à órbita terrestre.

Antes da SpaceX: Blue Origin, de Bezos, ultrapassa rivais e já sabe quando levará turista ao espaço pela 1ª vez: 20 de julho

Uma delas, em setembro, e levará Jared Isaacman, o bilionário fundador da empresa de solução de pagamentos Shift4 Payments, e três outros, digamos, astronautas amadores. Uma segunda, contratada pela empresa Axiom Space, levará três turistas e um astronauta que trabalha para a empresa até a ISS.

E é preciso ser rico mesmo para se aventurar por um passeio sideral: além do leilão de lances milionários de Bezos, passagens para voos na Virgin Galactic já chegaram a ser vendidas por US$ 250 mil (cerca de R$ 1,25 milhão) há alguns anos.

Marte e Lua

Os objetivos dos três bilionários visionários que disputam a atual corrida espacial privada são bem diferentes. Apesar de contratado pela Nasa para a missão lunar tripulada, Musk tem como sonho colonizar Marte, tanto que aparece com frequência na série/documentário “Marte”, da Netflix, falando sobre o potencial do planeta vermelho.

Bezos é mais focado na Lua, enquanto Branson se concentra em proporcionar voos suborbitais turísticos.

A SpaceX foi criada pensando em reduzir os custos de transporte espacial para permitir a colonização de Marte. A companhia alcançou diversos marcos nos últimos 19 anos. Em 2008, lançou o primeiro foguete privado movido a combustível líquido.

Dois anos depois, pôs em órbita e recuperou a primeira nave privada (a Dragon), que em 2012 se tornou a primeira do setor a chegar à Estação Espacial Internacional (ISS). Também foi pioneira na reutilização de foguetes, da série Falcon 9, recuperando-os em pousos verticais. Foi ainda a primeira empresa privada a enviar cosmonautas à ISS em maio do ano passado.

Já Bezos criou a Blue Origin concentrada em voos suborbitais, como o que fará agora. Desde 2015 são feitos testes de voo com o foguete New Shepard, e há dois anos foi apresentado o projeto Blue Moon, idealizado para fazer entrega de cargas à Lua. Mas acabou eclipsado pelo contrato de Musk com a Nasa.

Relação custo-benefício

Dez anos depois do fim das missões da Nasa com os ônibus espaciais, as empresas privadas de fato tomaram a dianteira da exploração espacial. Segundo Lucas Fonseca, do Garatéa, empresas sempre participaram do afã de conquistar o espaço, mas os governos é que decidiam as encomendas.

Atualmente, com o avanço da tecnologia, isso se inverteu. As empresas oferecem às agências orçamentos mais enxutos, o que lhes permite equacionar seus gastos de maneira mais equilibrada. Isso se refletiu na melhor relação custo-benefício para a Nasa ao contratar a SpaceX, mais experiente.

— O veículo da SpaceX contratado para a missão tripulada lunar, o Starship, é muito versátil e vai fazer várias coisas — explica o engenheiro espacial. — Vai sair da atmosfera terrestre, viajar até a Lua, levar os astronautas, pousar lá e voltar. Faz mais sentido investir num projeto que está mais avançado.

Além de Musk, que enviou cosmonautas à ISS pela primeira vez em 30 de maio de 2020, Branson conseguiu, em 22 de maio deste ano, levar dois cosmonautas ao espaço num voo suborbital a bordo da aeronave VSS Unity.

— O voo representou um grande passo para a Virgin Galactic e o voo espacial tripulado — declarou Michael Colglazier, CEO da empresa, na ocasião. — Começaremos imediatamente a processar os dados obtidos (nas experiências) neste voo de teste.

Comparação com Antártica

As empresas de exploração espacial privadas surgiram em intervalos de poucos anos a partir da virada do século: 2000 (Blue Origin), 2002 (SpaceX) e 2004 (Virgin Galactic). Hoje, elas valem bilhões de dólares, mas em sua essência estão os sonhos e a ousadia dos empresários que as criaram. Como disse Bezos numa rede social ao anunciar seu voo em julho: “Desde meus 5 anos de idade sonho em viajar para o espaço”.

Leia: Bezos, Zuckerberg e outros bilionários ficam ainda mais ricos nos 100 primeiros dias de Biden

Musk nunca foi modesto. Diz-se disposto a dar o máximo possível para a Humanidade alcançar uma cidade construída em Marte.

— Ir a Marte é como (o explorador Ernest) Shackleton indo para a Antártica — afirmou Musk durante uma live recente. — Sim, é perigoso, é desconfortável, é uma longa jornada, você pode não voltar vivo. Mas será uma experiência incrível.

A Nasa, operando em conjunto com a iniciativa privada, também está de olho no planeta vermelho. Ao contratar a SpaceX para a missão lunar, o administrador em exercício da Nasa, Steve Jurczyk, disse à Forbes:

— Temos um plano forte para voltar à Lua. E não vamos parar lá. O objetivo de longo prazo da Nasa sempre foi enviar seres humanos a Marte.

Incentivos fiscais

As três companhias espaciais dos bilionários estão baseadas nos EUA. Enquanto a Virgin Galactic fica no Novo México (no chamado Espaçoporto América), a Blue Origin está instalada em Huntsville, Alabama, perto do Centro Espacial Marshall, da Nasa, o que deu à cidade o apelido de “Cidade Foguete”. Para se instalar ali, a Blue Origin obteve do governo estadual US$ 16 milhões em incentivos fiscais.

Já a SpaceX foi para Boca Chica, no Texas, com incentivos de US$ 30 bilhões para ampliar suas instalações.

Aliás, de incentivos fiscais Bezos e Musk entendem: pagaram pouquíssimo ou nenhum imposto de renda nos EUA entre 2014 e 2018, de acordo com levantamento da organização de notícias ProPublica baseado em dados do Fisco americano publicado na semana passada. Ou seja: também tem dinheiro do contribuinte americano indo para o espaço.

E quem chega na frente?

E quem tem mais chances de ganhar a peleja sideral? Para quem entende do assunto, Musk está na frente, mas Bezos ainda tem muitos recursos para gastar. Daniel Ives, analista da empresa de investimentos Wedbush Securities, disse ao site de notícias científicas Phys.org que, seja quem for o vencedor, o espaço já está praticamente “monetizado” com essa disputa estelar de bilionários:

— Eles sabem que o vencedor da corrida espacial deverá ser coroado nos próximos dois anos.