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Economia

Curso inédito no Brasil quer ampliar a lista de 'unicórnios', empresas de tecnologia que valem mais de US$ 1 bi

País tem menos start-ups que conseguiram atingir esse valor de mercado do que outras economias emergentes, como China e Coreia do Sul
A B2Log é uma espécie de Uber das entregas. Na foto, o CEO Juca Oliveira Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo
A B2Log é uma espécie de Uber das entregas. Na foto, o CEO Juca Oliveira Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

SÃO PAULO – No ecossistema das empresas de tecnologia, o termo “unicórnios” deixou de significar só o animal mitológico. Em 2013, a investidora americana Aileen Lee usou, pela primeira vez, a palavra para descrever start-ups que cresciam num ritmo tão extraordinário como a ideia do cavalo com um único chifre. Lee definiu como linha de corte o valor de US$ 1 bilhão.

Naquela época a lista continha, na sua maioria, exemplos americanos. Estavam lá a rede social Facebook, o aplicativo de transporte Uber e o app de hospedagem Airbnb. Da criação ao bilhão, elas haviam levado, em média, sete anos.

Apesar do porte da economia brasileira, entre as dez maiores do mundo, o país só teve unicórnios em janeiro de 2018, quando o fundo chines Didi Chuxing comprou o aplicativo 99 Taxi e avaliou o negócio em US$ 1 bilhão. A lista hoje inclui as fintechs Stone e Nubank, os aplicativos de entregas Loggi e iFood e o de academias compartilhadas Gympass.

Apesar de, aqui e ali, pipocarem histórias de unicórnios brasileiros, o país ainda está atrás na corrida global pela criação desse tipo de negócios. Segundo o banco de dados digital CB Insights, há 182 negócios desse tipo nos Estados Unidos, 93 na China, 18 na Índia e 11 na Coreia do Sul.

– É preciso ter aportes significativos para surgirem unicórnios. Na América Latina, rodadas desse porte só aconteceram nos últimos anos – diz Julie Ruvolo, diretora da LAVCA, associação latino-americana de investidores de venture capital, que reune capital de alto risco destinado a start-ups.

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Numa tentativa de acelerar o crescimento dessa lista, a ONG global de apoio ao empreendedorismo Endeavor lança em São Paulo na quinta-feira (18/7) o SUP Tech, um curso para donos de start-ups de todo o país que querem que seus negócios entrem no exclusivo clube dos “unicórnios”.

Para a ONG, por trás da escassez brasileira está a pouca troca de ideias entre donos de start-ups promissoras e de negócios já estabelecidos. Cada um parece viver no seu mundo. Quebrar as redomas e uma das metas.

Em seis meses de curso, empreendedores terão aulas de gestão com empresários como Frederico Trajano, da varejista Magazine Luiza, que acabou de adquirir o controle da loja de calçados online Netshoes, Fabricio Bloisi, da Movile, empresa de tecnologia por trás do aplicativo iFood, e Laércio Cosentino, da Totvs, uma gigante de softwares.

— O Brasil tem atraído cada vez mais a atenção de investidores estrangeiros, mas os empreendedores locais precisam se preparar — disse Luis Felipe Franco, diretor de inovação da ONG Endeavor no Brasil.

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Entre os temas do curso, estão técnicas para atrair investidores e preparar a empresa para o aporte. Para a primeira turma, os selecionadores da Endeavor avaliaram características dos negócios, especialmente o quão “escalável” são. O jargão se refere a start-ups que, com estrutura enxuta, têm potencial de crescimento rápido. Foram selecionados 19 negócios.

Em economias avançadas na corrida digital, muitas vezes o governo toma a iniciativa de fomentar a criação de 'unicórnios'. Na China, onde há 93 start-ups do tipo, a prefeitura da capital Pequim patrocina o Zhong Guan Cun, um misto de bairro e campus universitário para hospedar startups em rápida expansão. Os governos da Coreia do Sul, que tem 11 unicórnios, e de Cingapura investem diretamente em negócios com potencial de ultrapassar a barreira do US$ 1 bilhão.

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Nos Estados Unidos, o mercado de capitais mais desenvolvido do mundo e com o maior número de unicórnios, 182, a função de treinar start-ups promissoras costuma ficar com os fundos de investimento, que fazem esse trabalho com a perspectiva de ganhos futuros com a valorização desses negócios. Nomes como Tiger Global e Sequoia, atuantes no Vale do Silício, têm juntas mais de 150 unicórnios.

Conheça abaixo três exemplos de start-ups brasileiras selecionadas para o curso do Endeavor:

Inovação contra o boleto

Eliminar boletos de cobrança e maquininhas de cartão de crédito é o desafio da Vindi. A start-up aberta em 2013 é dona de uma tecnologia que pretende ser uma alternativa para pagamentos de serviços recorrentes, como o de academias de ginástica.

Um software da Vindi é instalado no site do prestadores de serviços e, assim, permite ao cliente comprar produtos e serviços num esquema parecido ao da varejista Amazon: os dados do cliente ficam armazenados na primeira compra.

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Nas seguintes, é só clicar num botão para fechar a transação. A ideia é, para além de acabar com os boletos, evitar o uso de maquininhas de cobrança, cujo uso requer o pagamento de taxas muitas vezes elevadas.

Entre as 4.600 empresas que já adotaram o sistema da Vindi estão negócios de diversos setores, como a rede de floriculturas Giuliana Flores, a seguradora Generali e a academia BlueFit.

Em 2019, o sistema da Vindi deve registrar R$ 2,5 bilhões em transações eletrônicas, alta de 50% em 12 meses. O volume, contudo, é só uma fração dos R$ 5 trilhões pagos pelos brasileiros por ano em serviços quitados via boletos. Daí o sinal de que ela pode crescer mais. E rápido.

— A cultura de pagar boletos está superada em mercados como Estados Unidos e Europa. Logo os brasileiros vão abandonar também — diz o sócio Rodrigo Dantas.

Se essa previsão se materializar, a Vindi tem grande chance de se tornar um unicórnio.

Comparador de taxas

Há seis anos, o engenheiro carioca Ricardo Kalichsztein, hoje com 47 anos, fundou a Bom Pra Crédito, uma espécie de buscador de linhas de crédito. O cliente interessado em contratar um empréstimo faz uma busca no sistema dele para comparar as ofertas de 34 bancos pequenos e médios além de financeiras.

— Queremos popularizar o crédito a um custo baixo no país — diz Kalichsztein.

O Bom Pra Crédito funciona assim: o cliente relata no site dados como renda, histórico de compras e de pagamentos ao sistema financeiro, além da quantia desejada de empréstimo.

Algoritmos usam as informações para definir o risco de emprestar ao cliente e, em seguida, buscam as linhas mais vantajosas para aquele perfil de tomador de crédito. Os empréstimos mais em conta começam em 0,99% ao mês, taxa normalmente inferior à de bancos grandes.

Em seis anos, a Bom Pra Crédito intermediou mais de R$ 500 milhões e chegou a uma base de 6 milhões de pessoas que informaram dados à plataforma.

A expectativa é multiplicar em 20 vezes a quantia e atingir R$ 10 bilhões em empréstimos até 2022. Por ora, o foco são as linhas de crédito pessoal com garantia de imóveis e carros, que permitem reduzir as taxas de juros.

Daqui para frente, a ideia é entrar em linhas segmentadas, como para a compra de eletrodomésticos.

Aposta no mercado de entregas

A start-up paulistana B2Log é uma espécie de ‘Uber das encomendas’. Fundada em 2013, a empresa busca agilizar a entrega de produtos comprados em lojas virtuais por clientes de grandes metrópoles como Rio e São Paulo, em que o trânsito caótico costuma atrapalhar qualquer esquema de logística, até os mais azeitados.

— A promessa é entregar encomendas ao cliente no mesmo dia da compra — diz o fundador Juca Oliveira.

Para isso, a B2Log trabalha com mais de 4.000 entregadores autônomos, entre eles motoboys e gente a bordo de picapes. Por um aplicativo, esse batalhão fica sabendo das demandas e onde estão as cargas a serem coletadas.

Para dar mais rapidez aos serviços, os centros de distribuição da B2Log costumam ser em regiões de fácil acesso nas cidades atendidas. Em São Paulo, fica no bairro do Cambuci, na área central da capital paulista. No Rio, fica nos arredores do estádio do Maracanã.

É o contrário do que fazem outras empresas de logística que, para reduzir custos, colocam os centros de distribuição em regiões afastadas. Com isso, perdem agilidade.

Estar na contramão do mercado, por ora, tem funcionado. A B2Log deve fechar 2019 com faturamento de R$ 13 milhões, quase o triplo do ano passado. Entre os clientes, varejistas on-line como a Dafiti e as que também têm lojas físicas como Decatlon, Livraria Cultura e Ri Happy.