Economia Defesa do Consumidor

Empresas, como Sony e Ford, deixam o país e clientes temem por assistência. Saiba o que fazer

Lei garante suporte por toda vida útil do produto. Procons buscam acordos para reforçar compromisso de atendimento
Helena Bernardes esperava o fim da pandemia para consertar seu aparelho de som Sony Foto: Arquivo Pessoal
Helena Bernardes esperava o fim da pandemia para consertar seu aparelho de som Sony Foto: Arquivo Pessoal

RIO - O anúncio feito pela Sony, na última segunda-feira, de que interromperá a produção no Brasil no fim de março deixou muitos consumidores da marca preocupados em como ficará a assistência técnica, reposição de peças e cumprimento de garantia dos produtos. A Sony é a terceira multinacional a deixar o país em pouco mais de três meses. Ford e Mercedes-Benz também já comunicaram o fechamento de fábricas, deixando milhares de clientes em sobressalto.

O Código de Defesa do Consumidor (CDC) determina que seja mantido o fornecimento de peças e assistência técnica, mesmo no caso de o produto deixar de ser produzido ou importado, por um “prazo razoável de tempo”. E a Justiça já pacificou que esse período é referente à vida útil do produto. A garantia legal, no entanto, parece não tranquilizar os consumidores.

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— Meu som parou de funcionar no ano passado, mas por conta da pandemia estava esperando para levá-lo à assistência técnica. Com a saída da Sony do Brasil nem sei como farei esse conserto. É um aparelho antigo, mas que fez parte de momentos felizes na minha vida — diz Helena Bernardes, de 39 anos, coordenadora digital.

O estudante Lucas Pires de Lima, de 23 anos, dono de um Ford Ka 2015, teme ter dificuldade em encontrar peças para o carro:

— Já precisei da assistência da Ford após um acidente. Meu receio é que as assistências autorizadas da empresa diminuam e que as peças fiquem cada vez mais difíceis de encontrar.

Acordo com Sony à vista

Como forma de garantir o atendimento, o Procon-SP firmou um acordo com a Ford, de abrangência nacional, no qual a montadora reforça o compromisso de manter a assistência técnica, peças de reposição e garantia para seus clientes durante a vida útil do veículo.

Sony deixará de vender TVs, câmeras e fones no Brasil Foto: Reuters
Sony deixará de vender TVs, câmeras e fones no Brasil Foto: Reuters

— Já notificamos a Sony para entender qual vai ser a política adotada para o cumprimento da lei. Nossa ideia é firmar um acordo nos mesmo moldes da Ford para garantir a assistência aos consumidores da marca — diz Guilherme Farid, chefe de gabinete do Procon-SP.

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Para Átila Nunes, presidente do Procon Carioca, estes acordos beneficiam os consumidores, mas também têm reflexo positivo para a imagem das empresas. Ele avisa que, assim como Procon-SP, o órgão carioca também vai buscar firmar compromissos com as empresas.

Em nota, a Sony afirma que o suporte pós-venda permanecerá inalterado. Segundo a empresa, “o serviço não será reduzido” e serão mantidas “as mesmas redes autorizadas que já prestam serviço” à marca.

Apesar de ter assinado o termo de compromisso com o Procon-SP, a Ford não explica de que forma vai prestar assistência técnica a todos os seus consumidores, uma vez que pretende apenas manter 120 de seus 283 pontos de venda, sendo que, destes, 277 prestam assistência técnica.

Para a Associação Brasileira dos Distribuidores Ford (Abradif), o “cenário é desafiador”. Em nota, a associação disse que, “com o novo formato de mix de vendas, dificilmente a conta vai fechar. A rede terá de manter o atendimento e assistência técnica para milhões de clientes, sendo aproximadamente 500 mil deles na garantia.”

Lucas Pires teme ter dificuldade em achar peças para seu Ford 2015 Foto: Arquivo pessoal
Lucas Pires teme ter dificuldade em achar peças para seu Ford 2015 Foto: Arquivo pessoal

Procurada pelo GLOBO, a Ford reiterou seu posicionamento de que “continuará fornecendo assistência total ao consumidor nacionalmente, com operações de vendas, serviços, peças de reposição e garantia.”

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A Mercedes manteve apenas duas fábricas no Brasil para a produção de caminhões, chassis de ônibus, cabinas e agregados (motores, câmbios e eixos), mas disse garantir a continuidade da assistência a todos os carros que eram produzidos no país, sem redução de pontos de atendimento.

Toda cadeia responde

Ricardo Morishita, professor de Direito do Consumidor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), diz que apesar dos avanços nos últimos 30 anos, desde a promulgação do CDC, a assistência técnica continua sendo um problema para o consumidor:

— Ainda há grandes desafios relacionados à reposição de peças, à transparência da informação na hora de assegurar ao consumidor a entrega do orçamento e do prazo, e até a qualidade do serviço.

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Ele destaca, no entanto, que a obrigação de reparo do produto recai sobre toda a cadeia, do fabricante ao varejista:

— Mesmo que o fabricante tenha saído do país, se for o caso de defeito, a cadeia é responsável pela reparação ao consumidor, pois todos participaram do lucro da venda deste produto. Portanto, o consumidor pode acioná-los.

Fabrica da Ford em Camaçari, na Bahia: em janeiro, a montadora anunciou o fim das atividades no Brasil
Foto: Agência O Globo
Fabrica da Ford em Camaçari, na Bahia: em janeiro, a montadora anunciou o fim das atividades no Brasil Foto: Agência O Globo

Pelo CDC, no caso de vício aparente, o consumidor tem até 90 dias para reclamar com o fornecedor. Já se for o caso de um vício oculto, que pode aparecer a qualquer momento, o prazo é de 90 dias, mas a contar do aparecimento do defeito.

A quem tiver problema, a orientação é procurar o Procon. Em última instância, o caminho é recorrer à Justiça.

Saiba o que diz a lei e a Justiça e como reclamar

A lei: O Código de Defesa do Consumidor determina que fabricantes e importadores mantenham a oferta de peça enquanto o produto for produzido ou importado e, após isso, por “prazo razoável”. Justiça e órgãos de defesa do consumidor entendem que esse tempo é a vida útil do produto.

Garantia: Se o produto apresentar um defeito dentro do prazo de garantia, em caso de dificuldade de acionar o fabricante, vale lembrar que o importador ou a loja são solidários e podem ser acionados.

Teve problema? Em caso de dificuldade em ter assistência da empresa, o consumidor pode registrar queixa no Procon, e até recorrer à Justiça.

Multa: As empresas que deixarem de prestar assistência podem ser multadas pelos Procons em até R$ 10 milhões.

*Estagiário, sob a supervisão de Luciana Casemiro