Economia Defesa do Consumidor

Quem compra na internet pode se arrepender em até 7 dias. Difícil é ter o dinheiro de volta

Queixas sobre dificuldades de cancelar aquisições em lojas virtuais no prazo legal crescem 75% e governo estuda padronização
Direito de reflexão. Setor de vestuário está entre os que mais motivaram queixas sobre dificuldade de exercer direito de arrependimento Foto: Hollie Adams / Bloomberg
Direito de reflexão. Setor de vestuário está entre os que mais motivaram queixas sobre dificuldade de exercer direito de arrependimento Foto: Hollie Adams / Bloomberg

RIO - Você se excedeu nas compras da Black Friday? O produto encomendado pela internet não era exatamente o que esperava? Saiba que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) garante, a toda compra de produto ou serviço feita fora do estabelecimento comercial, a possibilidade de cancelamento em até sete dias após a entrega.

E não é preciso apresentar qualquer justificativa, sendo garantido pela lei o ressarcimento do valor total da compra, incluindo o frete. A única exceção são produtos perecíveis. Uma nova regra, editada este ano, excluiu esse direito nas compras de itens como alimentos.

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Exercer o direito de arrependimento, no entanto, está dando mais dor de cabeça durante a pandemia. As queixas sobre esse tema aumentaram 75%, de janeiro a outubro deste ano, comparado ao mesmo período de 2019, segundo dados do Consumidor.gov.br, portal de intermediação de conflitos de consumo do governo federal.

Se de um lado o aumento das vendas on-line pode responder por parte do crescimento dessas reclamações, Pedro Queiroz, diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), órgão do Ministério da Justiça e Segurança Pública, reconhece que muitas empresas, de fato, dificultam o cancelamento pelo consumidor. Não à toa, o DPDC vem estudando formas de padronizar e facilitar o exercício do direito de arrependimento.

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— Algumas empresas criam dificuldades, na tentativa de que o consumidor acabe desistindo de exercer o seu direito. Por isso, temos pensado, a exemplo do que foi estabelecido na Argentina, em recomendar que os sites tenham um “botão de arrependimento”. Seria uma boa prática para tornar o processo ágil e fácil — antecipa Queiroz.

Demora em responder

O sergipano Rafael Nunes pediu o cancelamento da compra da TV de 55”, feita no site da varejista Ferreira Costa, após obter desconto em uma loja física, mas não foi fácil.

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— Só consegui o cancelamento e o ressarcimento da compra depois de escrever para a “Defesa do Consumidor”. As lojas costumam dificultar o processo —conta.

A Ferreira Costa não respondeu à carta de Nunes a esta seção nem ao pedido de esclarecimento para a reportagem.

O engenheiro Fernando Góes, de Niterói, só obteve cancelamento e ressarcimento de compra no site da Hering depois de recorrer ao Procon-RJ. O valor foi creditado na fatura do cartão de crédito em que quitava a terceira e última parcela da aquisição.

— Escolhi as mercadorias (no site) para retirar em Botafogo. Após concluir a compra, disseram que as peças só estariam disponíveis em Duque de Caxias. Aceitei no impulso, depois ponderei que era distante demais para mim, que moro em Niterói, e pedi para cancelar. Passado um mês ainda não tinha retorno e fui ao Procon — afirma.

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A Hering afirma reconhecer o direito de arrependimento do cliente e ressalta que foi feito o estorno no cartão e gerado um vale-crédito.

A recepcionista mineira Rayane Cristina Rodrigues Silva decidiu desistir de um biquíni comprado on-line na C&A por conta do descumprimento do prazo de entrega:

— Faltavam três dias para a minha viagem e o biquíni não tinha chegado. Quando liguei para cancelar, entregaram no dia seguinte, mas já não me interessava. O pior é que no SAC a cada hora recebo uma informação diferente. Ora dizem que vão cancelar, ora que não será possível. E paguei no boleto, ou seja, já estou no prejuízo — reclama Rayane.

A C&A diz que não conseguiu contatar a consumidora para esclarecer o ocorrido e fornecer as orientações sobre o procedimento de cancelamento e estorno da compra.

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O bibliotecário pernambucano Leandro de Souza assinou um clube de benefícios do site KaBuM!, na semana da Black Friday, com o objetivo de garantir descontos e ofertas exclusivas. No dia do evento, no entanto, viu que o produto desejado não participava da promoção contratada. E pediu o cancelamento da assinatura do clube dentro do prazo de sete dias. A empresa, no entanto, não acatou a solicitação no tempo obrigatório, queixa-se:

— Solicitei o cancelamento por telefone e por chat, mas só responderam que vão entrar em contato. Agora já se passaram os sete dias, prazo para o arrependimento. Sinto-me frustrado, enganado por estar sendo privado de um direito previsto em lei.

Procurada, a KaBuM! informou que o cancelamento da assinatura foi concluído.

Segurança para o cliente

A advogada Flávia Lira, analista de proteção e defesa do consumidor do Procon-RJ, diz que é importante que, ao cancelar uma compra, a pessoa reúna documentos que mostrem que fez o pedido no prazo legal. E afirma que as lojas deveriam entender esse direito como forma de oferecer segurança ao comprador, que está fazendo escolhas sem ter o produto em mãos:

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— O direito de arrependimento ou de reflexão, como também é conhecido, dá confiança ao consumidor para realizar a compra. Por exemplo, no caso de roupas e sapatos, como comprar algo que não se vai experimentar sem essa garantia? E a compra desses produtos aumentou muito durante a pandemia. As lojas deveriam entender que isso é bom para o negócio.

Dados do Consumidor.gov.br apontam celulares, seguidos por itens de vestuário, no topo dos produtos que mais motivaram queixas sobre direito de arrependimento.

* Estagiária, sob a supervisão de Luciana Casemiro